Novo cenário para o dólar coloca pressão sobre o BC

    A virada na percepção sobre o dólar no mundo desde julho, que ajudou a moeda a superar na semana passada…

    Por José de Castro | De São Paulo

    A virada na percepção sobre o dólar no mundo desde julho, que ajudou a moeda a superar na semana passada a marca de R$ 2,30, coloca pressão sobre a estratégia de intervenção do Banco CENTRAL (BC) no mercado de câmbio. Nos próximos dias, o programa de oferta de proteção cambial completa um ano. Segundo analistas, a perspectiva de que o dólar siga ganhando força nos próximos meses pode levar o BC a ampliar as atuações no mercado, numa tentativa de equilibrar a cotação visando conter efeitos adicionais sobre a inflação. Na sexta-feira, a autoridade já mostrou disposição para isso, ao anunciar o aumento da rolagem de contratos atrelados à moeda americana que vencem no começo de setembro.

    A questão é que um reforço nas intervenções agora se dá sobre um estoque de swaps já elevado e alimenta questionamentos sobre a capacidade do BC de gerenciar as expectativas para o dólar, num momento em que o Brasil já é o único dentre os de grandes emergentes que segue fazendo intervenções no câmbio.

    Desde agosto do ano passado, o BC tem feito vendas diárias de swaps cambiais – contratos cuja colocação equivale a uma injeção de dólares no mercado futuro. O estoque de swaps vinha crescendo mensalmente até abril. Em maio, terminou em queda. A posição, entretanto, voltou a crescer nos meses seguintes. É possível estimar que a posição vendida do BC em dólar com esses papéis alcançou US$ 91,356 bilhões (1.827.120 contratos).

    Essa posição é considerada alta e está bem próxima do que se considera uma espécie de “teto” psicológico. Atualmente, esse limite estaria entre US$ 95 bilhões e US$ 100 bilhões, cerca de 25% das reservas internacionais.

    O ex-diretor de política monetária do BC Luís Eduardo Assis cita o contexto de fortalecimento do dólar e diz que a eficácia de um reforço nas intervenções poderia esbarrar na sensação de “esgotamento” dessa estratégia, que contempla controle da inflação via câmbio.

    Para Assis, está “claro” que a estratégia não pode ser usada indefinidamente, pois assim o BC acaba alimentando tensões de um ajuste iminente no câmbio. “A questão aí é que o mercado vai começar a exigir outros instrumentos, como dólares das reservas, o que tornaria o gerenciamento das expectativas para o câmbio por parte do BC ainda mais difícil”, diz o ex-diretor. “Quanto mais demora, mais difícil fica para o BC fazer a saída das intervenções de maneira ordenada.”

    O teto de 25% das reservas internacionais é o mesmo citado em um trabalho para discussão publicado em 2010 por dois ex-diretores do BC, Mário Mesquita e Mario Torós. Na ocasião, eles se referiam ao programa de intervenção de US$ 50 bilhões, anunciado para enfrentar a disparada do dólar no auge da crise de 2008. O montante representava, à época, 25% das reservas.

    O ponto central das discussões agora é a mensagem que o BC passará caso ceda a pressões, que poderiam ganhar corpo por uma rodada de valorização do dólar mais forte aqui do que no exterior. Como diz o operador de câmbio de um Banco estrangeiro, ao BC ampliar as rolagens ainda fica a dúvida sobre se a reação seria de fato positiva, de queda do dólar.

    A estratégia de intervenção do BC foi colocada à prova no fim de maio. A autoridade tentou reduzir o volume dos leilões de swap, mas teve que voltar atrás, depois de o mercado ter puxado uma alta de 1,6% do dólar, em reação à perspectiva de uma retirada maior de liquidez do sistema.

    O BC deixou de aproveitar a calmaria nos mercados de câmbio para reduzir mais firmemente o estoque bilionário de swaps, o que poderia intensificar o efeito das intervenções no caso de uma necessidade de reforço dos leilões. Nos primeiros seis meses do ano, a posição vendida do BC em dólar via swaps aumentou em quase 10%, num período em que a volatilidade do câmbio esteve nas mínimas desde maio de 2013, antes de o Federal Reserve sinalizar pela primeira vez que poderia começar a retirar os estímulos monetários. “O BC perdeu a chance de reduzir esse estoque e ganhar poder de fogo à frente”, diz o diretor de câmbio da B&T Corretora, Marcos Trabbold.

    “O efeito das intervenções do BC foi uma compressão artificial da volatilidade. Com isso você sai de um equilíbrio bom para um equilíbrio ruim”, diz o estrategista para mercados emergentes nas Américas do Nomura, Tony Volpon, para quem esse equilíbrio “ruim” significa o risco de um ajuste mais forte no câmbio agora do que aquele necessário se as atuações do BC não tivessem derrubado a volatilidade.

    Volpon considera que, de certa forma, o Brasil passou boa parte do primeiro semestre do ano com um câmbio “semi-fixo”, dada a baixíssima volatilidade. No entanto, com os elementos favoráveis ao dólar ganhando espaço, as moedas emergentes tendem a passar por mais um período de correção, que, no caso do real, pode ser mais forte.

    A virada na percepção sobre o dólar no mundo foi consolidada em julho, quando a economia americana deu sinais mais consistentes de recuperação. Uma notícia que marcou essa mudança de visão foi a divulgação do resultado do PIB americano no segundo trimestre – um crescimento de 4% em relação ao primeiro trimestre, superando com folga expectativas de alta de 3%. O dado confirmou a avaliação de que o fraco desempenho da atividade no início do ano deveu-se a questões climáticas. E, por isso, provocou uma correção de alta nos rendimentos dos Treasuries, refletindo o aumento das apostas de que o BC dos EUA poderia antecipar uma alta dos juros.

    O ICE U.S. Dollar Index – que mede o desempenho do dólar ante uma cesta com seis divisas – subiu 2,14% em julho, maior alta mensal desde janeiro de 2013.

    No plano doméstico, a disputa eleitoral tende a adicionar pressão sobre o câmbio. A preocupação dos agentes financeiros é não haver um choque de credibilidade por parte do novo governo, o que impactaria as expectativas de fluxos de recursos, com desdobramentos sobre a taxa de câmbio. Além disso, agentes avaliam o risco de que, no novo governo, a autoridade monetária venha a assumir uma postura mais flexível, o que poderia, em tese, abrir espaço para o tão esperado ajuste da cotação do dólar no próximo ano.

    Segundo especialistas, os elevados ganhos com juros no Brasil até ajudam a conter as pressões sobre o real, mas não eliminam o temor de uma nova rodada de depreciação do câmbio. Afinal, em um momento de fuga global do risco, a busca por segurança tende a se sobrepor à demanda por altas rentabilidades. Foi o que ocorreu, por exemplo, em maio do ano passado, quando sinais de que a política monetáriaamericana poderia mudar de rumo provocaram uma realocação global de recursos, com impacto direto sobre as moedas emergentes.

    Após a alta de 1,20% do dólar na semana passada, o BC decidiu ampliar a rolagem do lote de US$ 10,07 bilhões em contratos de swap cambial com vencimento em 1º de setembro. Na oferta de hoje, o lote a ser substituído passará de 8 mil para 10 mil contratos. Se mantiver o novo ritmo, a autoridade rolará US$ 9,5 bilhões, deixando uma sobra pequena em relação ao tamanho do próximo resgate. Em julho, o BC liquidou US$ 2,8 bilhões. 

    A demanda por proteção contra uma nova rodada de alta do dólar já provoca movimentações importantes no mercado de derivativos cambiais, onde os estrangeiros elevaram a um novo recorde as apostas na valorização da moeda americana.

    Das últimas 12 sessões, o dólar subiu em nove, acumulando valorização de 3,70%. Essa alta é maior que a registrada por outras divisas de mercados emergentes. No mesmo período, por exemplo, o dólar avançou 2,40% ante o peso mexicano, 1,34% na comparação com o rand sul-africano e 2,38% no câmbio com a lira turca. (Colaborou Silvia Rosa)

     

    Fonte: Valor Econômico

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