Os bancos terão de destinar uma parcela dos depósitos de clientes para um fundo que será criado para salvar as instituições consideradas grandes demais para quebrar. A proposta faz parte do projeto de lei de resolução bancária, que trata dos procedimentos a serem adotados caso Instituições Financeiras tenham dificuldades. O Valor teve acesso a uma versão preliminar do texto que o governo deve encaminhar ao Congresso ainda neste ano.
Seis bancos se enquadram hoje na definição de sistemicamente importantes: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Santander Brasil e BTG Pactual – esse último, por sua exposição internacional. Mas o chamado fundo de resolução terá aportes de todas as instituições do país, mesmo daquelas que inicialmente não são elegíveis a ser socorridas por esse mecanismo.
A ideia é que o fundo funcione como uma reserva para recuperar bancos que, se quebrassem, provocariam abalos no sistema financeiro como um todo. É daí que vem a lógica da contribuição coletiva. Embora as linhas gerais do projeto estejam desenhadas, o BC deve deixar uma boa margem de manobra para dar a resposta adequada a uma determinada crise e até para decidir se uma instituição pode acessar o fundo mesmo sem estar entre os maiores bancos. Para quem não se enquadrar nesse perfil, a tendência é que continuem a vigorar os modelos tradicionais de liquidação.
Os recursos para constituir o fundo de resolução não devem representar um encargo adicional para as Instituições Financeiras. O modelo que vem se desenhando prevê que parte da contribuição anual feita hoje pelos bancos para o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) seja direcionada para a nova estrutura.
O objetivo é evitar a criação de uma nova contribuição, cujo custo certamente seria repassado aos clientes. E a redução dos spreads de crédito está entre os compromissos assumidos pelo regulador na chamada Agenda BC+.
Atualmente, os bancos destinam mensalmente 0,0125% dos recursos captados de clientes para o FGC, responsável por garantir os depósitos de até R$ 250 mil em caso de problemas com alguma instituição. O fundo contava com patrimônio de R$ 62,452 bilhões no fim do primeiro semestre.
O FGC também deverá ser o gestor do fundo de resolução, mas a organização, que é privada, não deverá atuar na gestão dos bancos problemáticos. Caberá ao Banco Central (BC) nomear os novos administradores das Instituições Financeiras que entrarem no regime de resolução.
O novo fundo ainda não tem tamanho definido, mas um dos possíveis modelos é o europeu, que tem como meta atingir um patrimônio equivalente a pelo menos 1% dos depósitos garantidos até 2023. Em junho deste ano, o fundo contava com € 17,4 bilhões, o equivalente a 0,3% dos depósitos.
O projeto de lei brasileiro, que está em fase final de elaboração após cinco anos de discussões, traça um roteiro para garantir que as instituições sejam socorridas por seus acionistas e credores – o chamado “bail in” – e só se use dinheiro público em último caso.
O fundo de resolução é um dos diversos estágios que antecedem o uso de dinheiro do Tesouro. A proposta em discussão no governo prevê que os investidores de dívidas subordinadas – as últimas a serem pagas em caso de problemas com o banco – poderão ter seus papéis convertidos em ações caso o capital da instituição não seja suficiente para cobrir eventuais rombos.
Pela versão do projeto à qual o Valor teve acesso, o BC também pode determinar, em casos específicos, que outros tipos de dívida, como os CDBs acima do valor coberto pelo fundo garantidor, também sejam usados para capitalizar o banco com problemas. O fundo de resolução seria acionado em uma terceira etapa, se o banco continuar sem recursos mesmo após o uso do capital dos acionistas e da conversão das dívidas.
Um eventual aporte de dinheiro público só entraria em cena caso o patrimônio do fundo de resolução não seja suficiente para cobrir o passivo do banco em crise. Para permitir o resgate com recursos da União será necessária uma mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal, que proibiu esse tipo de operação. A informação foi antecipada pelo Valor no início deste mês.
O conceito de “bail in” surgiu em organismos internacionais para evitar que volte a acontecer o que se viu na crise financeira de 2008, quando enormes somas de dinheiro de contribuintes tiveram de ser usadas para salvar grandes bancos do Estados Unidos e da Europa cuja quebra causaria danos ainda maiores na economia global.
O Brasil está atrasado nesse processo. O país se comprometeu a adotar mecanismos de resolução – para o salvamento ou a liquidação organizada – das instituições consideradas de importância sistêmica até o fim de 2015. Como isso não aconteceu, o G-20, grupo das economias mais desenvolvidas do mundo, concedeu mais dois anos para que o governo brasileiro pudesse se adequar às exigências.
Embora reduza a necessidade de recursos públicos, o uso de dinheiro de investidores no resgate de Instituições Financeiras não está livre de polêmicas. Na Itália, as dívidas subordinadas foram vendidas em larga escala a pequenos investidores, que em sua maioria não conheciam os riscos da aplicação, e acabaram sendo convertidas em ações no processo de “bail in” de quatro bancos com problemas.
“Houve um problema claro de ‘suitability'”, diz uma fonte que acompanha o assunto, em referência ao termo em inglês que trata do processo de adequação das aplicações ao perfil de risco dos investidores. No Brasil, essa questão não preocupa, já que os instrumentos de dívida subordinada não são vendidos pelos bancos a qualquer investidor.
Lei pode permitir que Tesouro vire acionista de instituição
De São Paulo
A União poderá se tornar acionista de bancos privados caso os recursos do Tesouro sejam usados no resgate a instituições com problemas. A proposta faz parte de uma versão preliminar do projeto de resolução bancária, à qual o Valor teve acesso.
O objetivo da nova legislação é justamente evitar que o dinheiro do contribuinte seja usado para salvar bancos. Mas o projeto traz as condições em que isso poderá acontecer caso não haja outra opção. Pela proposta, o Tesouro será acionado apenas se a soma do capital dos acionistas, dos recursos dos credores e do patrimônio do fundo de resolução a ser criado não forem suficientes para sanear a instituição em dificuldades. E mesmo assim é preciso que a quebra do banco configure ameaça à estabilidade do sistema financeiro.
Conforme o texto, cuja versão final deve ser encaminhada ao Congresso ainda neste ano, o governo poderá participar do resgate aos bancos de três formas. A primeira é por meio de um empréstimo ao fundo de resolução, que destinaria os recursos para capitalizar a instituição.
A União também poderá conceder empréstimos diretamente ao banco encrencado ou se tornar acionista em uma “capitalização temporária”, de acordo com o texto. O governo pode deter tanto ações ordinárias (com direito a voto) como preferenciais (com prioridade no pagamento de dividendos), a critério do Ministério da Fazenda.
As regras para o aporte e empréstimos da União valerão apenas para as instituições privadas, conforme a proposta. Não está claro o que acontecerá no caso dos bancos públicos se as etapas anteriores – aporte dos acionistas (no caso, o próprio governo), dos credores e do fundo de resolução não forem suficientes. Há no setor uma preocupação com o uso de recursos do fundo, que será formado com contribuições de todo o sistema financeiro, para salvar instituições do governo, especialmente em caso de ingerência política.
Além dos grandes bancos, a nova lei de regimes de resolução vai tratar de outras instituições, como seguradoras, entidades abertas de previdência e bolsas de valores.
Fonte: VALOR ECONÔMICO