Autor: Marta Watanabe
As renúncias fiscais de contribuições previdenciárias resultantes de parcelamentos especiais da União devem avançar em ritmo bem maior por conta dos programas abertos no ano passado. Segundo estimativas da Receita Federal, dos R$ 44,15 bilhões em renúncia de débitos previdenciários dos grandes parcelamentos extraordinários nos últimos dez anos, mais da metade – R$ 27 bilhões – se refere a programas de 2017. Segundo a Receita Federal, isso é resultado de uma “acentuação” nos parcelamentos especiais. No ano passado foram quatro grandes programas. Três deles contemplaram débitos previdenciários.
O aumento do ritmo de renúncias de contribuições destinadas a sustentar o sistema previdenciário aconteceu justamente num período em que o Déficit no setor entrou em foco e o governo federal intensificou a defesa de uma reforma das aposentadorias como medida importante para o reequilíbrio fiscal.
Os dados de renúncia estão em estudo da Receita sobre impactos dos parcelamentos extraordinários do governo federal. No estudo, o órgão seleciona os maiores programas de pagamento à vista e parcelamentos especiais concedidos desde 2008. Os números de renúncia dos programas oferecidos em 2017 foram estimados com base no número de optantes.
O parcelamento de tributos não previdenciários não deve crescer na mesma escalada, pelo que mostram os cálculos da Receita. A renúncia para esse grupo com os programas do ano passado deve chegar a R$ 37,2 bilhões, o que significa R$ 3 bilhões a mais que os R$ 44,8 bilhões dos quais o governo federal abriu mão com o Refis da crise I, estabelecida por Medida Provisória publicada em 2008 e convertida em lei no ano seguinte. Esse Refis foi o que resultou isoladamente na maior renúncia fiscal entre os parcelamentos extraordinários oferecidos desde 2008, segundo o estudo. Na ocasião o Refis da Crise I permitiu o parcelamento de R$ 13 bilhões em débitos previdenciários.
De acordo com a Receita, nos últimos dez anos a renúncia com parcelamentos extraordinários chega a R$ 176 bilhões, sendo R$ 17,6 bilhões em pagamentos à vista, R$ 44,15 bilhões em parcelamentos de débitos previdenciários e R$ 114,3 bilhões em tributos não previdenciários.
O que explica o avanço maior da renúncia das contribuições previdenciárias é que dos três grandes parcelamentos oferecidos em 2017, dois deles são exclusivos para contribuições previdenciárias: o Prem, destinado específico para contribuições previdenciárias de Estados e municípios, e o PRR, que dá condições especiais para o recolhimento do Funrural, a contribuição previdenciária dos produtores agrícolas. Com esses dois programas o governo deve abrir mão de R$ 20,26 bilhões em contribuições previdenciárias.
Os demais R$ 7,7 bilhões de renúncia em parcelamentos de débitos previdenciários vêm do Pert, o chamado novo Refis, amplo programa de regularização que contempla diversos tributos, direcionado para empresas em geral e para pessoas físicas. A Receita calcula que o programa também deve resultar em renúncia de R$ 30,8 bilhões em débitos não previdenciários. O Pert teve prazo de adesão reaberto três vezes no decorrer do ano passado. Entraram no programa mais de 740 mil contribuintes, sendo 443 mil empresas e 297 mil pessoa físicas.
Frederico Igor Leite Faber, auditor fiscal da Receita Federal, diz que 2017 foi um ano mais intenso nos chamados parcelamentos especiais. “Houve uma acentuação desses programas”, avalia ele. Ele lembra que a rigor foram cinco parcelamentos, considerando no início do ano passado o Programa de Regularização Tributária (PRT) estabelecido pela Medida Provisória 766. Com benefícios mais restritos, o PRT, quando divulgado, foi visto com bons olhos pelos analistas que acompanham a situação fiscal. Sem aprovação no Legislativo, porém, a MP caducou e o governo federal editou a MP 783, que estabeleceu o Pert, com condições bem mais generosas aos contribuintes em seu texto final, quando convertida na Lei 13.496.
Também foi proposto no ano passado, diz Faber, o parcelamento para as empresas do Simples. Para esse programa não há renúncia de contribuição previdenciária, mas o governo deve abrir mão de R$ 16,4 bilhões em outros tributos. O Refis do Simples, como ficou conhecido o programa, foi aprovado na Câmara e no Senado, mas foi vetado pelo presidente Michel Temer. Há, porém, articulação para que o veto seja derrubado quando acabar o recesso parlamentar.
Faber explica que o efeito da renúncia se dá aos poucos, ao longo dos períodos de parcelamento. Mesmo assim, destaca, quando frequentes. esses programas especiais têm impacto negativo não somente para a arrecadação como para a concorrência entre as empresas. Assim que a proposta de um parcelamento começa a ser debatida, diz ele, há queda de arrecadação corrente porque as empresas preferem se financiar com o valor dos tributos, que depois serão pagos com redução de Juros e multas.
O aparente paradoxo entre o aumento da renúncia com parcelamentos de contribuições previdenciárias num momento em que o Déficit da Previdência entrou no foco de discussão do govverno federal foge do alcance da Receita, diz Faber. “A Receita Fedeal é um órgão técnico”, diz ele, explicando que decisões sobre parcelamento e reformas partem de instâncias superiores do poder executivo e também dependem do legislativo.
Bernard Appy, diretor do Centtro de Cidadania Fiscal (CCiF), diz que a intensificação de parcelamentos especiais é uma questão política. Os parcelamentos oferecidos no ano passado, diz ele, refletem a composição da base do governo atual. “É uma base empresarial, que costumar pressionar por corte de carga tributária e renegociação de débitos. É uma questão política. A base também é bastante sensível às reivindicações das prefeituras.” De forma geral, avalia Appy, o excesso de parcelamentos afeta a geração de receitas e vai na contramão do discurso de ajuste fiscal.
De qualquer forma, diz Appy, com parcelamentos de débitos tributários ou não, a reforma previdenciária é necessária, defende o economista. Para ele, não há como compensar a falta de uma reforma com a redução ou eliminação das renúncias fiscais resultantes em programas especiais para débitos previdenciários.
Fonte: Valor Econômico