O BC que queremos em 2015

    Por Jairo Saddi

    As escolhas econômicas de um país se referem ao que se conhece em sociologia como coalizão social: todos os agentes econômicos têm preferências políticas e eles se organizam de modo a ver seus anseios realizados. Os políticos são representantes dessas coalizões e, uma vez investidos em cargos públicos, influenciam e determinam decisões de políticas públicas. A polarização do eleitorado neste ano reflete um Brasil dividido, num debate raso e pouco conclusivo. Em especial quanto ao papel do Banco CENTRAL e da política monetária, em geral assuntos áridos e herméticos, além de inteiramente desconhecidos pelos não iniciados, mas cujas consequências todos são obrigados a suportar.

     

    Tanto a preferência dos agentes, quanto a própria expectativa política dos que detêm o poder influenciaram decisivamente a concepção de que é a autoridade monetária a fiadora do processo de estabilidade e desenvolvimento econômico, fruto não de determinismo pontual, mas de um longo e moroso processo histórico, repleto de experiências desastrosas, que conduziram à redefinição de interesses e à tentativa de redução do poder discricionário dos seus ocupantes.

     

    Pois bem: o que desejamos para o BC em 2015, independentemente de quem seja o vencedor? O maior ativo de um banqueiro central é ser crível. Credibilidade pode ser definida como qualidade daquilo em que se pode crer ou se toma como verdade, implicando julgamentos de confiança e segurança. Um Banco CENTRAL que não goze de credibilidade faz com que os agentes econômicos superestimem as taxas corretivas de preços. Além disso, quanto menos crível a percepção da ação do Banco CENTRAL, maior a taxa de juros que precisa ser oferecida ao mercado para que seus títulos ou aqueles que oferece sejam detidos, sob o risco de a moeda fluir para outros ativos ou mesmo para o consumo.

     

    A autonomia não existe para desligar o BC da sociedade, mas para engajá-la na defesa da ordem monetária

     

    Mas, ao contrário, bancos centrais com credibilidade acabam gerando moedas fortes. Não impõem um prêmio ou um risco por suas operações, por não estarem enfrentando vieses inflacionários. Paradoxalmente, maior credibilidade dá-lhes o necessário instrumental da condução das políticas monetárias mais restritivas no curto prazo, se assim for necessário.

     

    É inegável que o Banco CENTRAL, como qualquer outro agente político, ainda que técnico, corra o risco de ceder à pressão. Daí o debate da autonomia e dos mandatos, tão mal colocado nesta campanha eleitoral. Os diretores do Banco CENTRAL sabem também que não ocuparão seus cargos para sempre e que dependem do chefe do Executivo para continuarem neles e maximizarem sua reputação. O resultado disso é que pode ocorrer uma acomodação às demandas do Executivo ou do Legislativo como meio de esses profissionais se prevenirem da tomada do controle e da perda do espaço que conquistaram. Daí porque é necessário insulá-los e preservar seus mandatos. Racionalmente, a autonomia não existe para desligar o Banco CENTRAL da sociedade, mas, simplesmente, para engajá-la na defesa da ordem monetária da sociedade, como forma de resguardar seus interesses maiores e, ao mesmo tempo, desenvolver e democratizar os mercados financeiros.

     

    Ainda que não sinta os efeitos práticos, para o cidadão comum, um Banco CENTRAL forte pode significar a garantia da defesa contra os excessos fiscais do poder executivo nos gastos desmedidos do Estado e a certeza de que o valor da sua moeda estará preservado, interna e externamente.

     

    Outro ponto importante a ressaltar é que quaisquer que sejam os resultados da crise bancária americana iniciada em 2008 e ainda não totalmente encerrada, há ainda um aspecto ideológico que precisa ser considerado. “Nos últimos 20 anos as pessoas estavam, na verdade, expressando a ideia de que o governo deveria tirar as mãos” do mercado, diz Richard Sylla, proeminente historiador financeiro da Universidade de Nova York. “Tínhamos essa crença do livre mercado: “O governo não é uma solução, o governo é o problema”, de Reagan. Agora as pessoas estão dizendo: “O mercado é o problema. O governo é a solução”.” Em outras termos, com o maior choque financeiro desde a Grande Depressão de 1929, será que a solução é mais intervenção do Estado no sistema financeiro?

     

    Finalmente, o Banco CENTRAL que queremos e desejamos para o futuro precisa repensar sua ampla gama de funções, devendo focar naquilo que é sua missão institucional, em vez de cuidar de inúmeras atribuições não clássicas. E também é de seu mister reduzir custos de observância e fiscalização. O Brasil tem um sistema financeiro moderno e eficiente, mas caro. Parte do problema é uma regulação que gera custos de transação e nem sempre representa a melhor solução. Simplificar e progredir naquilo que já faz bem é parte do bom caminho.

     

    Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, doutor em direito econômico (USP), é diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Escreve mensalmente neste espaço.

     

    Fonte: Valor Econômico

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