O governo deveria rever o reajuste dado aos servidores

    Se não ti­ves­se da­do re­a­jus­te sa­la­ri­al aos ser­vi­do­res e op­tas­se por sus­pen­der par­te dos be­ne­fí­ci­os tri­bu­tá­ri­os, o go­ver­no po­de­ria ter evi­ta­do o au­men­to de im­pos­tos, anun­ci­a­do na se­ma­na pas­sa­da. Es­sa é a ava­li­a­ção do eco­no­mis­ta Fe­li­pe Sal­to, di­re­tor da Ins­ti­tui­ção Fis­cal In­de­pen­den­te (IFI), en­ti­da­de li­ga­do ao Se­na­do, cri­a­da jus­ta­men­te para mo­ni­to­rar as con­tas pú­bli­cas. ‘Se o go­ver­no ti­ves­se re­ver­ti­do me­ta­de do gas­to tri­bu­tá­rio, o dé­fi­cit fis­cal es­ta­ria pró­xi­mo de ze­ro’, diz. A se­guir, tre­chos da en­tre­vis­ta.

    ? O sr. fa­la da ne­ces­si­da­de de au­men­tar tri­bu­tos des­de que o go­ver­no as­su­miu. A de­mo­ra em to­mar es­sa de­ci­são pre­ju­di­cou a evo­lu­ção das con­tas pú­bli­cas? Na ver­da­de, o au­men­to de im­pos­tos e con­tri­bui­ções tor­nou-se ne­ces­sá­rio por cau­sa da com­ple­xi­da­de do ajus­te fis­cal. No ano passado, fo­ram apro­va­dos re­a­jus­tes sa­la­ri­ais para o ser­vi­ço pú­bli­co. Se na­da for fei­to para mu­dar a di­nâ­mi­ca des­sa des­pe­sa – que é uma das mais im­por­tan­tes no Or­ça­men­to ge­ral da União – ela cres­ce­rá 1% acima da in­fla­ção, anu­al­men­te, pe­los pró­xi­mos 30 anos.

    ? Pe­lo que o sr. es­tá di­zen­do, se­ria o ca­so de, na atu­al conjuntura, re­ver os au­men­tos sa­la­ri­ais? Se fos­se pos­sí­vel po­li­ti­ca­men­te, o go­ver­no de­ve­ria re­ver o re­a­jus­te. Se­ria uma al­ter­na­ti­va com efei­to fis­cal e que aju­da­ria a dar le­gi­ti­mi­da­de ao ajus­te.

    ? Serão ne­ces­sá­ri­os no­vos au­men­tos de tri­bu­tos?

    Di­fí­cil an­te­ci­par. O de­sa­fio es­tá pos­to: ajus­tar es­tru­tu­ral­men­te o la­do da des­pe­sa e pro­mo­ver uma re­for­ma tri­bu­tá­ria mais pro­fun­da, o que de­man­da­rá tem­po.

    ? Mui­tos eco­no­mis­tas agora di­zem que fal­tou ajus­te de cur­to pra­zo. O sr. con­cor­da?

    Quan­do o cha­ma­do te­to de gas­tos foi anun­ci­a­do, no ano passado, eu e Mô­ni­ca de Bol­le (eco­no­mis­ta e pes­qui­sa­do­ra do Ins­ti­tu­to Pe­ter­son de Eco­no­mia, em Washington) es­cre­ve­mos ar­ti­go in­di­can­do que a di­re­ção da me­di­da era boa, mas que não aten­dia à ne­ces­si­da­de de apa­gar o incêndio, is­to é, de re­sol­ver o cur­to pra­zo.

    ? Qual se­ria a me­lhor es­tra­té­gia da­qui para frente?

    No úl­ti­mo re­la­tó­rio de acom­pa­nha­men­to fis­cal da IFI, mos­tra­mos que o gas­to tri­bu­tá­rio (aqui­lo que se dei­xa de ar­re­ca­dar em ra­zão de de­so­ne­ra­ções) deve su­pe­rar a mar­ca de 4,5% do PIB (Produto In­ter­no Bru­to) em 2017. Se me­ta­de des­se va­lor ti­ves­se si­do re­ver­ti­do, com to­dos os ou­tros fa­to­res man­ti­dos cons­tan­tes, o dé­fi­cit pri­má­rio, ho­je, se­ria mui­to mais bran­do, pró­xi­mo de ze­ro. Agora, an­tes de se pen­sar em ajus­tes mai­o­res, do la­do da receita, é pre­ci­so fa­zer a li­ção de casa do la­do das des­pe­sas. Os gas­tos dis­cri­ci­o­ná­ri­os, que in­clu­em in­ves­ti­men­tos, es­tão cain­do a 37,3%, em ter­mos re­ais, em re­la­ção a 2016, quan­do to­ma­do o pe­río­do de ja­nei­ro a maio. Há es­pa­ço para me­lho­ria de efi­ci­ên­cia e com­ba­te a pre­ços ex­ces­si­vos nos con­tra­tos pú­bli­cos, mas sem mu­dan­ças

    es­tru­tu­rais nas des­pe­sas obri­ga­tó­ri­as, o ajus­te não sai­rá do pa­pel.

    ? O sr. di­ria que o go­ver­no tem fei­to a sua par­te?

    No to­can­te ao re­sul­ta­do fis­cal do go­ver­no, quan­do ex­cluí­mos as con­tas da Pre­vi­dên­cia, já hou­ve uma recuperação im­por­tan­te. O re­sul­ta­do sem re­cei­tas e des­pe­sas pre­vi­den­ciá­ri­as já es­tá po­si­ti­vo. O bu­ra­co, no en­tan­to, é mui­to gran­de. As me­lho­ri­as que ocor­re­ram fo­ram in­su­fi­ci­en­tes.

    ? Qual é o ce­ná­rio, en­tão, com e sem re­for­ma da Pre­vi­dên­cia? Sem re­pen­sar Pre­vi­dên­cia, não ha­ve­rá luz no fim do tú­nel. A re­gra do te­to de gas­tos (que li­mi­ta as des­pe­sas de um ano ao cres­ci­men­to da in­fla­ção do ano an­te­ri­or) di­fi­cil­men­te se­rá cum­pri­da. Agora, é bom que se di­ga: ape­nas a re­for­ma da Pre­vi­dên­cia não é su­fi­ci­en­te. Te­re­mos de com­bi­nar me­di­das do la­do das re­cei­tas e das des­pe­sas. A dí­vi­da pú­bli­ca ainda cres­ce­rá por vá­ri­os anos. No ce­ná­rio pes­si­mis­ta tra­ça­do pe­la IFI, a dí­vi­da po­de­rá atin­gir 100% do PIB en­tre 2021 e 2022. Se­ria um qua­dro de in­sol­vên­cia do Es­ta­do.

    ? A si­tu­a­ção po­de fi­car tão gra­ve as­sim? No ce­ná­rio mais pro­vá­vel, em que a so­ci­e­da­de e o Con­gres­so con­si­gam en­ca­mi­nhar mu­dan­ças mí­ni­mas. Mas a dí­vi­da – ainda as­sim – avan­ça­ria dos atu­ais 72,5% do PIB para 92,4% do PIB, em 2023, passando en­tão a fi­car es­tá­vel e, em se­gui­da, a cair len­ta­men­te. O qua­dro vi­vi­do ho­je pe­lo País é o mais pre­o­cu­pan­te de sua his­tó­ria. A eco­no­mia ainda não dá si­nais evi­den­tes de recuperação. Não há recuperação das con­tra­ta­ções, que se­guem cain­do. Ju­ros e Câmbio pa­re­cem con­tro­la­dos, mas os ju­ros re­ais ainda es­tão mui­to acima do de­se­já­vel. De­mo­ra­rá anos para que o Bra­sil ti­re, para va­ler, o pé da la­ma.

    Fonte: O Estado de S. Paulo

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