O labirinto do Banco Central

    A explicação para o movimento realizado pelo Banco CENTRAL (BC) na semana passada está na política. Um dia depois de afirmar que manteria as condições monetárias apertadas, porque o cenário econômico contempla inflação resistente nos próximos trimestres , o BC afrouxou parte dessas condições monetárias. Diante de uma economia que já pode estar em recessão, a diretoria do BC fez um aceno ao Palácio do Planalto às vésperas da eleição.

    O que se viu nos últimos dias foi um labirinto. Ao se reunir duas semanas atrás e decidir pela manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 11% ao ano, o Comitê de política monetária (Copom) deixou claro que tomou essa deliberação considerando a situação da economia neste momento . Ato contínuo, o mercado passou a acreditar que, nas próximas reuniões ou já no próximo encontro, em setembro, o Comitê reduziria a taxa Selic.

    O que motivou essa expectativa foram dois fatos. O primeiro, o histórico da atual diretoria do BC de seguir duplo mandato: combater a inflação, mas sempre dando peso relevante à atividade econômica. Um exemplo: em agosto de 2011, em condições parecidas com as atuais, o Copom reduziu os juros quando a inflação superava o teto da meta (6,5%) e as expectativas estavam fora de controle. O argumento usado foi o de que a atividade estava fraca e o mundo entrava em novo período desinflacionário por causa do recrudescimento da crise na Europa.

    O ruído sobre a taxa de juros veio da própria autoridade monetária

    A segunda razão para o mercado apostar que a taxa Selic cairia em setembro ou na reunião seguinte do Copom foi a manutenção da locução adverbial neste momento no comunicado do último encontro do Comitê. Está claro que essa decisão abriu uma porta para a diretoria mudar de opinião no prazo de 45 dias entre a última reunião e a próxima. O recurso à expressão neste momento foi o aviso de que as próximas deliberações podem ser diferentes da última, condicionadas mais que o usual a dados da economia que sejam conhecidos até o próximo encontro do Copom.

    Essa percepção foi reforçada pelo fato de que a economia brasileira está no chão. É possível que, no segundo trimestre do ano, o Produto Interno Bruto (PIB) tenha recuado algo como 0,3%. O crescimento do primeiro trimestre pode ser revisado de 0,2% positivo para 0,1% negativo. A recessão já teria começado.

    Os indicadores de confiança têm caído para patamares historicamente baixos, antecipando atividade fraca nos próximos meses. Ontem, o superintendente adjunto de ciclos econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Aloísio Campelo Jr., informou que o Índice de Confiança da Indústria registrou, em julho, seu sétimo recuo consecutivo, caindo ao menor nível desde abril de 2009, quando o Brasil sofreu a sua última recessão.

    Dentro do Banco CENTRAL, argumenta-se que, apesar da queda da atividade, a inflação continua elevada – acima do teto da meta na medição em 12 meses – e as expectativas seguem fora do lugar. Em tese, não é hora de se falar em redução dos juros. Tudo isso seria compreensível se a atual diretoria do BC não tivesse flexibilizado, a todo o tempo, o seu mandato de principal responsável pela manutenção do poder de compra da moeda.

    Sem esse histórico e, principalmente, sem a manutenção da expressão neste momento , o mercado não teria andado tanto entre o comunicado e a ata na previsão de cortes da taxa Selic. O ruído, portanto, veio da própria autoridade monetária.

    A ata divulgada na semana passada não parece falar com o comunicado. Ela endurece os termos da anterior ao ressaltar que o juro ficará parado por um período prolongado, embora essa expressão não conste do documento – a razão, nesse caso, é simples: em 2012, esses termos foram usados, mas o compromisso não durou muito tempo porque, logo, o Copom se viu obrigado a elevar os juros depois de prometer que eles ficariam estacionados por um período prolongado de tempo .

    Se a ideia era dizer que os juros precisam ficar altos, em 11% ao ano, por um bom tempo, era só ter tirado a expressão neste momento do comunicado. É provável que a manutenção da expressão tenha sido um equívoco, reconhecido internamente, que obrigou o Comitê a repará-lo por meio de uma ata dura.

    A hipótese alternativa, a de que deixou o neste momento pois queria parecer duro e ter a chance de subir em setembro, e o mercado interpretou erradamente por sua própria conta, parece pueril no atual contexto de atividade, inflação, eleições e do histórico desse BC. E mesmo que o câmbio dispare daqui até lá, criando a necessidade de subir os juros, o mercado precificaria isso à medida que o câmbio andasse, sendo desnecessária qualquer sinalização adicional, inclusive porque o câmbio de referência aqui é de R$ 2,20 , diz um participante do mercado.

    No dia seguinte à divulgação da ata que surpreendeu o mercado com um tom mais duro, que chamou a atenção para a inflação resistente e que justificou a necessidade de se manter as condições monetárias apertadas, o BC liberou parte dos depósitos compulsórios e reduziu o requerimento de capital de algumas operações de crédito. Numa economia que caminha para a recessão, onde as famílias comprometem níveis recordes de sua renda com o pagamento de dívidas e os juros estão nos patamares mais elevados dos últimos anos, o impacto da decisão do BC na atividade tende a ser nulo ou negligenciável. Isto, sem falar na absoluta falta de interesse dos bancos em conceder crédito, graças às incertezas que pairam no horizonte.

    Esse enredo mostra que a atual diretoria do BC praticamente encerrou sua gestão. Manteve o juro em 11% ao ano e, ao reduzir os compulsórios, mandou um sinal de alento à presidente Dilma Rousseff depois de um longo ciclo de aperto monetário – que, claro, só foi longe demais graças à decisão do próprio governo de bancar uma política fiscal expansionista.

    É provável que esse quadro não mude no curtíssimo prazo, uma vez que o próprio Copom se amarrou ao compromisso de não mexer nos juros por um certo tempo – com a ressalva de que, todas as vezes em que fez promessas desse tipo, a atual diretoria do BC, por razões técnicas ou políticas, mudou de ideia rapidamente.

     

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

    E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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