O que falta não é dinheiro

    Se demandas so­ciais não são atendi­das, como as mani­festações de rua comprovam; se obras atrasam por­que os recursos não são liberados e aplicados de acordo com o cronograma; e se, ainda assim, o governo en­frenta dificuldades cada vez maiores para cumprir a já limitada meta fis­cal, e sempre à custa de artimanhas contábeis, não é por falta de dinhei­ro. Dinheiro há, suficiente para o go­verno cumprir adequadamente seu papel, prestando os serviços reclama­dos pela população, concluindo as obras necessárias para sustentar a ati­vidade econômica e estimular o cres­cimento e mantendo as finanças pú­blicas em ordem. Há até mais do que o suficiente para isso. O problema do governo federal não é falta de re­cursos; o que lhe falta é outra coisa. 

    Quanto à disponibilidade de di­nheiro para cumprir seu papel, estu­do feito pelo próprio governo, por meio da Secretaria do Tesouro Na­cional e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que não há problemas. De acordo com o estudo – cujos dados foram di­vulgados pelo jornal Valor (8/5) -, co­mo porcentagem do PIB brasileiro, a arrecadação federal nos três pri­meiros anos do mandato da presi­dente Dilma Rousseff foi sempre maior do que a de 2010, último ano do governo Lula. 

    Em dois dos três anos da gestão Dilma, a fatia do PIB absorvida pelo governo federal como tributo foi mais de 1,5 ponto porcentual maior do que a de 2010 (22,53% do PIB em 2010, 24,08% em 2011, 23,89% em 2012 e 24,04% em 2013). Vê-se que, em 2011 e no ano passado, o governo federal abocanhou praticamente um quarto de tudo o que o País produ­ziu. Incluindo Estados e municípios, a carga tributária em 2013 foi estima­da em 35,83% do PIB. 

    O documento em que esses núme­ros são apresentados é uma nota de responsabilidade do Tesouro acres­centada como “informações adicio­nais” à prestação de contas. O presi­dente da República tem a obrigação legal de apresentar anualmente sua prestação de contas, que inclui, en­tre outras demonstrações contábeis e financeiras oficiais, o Balanço Ge­ral da União. 

    Cauteloso, o texto redigido pela Secretaria do Tesouro deixa claro que esses números são estimativas, pois, como esclarece, o cálculo ofi­cial da carga tributária é feito pela Secretaria da Receita Federal, que costuma divulgar os resultados no segundo semestre de cada ano. Curiosamente, as estimativas do Te­souro para a carga tributária têm si­do menores do que a carga oficial calculada pela Receita. Para 2012, por exemplo, a estimativa do Tesou­ro foi de 35,58% do PIB, enquanto o resultado da Receita foi de 35,85%. É possível que também em 2013 o to­tal de impostos efetivamente pagos pelos contribuintes tenha sido maior do que o estimado pelo Tesou­ro e pelo Ipea. 

    O aumento da arrecadação federal em 2013, na comparação com 2012, em ritmo maior do que o do cresci­mento da economia – e que resultou no aumento da carga tributária -, foi justificado pela Receita como decor­rente de medidas extraordinárias, es­pecialmente a ampliação das possibi­lidades de parcelamento de débitos tributários vencidos, permitida pela reformulação do Refis. Só nos últi­mos três meses de 2013, a receita adi­cional propiciada pela adesão de grandes contribuintes ao Refis alcan­çou R$ 21,6 bilhões. 

    Além disso, em 2013, para o cálcu­lo do superávit primário – necessá­rio para o pagamento da dívida públi­ca -, o governo cortou determinados itens das despesas, antecipou a apro­priação de resultados de estatais e in­corporou receitas extraordinárias, que não se repetirão no futuro, co­mo o bônus de R$ 15 bilhões pago pe­lo consórcio vencedor do leilão do campo gigante de Libra, na área do pré-sal. No entanto, nem dispondo de receitas adicionais como essas, e em grandes volumes, nem atrasando a liberação de recursos para obras e serviços públicos, como tem feito, o governo consegue gerir suas finan­ças de maneira que os contribuintes possam confiar na preservação do equilíbrio fiscal. 

    Neste ano, mesmo dispondo de mais dinheiro, conforme dados da Receita, o governo continua com di­ficuldades para cumprir a meta fis­cal, sinal de que as manobras conti­nuam ativas.

     

    Fonte: O Estado de S.Paulo

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