A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que foi aprovada pelo Senado Federal e seguiu para a Câmara dos Deputados, estabelece medidas de ajustes fiscais em contrapartida para a criação de um segundo auxílio emergencial. Mas os cortes fiscais impactam diretamente os servidores federais e podem ter implicações em outras esferas federativas.
Chegaram a ser discutidos, mas ficaram de fora da PEC, o fim dos repasses de 28% da arrecadação do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), assim como a redução de até 25% dos salários dos servidores com a redução proporcional de jornada. Mas outros pontos de interesse do funcionalismo federal estão na proposta.
Mudanças que afetam os servidores
A PEC Emergencial traz alguns “gatilhos” que passam a ser permanentes, e não restritos à pandemia de Covid-19. Na esfera federal, todas as vezes em que a relação entre as despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos e às despesas totais superar 95%, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público deverão vedar:
• Aumento de salário para o funcionalismo
• Realização de concursos públicos
• Criação de cargos e despesas obrigatórias
• Concessão de benefícios e incentivos tributários
• Lançamento de linhas de financiamento
• Renegociação de dívidas
Ou seja, caso a dívida da União ultrapasse 95% das receitas, o governo federal deverá congelar os salários de servidores; paralisar a concessão de benefícios e gratificações e progressão ou promoção funcional; apenas contratar servidores para reposição, não criar cargos, e não criar cargos ou funções que impliquem aumento de despesas, não sendo possível realizar concursos públicos.
Os estados e os municípios estão sujeitos à mesma regra dos 95%, porém esta apenas de forma facultativa. No caso desses entes da federação, também será possível acionar as medidas de contenção de gastos quando a relação entre as despesas correntes e as receitas correntes (impostos e contribuições) atingir 85%. Nesse caso, a implementação dependerá apenas de atos do Executivo, com vigência imediata.
Inativos e pensionistas
A PEC também prevê mudanças para os aposentados. Gastos com inativos e pensionistas serão incluídos no teto de gastos dos Legislativos municipais. Hoje, o teto só inclui os salários dos vereadores.
Além disso, gastos com pensionistas não poderão ultrapassar limites estabelecidos em lei complementar. Atualmente, a Constituição estabelece um teto apenas para despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, sem citar os pensionistas.
* Com informações da Agência Brasil e do Senado Federal
O que dizem os servidores
Diversas associações e sindicatos de servidores federais estão repudiando a aprovação da PEC e prometem fazer pressão no Congresso Nacional para reverter o prejuízo. A Frente Servir Brasil está mobilizando parlamentares na Câmara dos Deputados para modificar pontos prejudiciais aos servidores, como as medidas de congelamento de salários, progressões e promoções, e a suspensão de concursos públicos em estados e municípios em situação fiscal crítica.
— O Auxílio Emergencial é urgente e imprescindível, mas não pode vir às custas do funcionalismo público. Há outros caminho — afirma o presidente da Frente, deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF).
Para Cristiana Gerardo, diretora do Sindsprev/RJ (Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde e Previdência no Estado do Rio), o governo está fazendo chantagem com a sociedade.
— Isso é uma chantagem institucional. O governo dá uma migalha para a população e tira direitos imprescindíveis de outra parcela da população. É uma política sem sentido, que empobrece o servidor, empobrecendo a nação. É preciso mobilizar os parlamentares, que precisam compreender que isso não vai resolver o problema do país, se utiliza a fome de um para tirar de outro que também está com dificuldades.
A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) afirmou que vai pressionar os deputados a reverem os dispositivos que prejudicam os servidores, lembrando que muitos são profissionais de saúde, atuando na linha de frente, ou atuando em outras áreas essenciais.
— Nós achamos lamentável que essa pec tenha sido aprovada no senado. E é engraçado que o governo diz que vai economizar R$150 bilhões com os servidores, mas o auxílio vai custar R$ 42 bi. Então, o resto do dinheiro vai para onde? E falam sobre um pequeno sacrifício a se fazer, os servidores federias já estão com o salário congelado desde 2017. O governo faz sempre campanha contra o funcionário público — afirma Sérgio Ronaldo da Silva, secretário geral da Condsef.
A PEC Emergencial atingiu especificamente os servidores ligados a Receita Federal. A Constituição garantia a destinação de recursos específicos para um fundo da Receita, e agora, a PEC desvincula o fundo da Receita Federal.
— O impacto é grave. Esse é um fundo que a receita utiliza para gerir o órgão e essa desvinculação fragiliza a receita no orçamento. Agora a receita vai ter que disputar orçamento com todo mundo. E a receita não pode ficar à mercê dessas contingências. A Constituição protegia a área exatamente porque ela é considerada essencial. No momento de crise fiscal fragilizar o órgão que arrecada é temerário, pode piorar a própria arrecadação. Para 2021, a Receita está com orçamento já enxugado em mais de 1 bilhão de reais — afirma o presidente doSindicato dos Analistas da Receita Federal do Brasil Sindireceita, Geraldo Seixas.
Em nota, Sindifisco alerta que relator da PEC 186 coloca em jogo a sobrevivência da Receita Federal: ” Se mantido como está, o texto da PEC 186 estrangula a administração tributária e abre uma espiral que, com o decorrer do tempo, irá minar gradualmente as possibilidades de equilíbrio fiscal, para a União, estados e municípios. Mesmo após sucessivos alertas, o relator manteve a redação que aniquila a permissão constitucional para destinação de recursos para as atividades da administração tributária, o que compromete os fundos específicos para financiamento dos fiscos, apontando, inevitavelmente, para um desmantelamento das estruturas de arrecadação e fiscalização tributária no país”.
O presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Paulo Lino, também se manifestou contra a PEC Emergencial em nota.
” É inaceitável que, sob uma demanda justa e extremamente emergencial, sejam impostas mudanças tão profundas ao texto constitucional, com impactos significativos sobre os servidores, o serviço público e a sociedade, principalmente em seu segmento mais vulnerável financeiramente.
Urgente e fundamental, verdadeiramente, é a execução de um plano de desenvolvimento econômico. É preciso, urgentemente, retomar os investimentos e centrar os esforços em aumentar a arrecadação do governo, com o incentivo à industrialização e a consequente geração de empregos. O desespero em somente cortar despesas primárias, focando principalmente nos investimentos em servidores e serviços públicos, demonstra claramente a visão míope de um governo que não conseguiu, desde seu início, antes mesmo da pandemia da Covid-19, o avanço econômico do país, direcionando quase todos os seus recursos para as despesas que financiam a rolagem da dívida pública.”