Orçamento apertado já muda hábitos

    Por Felipe Marques e Camilla Veras Mota | De São Paulo

    Molan, do Santander: famílias usam poupança para aliviar queda na renda

    O aumento generalizado de preços e o encarecimento do crédito pesaram sobre o orçamento das famílias nos primeiros meses de 2015, reduzindo o espaço para consumo. A queda nos gastos das famílias só não foi maior graças ao amparo dado pela poupança, que amenizou a perda de renda disponível para consumir. Segundo economistas ouvidos pelo Valor, contudo, a tendência é que o balanço das famílias fique cada vez mais apertado ao longo do ano, com impactos ainda maiores sobre os gastos. 

    Por enquanto, porém, a boa notícia é que os efeitos do aperto orçamentário sobre a taxa de inadimplência das famílias têm sido limitados e devem se manter sob controle ao longo do ano. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostra que o número de famílias com dívida caiu de 62,7% para 57,8% entre fevereiro de 2014 e o mês passado. Além disso, nos últimos anos, aumentou a participação no crédito de modalidades com garantias mais fortes – como o crédito imobiliário – o que reduz a chance de calotes. 

    “De um lado, o crédito está mais difícil e mais caro. De outro, o aumento do custo de vida neste início de ano já afeta a renda disponível. As famílias estão tentando evitar o endividamento”, afirma Marianne Hanson, economista da instituição. Para ela, a postura mais cautelosa dos consumidores, que se traduz nos baixos níveis dos indicadores de confiança, deve evitar um aumento exagerado dos níveis de inadimplência neste ano – desde que não haja um pico na taxa de desemprego, ela ressalva. 

    Ainda que não tenha afetado a inadimplência, a contração da renda disponível nos primeiros meses do ano teve impacto na capacidade de poupar das famílias. Nas contas do economista-chefe do Santander, Maurício Molan, os primeiros meses do ano devem ter trazido uma contração na renda disponível na ordem de 2%. Combinada ao menor apetite das famílias por crédito, essa queda cria a combinação ideal para diminuição de consumo.

    Essa queda, porém, tem um atenuante importante. “Há um fenômeno em curso que é o princípio da suavização do consumo. Quando a renda da família cai, seu consumo não cai proporcionalmente. Da mesma forma, quando a renda sobe, a subida do consumo não é proporcional. A poupança é o fator que ajuda na suavização dessa queda”, afirma o economista-chefe do Santander. 

    Importante instrumento de reserva das famílias, o comportamento da caderneta de poupança em janeiro e fevereiro foi influenciado por este cenário. Nos dois meses, a retirada líquida de recursos da poupança bateram recorde, e somam R$ 11,8 bilhões. Em contrapartida, os fundos DI, mais atrativos que a caderneta em tempos de taxa básica de juros alta, absorveram R$ 2,5 bilhões em fevereiro. Ou seja, ao menos parte desses recursos pode ter sido usada pelas famílias para fechar o orçamento mensal.

    Outra consequência do aperto na renda é o aumento da fatia mensal do orçamento que as famílias precisam destinar para pagar dívidas, o comprometimento de renda. A Tendências Consultoria calcula que o nível de comprometimento da renda das famílias deve crescer de 29,3% em 2014 para 30,8% neste ano. Essa alta, afirma Rodrigo Baggi, economista da instituição, é resultado não só da desaceleração dos rendimentos como também do encarecimento das taxas de juros. 

    Só os reajustes de energia elétrica residencial, gasolina e transporte público devem reduzir a renda média disponível em 2015 em 2,1%, afirma o economista – a maior queda desde 2003. “O espaço no orçamento das famílias tem ficado muito apertado”, pondera. 

    Depois de crescer 3,6% em 2014, a massa de rendimentos da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) – aquela que leva em conta todas as receitas, não apenas a habitualmente recebida – deve encolher 1,2% em 2015, conforma as projeções da Tendências. A expectativa para massa ampliada, por sua vez, que leva em consideração os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), com maior abrangência, é de perda de 0,3%. 

    Ao mesmo tempo em que a renda disponível encolhe, as famílias têm reduzido a demanda por crédito para consumo no começo de 2015. Dados da Serasa Experian mostram que, em janeiro, houve um avanço de 2,1% na procura por crédito, o menor percentual de crescimento dos últimos cinco meses. Olhando apenas para famílias com renda de até R$ 500, houve uma queda sensível de 18,82% na demanda por financiamento.

    “É um consumidor de baixa renda que, em geral, não tem reserva e que é mais sensível a uma piora do cenário”, afirma Luiz Rabi, economista da Serasa. “A demanda por crédito deve se retrair mais neste ano”, afirma. 

    Rabi chama atenção para o fato de os desembolsos de linhas rotativas de crédito – aquelas usadas em caso de emergência – estarem crescendo a uma velocidade maior que as não rotativas – em geral, usadas para a aquisição de bens duráveis ou semiduráveis. “É um sinal de uma dificuldade do consumidor em encontrar outras linhas de crédito mais baratas à disposição”, diz. 

    Dados do Banco CENTRAL mostram que, em janeiro, foram desembolsados R$ 117,2 bilhões em linhas de crédito rotativas, como o cartão de crédito e o cheque especial, o que representa um crescimento de 10,3% ante o mesmo mês de 2014. Já as linhas não rotativas, que incluem crédito consignado e de veículos, somaram R$ 32,1 bilhões desembolsados no mês, com queda de 4% ante o ano passado. 

    Vale lembrar que os desembolsos de linhas rotativas são de curto prazo e normalmente são mais acessados no começo do ano, em função do acúmulo de obrigações das famílias. Ainda assim, é um sinal de que fechar o mês no azul ficou sim mais difícil em 2015.

     

    Fonte: Valor Econômico

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