Órgãos de fiscalização querem mais autonomia

    Sob o argumento de reforçar o combate à corrupção, servidores da AGU, da Polícia Federal e da CGU pressionam por maior liberdade administrativa e financeira das instituições. Propostas, que estão em discussão no Congresso, provocam polêmica

    Entidades sindicais de funcionários de órgãos de fiscalização e controle prometem intensificar a pressão no Congresso Nacional para se livrar das amarras gerenciais do Executivo Federal. Estão nas mãos de deputados duas propostas de Emenda Constitucional (PEC) que poderão dar autonomias administrativa e orçamentária à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Polícia Federal (PF). Há, ainda, a sugestão de projeto para criar a Lei Orgânica da Controladoria-Geral da União (CGU), que também prevê a autonomia para a instituição. Sindicalistas avaliam que, sem interferência política, a sonhada emancipação garantiria combate mais efetivo à corrupção. No entanto, a aquisição de “poderes” sobre o uso dos recursos e eventuais gastos é questionada pelo governo e até por representações sindicais. 

    Com a autonomia, os órgãos terão mais controle sobre investimentos em estruturas físicas, agilidade na reposição do quadro de pessoal e poder sobre a reestruturação de carreiras, defende a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe), entidade que congrega as quatro carreiras da advocacia pública: advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, federais e do Banco CENTRAL. “A autonomia orçamentária colocaria o orçamento que é destinado à advocacia nas mãos da própria AGU, para que administre da forma que for mais conveniente e necessária para o exercício das suas finalidades”, explica a diretora de Comunicação e Imprensa da Unafe, Alessandra Minadakis. 

    Como resultado da autossuficiência orçamentária e administrativa, Alessandra afirma que os advogados poderiam analisar melhor se gestores públicos estão agindo em conformidade com a lei e com a Constituição, sem receio de sofrer pressões políticas. Atualmente, há casos em que servidores são deslocados para desempenhar outras funções. “Uma licitação feita por um ente público necessita do parecer do advogado público. Se um gestor não se ativer àquilo que foi firmado, obviamente poderá arcar com as consequências”, diz. 

    Em nota, a AGU informa que criou um Comitê de Interlocução formado por membros de suas carreiras, tendo como função a defesa das proposições legislativas que assegurem uma melhor estrutura à instituição, bem como a valorização dos advogados públicos. O grupo faz gestões junto de órgãos do Poder Executivo e de lideranças do Legislativo. A PEC 82/2007, que prevê a autonomia da AGU, está pronta para entrar na pauta no plenário da Câmara dos Deputados.

     

    Paradoxo

    Os pedidos por autonomia são vistos com surpresa por Paulo Henrique Blair de Oliveira, juiz e professor da Universidade de Brasília (UnB). “Eu me vejo diante de um paradoxo. Pela Constituição Federal, esses órgãos já gozam de autonomia, e ela precisa ser respeitada pelo Poder Executivo. Se a autonomia é questionada e se cogita uma PEC para atestá-la, temos um problema com a nossa prática na condução das políticas públicas”, explica. 

    Favorável às autonomias orçamentárias dos órgãos de fiscalização, Blair, no entanto, defende a necessidade de debater o que é fundamental para o exercício da profissão e o que poderá virar privilégio. “Autonomia não pode ser encarada como soberania. Os órgãos não podem gastar o quanto quiserem e ficar sem prestar contas ao governo”, diz ele, que acha importante o papel da sociedade civil no debate da matéria. “Cabe à população avaliar se ela própria pode ser vítima de más gestões. O único poder que controla é o povo, e o povo faz isso através da opinião pública.” 

    Os órgãos argumentam que a fiscalização financeira não mudaria, sendo feita pelo controle interno e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), de modo que a gestão dos recursos observaria estritamente o que é disposto na Lei Orçamentária Anual. “No tocante à realização da despesa, a Defensoria Pública da União (DPU) sempre observou os limites de gastos que lhe são impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirma o órgão, que conquistou a autonomia em agosto de 2013, mas só neste ano passou a exercê-la plenamente.

     

    Poder armado

    Na Polícia Federal, há quem discorde da PEC 412/2009, que prevê a autonomia do órgão. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Jones Leal, acredita que dar autonomia financeira para o segmento abre a possibilidade de gastos indiscriminados. “A PF poderia aumentar ou reduzir subsídios, comprar o que bem entendesse, sem interferência do Ministério Público ou do Executivo. Seria um braço armado que teria a condição de se armar muito mais ainda, transformando-se em outro poder”, avalia. 

    Para Leal, a autonomia da PF poderia contribuir com o aumento, e não com o combate, da corrupção. “Já que os delegados federais poderão escolher quais operações terão andamento, a polícia poderia deixar de abrir algumas investigações em detrimento de outras. Mais de 60% dos policiais já viram ingerências políticas em investigações da PF”, critica. 

    O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (APDF), Leôncio Ribeiro, rebate os argumentos e defende a PEC. “Se a polícia tiver mais recursos para que possa investir no combate ao mau uso de dinheiro público, todo desvio voltará para os cofres públicos. Todos os que têm papel de prevenir e tentar evitar prejuízos aos cofres públicos estarão ajudando o equilíbrio fiscal do país”, argumenta. No modelo atual, dos R$ 5 bilhões do orçamento de 2015 destinados à instituição, a PF terá cerca de 30% para investimentos, diz Ribeiro. “Trabalhamos com equipes mínimas de investigação. Temos 14 mil servidores, o mesmo número de 1970. Estamos em 2015 e não conseguimos ultrapassar esse limite. A PF não tem autonomia para prover seus próprios concursos”, reclama.

     

    Desafio

    A reivindicação de autonomia deve enfrentar resistência da Presidência da República. Em abril deste ano, a presidente Dilma Rousseff ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade contra a Emenda Constitucional 74/2013, que assegurou autonomias funcional e administrativa à DPU. O argumento do Planalto é de que a emancipação não poderia ter sido proposta por um parlamentar, o que seria vício de iniciativa. A Suprema Corte avalia o processo. 

    Sindicalistas especulam que a investida do Planalto foi dada em defesa ao ajuste fiscal. Há o temor de que o aumento salarial aprovado pela Câmara aos defensores públicos da União, em março, provoque um efeito dominó, uma vez que outras carreiras poderiam ser gratificadas com o reajuste. A ideia, no entanto, é contestada pelo presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Dinarte da Páscoa Freitas. 

    “A autonomia não gerou desequilíbrio fiscal. Dentro do conjunto de órgãos que fazem parte do governo, a DPU é o que tem o menor gasto. De cada R$ 1 mil em despesa com pessoal, apenas R$ 0,86 são destinados ao órgão”, argumenta. Para ele, há um clima de revanchismo desde que a DPU conquistou a autonomia, em 2013. “Hoje, podemos encaminhar e discutir o processo de fortalecimento do órgão. O Executivo nunca se interessou em reestruturar a carreira”, afirma. 

    Recentemente, foi suspenso concurso público para preenchimento de 143 vagas para a área administrativa. E não há previsão de reabertura do processo seletivo. Como a DPU nunca teve uma carreira de apoio, contava com servidores cedidos do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE). “A intenção era colocar servidores próprios do órgão”, explica Freitas. A Presidência da República não se posicionou. A DPU destaca que, com orçamento próprio, tem conseguido potencializar o atendimento à população carente por meio do projeto itinerante “Eu tenho Direito”. “O ganho para a sociedade será exponencialmente maior do que antes da autonomia”, sustenta Freitas.

     

    “Autonomia não pode ser encarada como soberania. Os órgãos não podem gastar o quanto quiserem e ficar sem prestar contas ao governo”

    Paulo Henrique Blair de Oliveira,Juiz e professor da Universidade de Brasília (UnB)

     

    Fonte: Correio Braziliense

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