Por Flavia Lima | De São Paulo
A necessidade do ajuste na economia brasileira a partir do ano que vem já é consenso. Controle maior dos gastos públicos e o realinhamento de preços administrados são alguns dos pontos mais repetidos da cartilha que, segundo os economistas, colocaria o país de volta na trilha do crescimento em níveis mais altos. O que os especialistas calculam agora é quanto essas correções de rota vão custar e o tempo que levará até que se notem seus benefícios.
O horizonte é de um processo custoso, cujos retornos não serão imediatos e que envolve expectativas de desaceleração ainda mais forte da atividade, queda da renda, aumento do desemprego e até elevação de impostos. A questão que se coloca é se o presidente eleito estará disposto a encarar a tarefa.
Estimativa feita pela SulAmérica Investimentos dá uma boa medida das escolhas difíceis pela frente. Um exercício econômico feito pela gestora de recursos indica que um aumento da taxa Selic no ano que vem, para 12% ao ano, faria a inflação recuar pouco (para 6,2% no fim do próximo ano), a um custo elevado: uma probabilidade grande de o Produto Interno Bruto (PIB) crescer apenas 0,3%.
No caso de a Selic se manter constante em 2015, a simulação indica que a inflação não convergiria para a meta e nem cairia em 12 meses, permanecendo em torno de 6,5%. Em compensação, a ação evitaria uma queda maior da atividade, que permaneceria com alta em torno de 0,8% – o mesmo número esperado para 2014.
O realinhamento de preços é outra preocupação. Nas contas do economista Fabio Kanczuk, professor da Universidade de São Paulo (USP), a recomposição de preços de tarifas públicas represadas, como energia elétrica, gasolina e transporte, pode adicionar de 1 a 1,5 ponto percentual a uma inflação já bastante pressionada. Hoje, a expectativa de economistas reunidos pelo boletim Focus, do Banco CENTRAL, é que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre o próximo ano em alta de 6,2%. Feito o realinhamento de uma vez, como Kanczuk acredita ser necessário, a inflação poderia rondar os 8% em 2015.
Para completar o quadro, feitos os ajustes no próximo ano, a taxa de desemprego – hoje nos níveis históricos mais baixos, em torno de 5% ao ano – poderia chegar a pelo menos 6%, diz Paulo Gala, estrategista da Fator Corretora. Para o economista, o mais importante seria uma mudança na trajetória fiscal, que hoje recolocou no radar uma relação entre dívida e PIB ruim.
Para Gala, seria preciso ainda uma elevação do juro básico para 12%, ou 12,5%, e o fim das intervenções do BC no mercado de câmbio, de modo que a depreciação do real permitisse um ajuste da conta corrente e uma recuperação da produção industrial. “O desemprego caminhava para 6% nos próximos dois anos, mas o ajuste deve acelerar o processo.” Além do mercado de trabalho, já em desaceleração, a atividade econômica também seria atingida e, na avaliação de Gala, teria 1% de avanço como teto em 2015, “na melhor das hipóteses”.
À frente do relatório que faz ponderações sobre os impactos de uma alta do juro no próximo ano sobre o PIB, Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica, avalia que o caminho da recuperação econômica passa por uma taxa Selic de 12% ao ano, acompanhada de superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB. A receita, diz ele, resultaria em taxa de desemprego um pouco mais alta e salários mais baixos, com desaceleração mais forte no setor de serviços e consequente queda da inflação. Ainda assim, diz Rosa, o país voltaria a crescer com mais força “apenas em 2017 ou 2018”, diz ele, que qualifica o “sacrifício” como algo necessário.
Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro da Fundação Getulio Vargas (FGV), reconhece que a economia deve acusar o golpe dos ajustes e os benefícios podem demorar um pouco a aparecer. “Sem os ajustes, porém, o sofrimento é menor no curto prazo, mas se prolonga.” Para ela, a grande discussão será mesmo em torno da questão fiscal. Como exemplo, a economista lembra que o superávit primário em 2011 – primeiro ano do governo Dilma – foi de 3,1% do PIB, com receitas recorrentes de 2,4% e não recorrentes de 0,7%. “Se a gente voltasse para um patamar de dois e pouco de superávit, mas com menos receita não recorrente, já seria bom.”
Marcio Garcia, professor da PUC do Rio, também avalia que o processo, em termos de renda e emprego, seria sofrido, mas o outro lado da moeda – a falta de mudanças – seria ainda pior. Garcia reconhece que a redução de gastos não é tarefa fácil, uma vez que o Orçamento é rígido, mas sugere cortes nos subsídios dados aos empresários e suspensão dos reajustes do funcionalismo público, antes de eventualmente se voltar para programas sociais, como o Bolsa Família.
Diante da rigidez orçamentária, há até quem considere a necessidade de criar, ou aumentar, impostos. Kanczuk, da FEA, avalia que como o corte de gastos é “politicamente muito difícil”, o caminho natural seria algum imposto novo ou a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (a famosa CPMF, existente entre 1997 e 2007). Rosa, da SulAmérica, diz não duvidar que seja lá quem for o eleito, deve propor a volta da contribuição.
De modo geral, o diagnóstico é que o erro ocorreu lá atrás, em meio à crise mundial, quando a aposta no consumo foi redobrada em detrimento do investimento. O resultado, diz Claudio Dedecca, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, é que o governo ficou prisioneiro de um baixo crescimento e de políticas de curto prazo para mantê-lo.
Para João Saboia, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não é uma questão de “corta aqui ou corta ali”, mas de cuidar de questões mais estruturais, como a taxa de investimento e produtividade baixas. Para ele, há muito destaque dado à questão dos reajustes do salário mínimo, especialmente por conta da ligação com a Previdência. “Mas isso poderia ser melhor gerido sem mudança na regra”, diz.
Dedecca avalia que um ajuste incluiria um corte feroz de gastos correntes do governo, manutenção de salários, em especial do setor público federal, e mudança na lei de salário mínimo. Mas, diferentemente de alguns analistas, afirma que fazer esse ajuste, sem que o investimento tenha se recuperado, significa corroer o único elemento estável que ainda está garantindo algum crescimento: o consumo. Assim, o economista não vê espaço para ajuste em um projeto como o do atual governo, bastante dependente de renda e emprego.
Rosa, da SulAmérica, vai ainda mais longe ao admitir que não vê quem encare os ajustes, nem na situação nem na oposição. Já Gala, da Fator, avalia que diante da iminência de perder o grau de investimento, mesmo o governo atual, se reeleito, vai acabar fazendo o ajuste.
“Se a coisa degringolar mesmo, com perda de grau de investimento, desvalorização cambial descontrolada e piora nas expectativas de empresários e nos investimentos, podemos entrar numa crise profunda”, diz Gala. “No fundo, não é uma opção”.
Fonte: Valor Econômico