Para analistas, cenário traçado reforça visão de que Selic fica onde está

    Por Arícia Martins, Flavia Lima e Tainara Machado | De São Paulo

    O cenário traçado pelo Banco CENTRAL no Relatório Trimestral de Inflação divulgado ontem reforçou, entre os analistas e economistas do mercado financeiro, a percepção de que a taxa básica de juros vai permanecer em 11% ao ano por um prazo mais longo, embora boa parte do mercado ainda trabalhe com aperto adicional da Selic em 2015. Para estes especialistas, ao mencionar que o ritmo da atividade econômica está fraco e que algumas pressões inflacionárias tendem a arrefecer, a autoridade monetária indicou que o atual nível de juros é suficiente para trazer a inflação a um patamar mais próximo do centro da meta em seu horizonte de projeção.

    Segundo o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, é possível que a Selic não volte a subir em 2015, como estima boa parte do mercado, já que mesmo no cenário de referência a autoridade monetária vê a inflação convergindo lentamente para o centro da meta. Oliveira aponta que o BC define com precisão sua visão sobre os efeitos defasados do ciclo de aperto de juros em um parágrafo do relatório. No trecho, afirma que pressões inflacionárias como as decorrentes do realinhamento de preços administrados em relação aos livres, de preços internos em relação aos domésticos e de ganhos salariais incompatíveis com ganhos de produtividade “tendem a arrefecer ou, até mesmo, a se esgotarem ao longo do horizonte relevante para a política monetária“.

    O BC ressalta a contribuição da atividade mais fraca para um cenário de preços menos pressionados ao dizer que, “em prazos mais curtos, some-se a isso o deslocamento do hiato do produto para o campo desinflacionário”, nota o economista. O BC cortou sua estimativa para o PIB em 2014, algo considerado otimista por Oliveira para quem a atividade ainda deve surpreender negativamente a autoridade. No cenário do Fibra, o PIB deve subir 0,8% neste ano e ficar estável em 2015.

    Daniel Cunha, estrategista da XP Investimentos, afirma que a menção da autoridade monetária ao “hiato do produto” é mensagem forte, sinalizando que o nível de juros já estaria em campo contracionista e que o juro de equilíbrio ficaria mais perto de 3,5% ou 4%. Segundo o economista, o parágrafo resume bem o documento e pode abolir de vez a ideia ainda disseminada no mercado de que o ciclo de alta de juros passava apenas por uma pausa. Grosso modo, o hiato do produto mede a diferença entre o crescimento efetivo da economia e seu potencial.

    Se na visão do BC o Brasil está crescendo abaixo de seu potencial, diz Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, isso significa que um PIB menor tende a ajudar a dinâmica de preços, ficando a taxa Selic onde está. O economista-chefe da Icatu Vanguarda, Rodrigo Alves de Melo, também avalia que o relatório indica manutenção dos juros, mas argumenta que uma desaceleração mais forte da economia poderia até levar o BC a mudar a estratégia. Por enquanto, diz Melo, a possibilidade de corte de juros em 2015 é apenas um risco, mas pode aumentar à medida que se confirmar avanço do PIB menor que o esperado pelo BC neste ano. “Este hiato negativo de que o BC está falando pode ficar ainda mais negativo para ele, o que pode melhorar o cenário prospectivo de inflação”.

    Além da letargia mostrada pelo ritmo de atividade econômica, Nelson Rocha Augusto, presidente e economista-chefe do Banco Ribeirão Preto, há outro fator que também está sendo considerado pelo BC para manter juros estáveis. “A expansão do crédito, sobretudo direcionado, desacelerou e mostra que a política parafiscal está se movendo para a neutralidade”. Em função dessa mudança de cenário, a potência dapolítica monetária aumenta. “Se os canais de transmissão da política monetária estavam mais entupidos no ano passado, hoje o cenário parece melhor. Ainda não dá para dizer, porém, que podemos ter juros menores porque a inflação ainda é elevada”.

    Mesmo com as indicações do relatório, a equipe da MCM Consultores segue trabalhando com alta adicional de 1,5 ponto percentual naSelic em 2015. Fernando Genta, economista-chefe da consultoria, diz que a restrição monetária já feita pelo BC não dará conta de conter o choque de administrados porque o ciclo de aperto apenas levou o juro real a um patamar mais próximo do neutro, que não acelera nem diminui a inflação. Roberto Padovani, economista-chefe da Votorantim Corretora, também espera que o juro básico seja elevado em um ponto em 2015, mas isso deve ocorrer já no início do ano. “As expectativas dos agentes com relação à inflação permanecerem desancoradas”, diz Padovani.

     

    Fonte: Valor Econômico

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