REFORMA ADMINISTRATIVA
Servidores públicos estão ajudando tanto no combate à pandemia quanto na mitigação dos efeitos econômicos adversos
Por: Fábio Faiad
A Proposta de Emenda à Constituição nº 32/2020 (PEC 32), conhecida como Reforma Administrativa, defendida com veemência pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, traz em seu teor os (pre)conceitos neoliberais contra o Estado, contra os servidores públicos etc. Logo, nosso posicionamento é contrário à referida proposta, como explicaremos melhor a seguir. Há cinco pontos que pesam contra a PEC 32:
Momento inoportuno para a discussão, em função da pandemia e da crise econômica pelas quais o Brasil está passando;
Prazo curto e falta de informações a respeito do debate; Problemas de mérito administrativo na proposta; Inconstitucionalidade de diversos fatores; e
Erro no alvo, pois, para buscar o equilíbrio fscal, o Ministério da Economia deveria almejar outros setores.
Primeiramente, o Brasil conta com mais de 400 mil mortes causadas pela Covid-19, número esse que, em razão das difculdades de vacinação, podem crescer ainda mais. O nosso país vive, ainda, com altíssimas taxas de desemprego e subempregos, com o aumento dos moradores de rua e outros efeitos de uma crise econômica sem precedentes.
Os servidores públicos estão ajudando o Brasil, tanto no combate à doença quanto na mitigação dos efeitos adversos da economia. No primeiro caso, destaca-se a atuação de milhares de servidores públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), colocando suas vidas em risco para proteger a população brasileira. Para o segundo caso, exemplifcamos com a atuação dos trabalhadores do Banco Central do Brasil na criação do PIX e na manutenção de uma política monetária anti-inflacionária. Ou seja, todos os servidores públicos estão trabalhando unidos para ajudar o Brasil, e essa deve ser a prioridade do Congresso Nacional para o momento, não a PEC 32.
Em segundo lugar, o rito parlamentar da PEC 32 está muito acelerado sem o devido debate para um tema que impacta toda a sociedade. Mudanças em conceitos tão consolidados como estrutura organizacional das empresas públicas, regime jurídico de servidores, estabilidade no emprego e outros devem ser exaustivamente discutidos e não alterados à toque de caixa como está sendo defendido pelo ministro da Economia.
A falta de transparência se torna mais grave, quando o trâmite se dá como o Congresso Nacional fechado ao público devido à pandemia, dificultando ainda mais o debate público.
Deve-se destacar que, além disso, muitas informações estão sendo sonegadas à sociedade pelo governo. A Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público teve que impetrar, no início de 2021, um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), para que fossem apresentados os dados prévios sobre a reforma administrativa citados pelo ministro Paulo Guedes, mas nunca divulgados publicamente.
Um terceiro problema da PEC 32 é o ataque aos princípios basilares e consagrados da Administração em seu mérito. A Figura 1 nos mostra como seria a realidade de cargos da Administração Pública se a PEC 32 fosse aprovada:
Sob a ótica do gestor de pessoas, a nova estrutura de Recursos Humanos das organizações públicas seria uma verdadeira “Torre de Babel”, impossível de ser administrada, em razão de suas numerosas complexidades e contradições internas.
Na perspectiva do candidato à servidor público ou mesmo do servidor já empossado, a situação seria ainda pior. Com a PEC 32, após a aprovação na primeira etapa do concurso, os pretendentes passariam por um período de teste (“vínculo de experiência”) em que, no fnal, seriam submetidos a uma avaliação de desempenho e de aptidão para as atividades do cargo. Somente os candidatos melhor avaliados seriam efetivados. Ou seja, tais candidatos estariam diante da mais completa vulnerabilidade e insegurança jurídicas, pois a qualquer momento e sem qualquer previsibilidade – apesar de aprovados em todas as fases anteriores do concurso – estariam sujeitos a eventual perda de seus vínculos com a Administração, mesmo sem que seus períodos avaliativos tivessem sido encerrados. São cristalinas, aqui, as violações aos princípios da previsibilidade, da efciência e do próprio interesse da Administração.
Um quarto problema a ser abordado são as inconstitucionalidades do texto da PEC.
A seguir, algumas das impropriedades jurídicas, sem esgotá-las:
Violação da irredutibilidade remuneratória – O inciso XXIII do art. 37 da PEC 32 estabelece a proibição da “redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde, conforme previsto em lei” (alínea “e”). A única exceção é dada à hipótese de “cargos típicos de Estado” (§ 20 do art. 37). A junção das duas coisas nos diz claramente o que está atrás da camuflagem: a partir da PEC 32, será possível a redução salarial da maioria absoluta dos servidores públicos brasileiros, revogando a irredutibilidade salarial atual. Entendemos que tais alterações são flagrantemente inconstitucionais, uma vez que violam as garantias intangíveis da segurança jurídica e da isonomia, precarizando o escopo básico da investidura em qualquer cargo público, ou seja, o atendimento a fnalidades públicas, mediante serviços prestados nos limites da impessoalidade, da moralidade e da razoabilidade.
Quebra da isonomia entre servidores – Uma das mudanças da PEC 32, constante do art. 37, diz respeito à proibição de “progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço” (alínea “h” do inc. XXIII do art. 37). Tal alteração é inconstitucional em razão de violar a garantia intangível da isonomia. É impossível proibir abstratamente a progressão na carreira com um critério “exclusivamente em tempo de serviço”. Destacamos inclusive que a própria Constituição Federal apresenta uma autorização expressa para promoções por “antiguidade”: no art. 93, para os magistrados, sob a alternância de “antiguidade” e “merecimento”. Inadmissível, portanto, dois tratamentos tão distintos para duas categorias de servidores públicos.
Desligamento de cargo efetivo sem decisão com trânsito em julgado – A importância da estabilidade para o desempenho das atribuições do serviço público já é amplamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência no Brasil. Contudo, a PEC 32 alteraria completamente as regras relacionadas à exoneração dos servidores. Torna-se imperioso registrar que, haja vista a ampliação abusiva das possibilidades de exoneração do servidor, é evidente que a verdadeira intenção da PEC 32 é a gradativa precarização dos órgãos públicos e das atividades supostamente consideradas secundárias ao interesse estatal. Indo além, a ampliação das possibilidades de exoneração dos servidores poderia fomentar o incremento de perseguições políticas e de práticas autoritárias nos órgãos públicos, em completa violação aos princípios da razoabilidade, da proteção à confança e da própria moralidade administrativa.
Por fm, a PEC 32 erra de forma completamente injustifcável no seu alvo. Se a reforma administrativa tem por um dos seus objetivos ajudar no equilíbrio fscal do Brasil, o caminho mais correto para isso não é atacar os servidores públicos, mas sim os grandes ricos brasileiros. Estes, no período da pandemia, enriqueceram ainda mais. Em 2020, o Brasil ganhou 11 novos bilionários na lista da Forbes. No primeiro trimestre de 2021, os maiores bancos privados brasileiros tiveram recorde de lucros.
Como conclusão, a PEC 32 é inoportuna, carece de um debate mais aprofundado, possui problemas sérios no tocante ao mérito administrativo e apresenta inconstitucionalidades gritantes. Reiteramos com veemência a grande ingratidão com os servidores públicos de todo o país, que estão trabalhando muito apesar da crise (muitos arriscando suas vidas), e com a parcela majoritária da sociedade brasileira que depende dos serviços públicos prestados por esses servidores. Está na hora de os super ricos, os banqueiros e os rentistas pagarem a conta dessa crise!
Fonte: Jota