Pedido de impeachment desperta disposição de Dilma para disputa

    A abertura do processo de impeachment aprofunda a crise, mas propicia à presidente Dilma Rousseff adentrar um terreno que lhe é mais familiar: o do confronto. Se Dilma não tem o traquejo e a habilidade de negociação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não perde pra ele quando a política migra da articulação para o campo de batalha. No dia da instauração do processo, e após a leitura de seu pronunciamento aos brasileiros, Dilma voltou ao gabinete, encarou os ministros que a acompanhavam e declarou: “Agora é guerra”.

    Desde então, o espírito da militante que combateu o regime militar, foi presa e torturada, impulsiona a presidente. Ela se reúne várias vezes por dia com o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner – o comandante-em-chefe da operação contra o impeachment -, mobiliza os ministros do núcleo político, delega missões e cobra resultados.

    Há várias estratégias em curso. Primeiro, a tentativa de impedir o recesso parlamentar, para abreviar o processo. O governo considera que se o processo estender-se até março, haverá tempo para a oposição engrossar os protestos de ruas. “Se esse país incendiar, contaminará o Congresso”, analisa um ministro do núcleo político. A outra estratégia é monitorar a formação da comissão especial para que seja composta, majoritariamente, por aliados. O governo acha fundamental chegar ao plenário com um parecer contrário ao afastamento. Em outra frente, o Planalto tenta segurar o PMDB, apesar dos sinais de distanciamento do vice Michel Temer, presidente da sigla. E por fim há a ofensiva jurídica noSupremo Tribunal Federal.

    “A presidente está pintada para a guerra”, traduz um dos ministros que a acompanhou até o gabinete na quarta-feira, após a leitura do pronunciamento em que ela abriu fogo contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Naquela noite, o ambiente estava carregado, os ministros nervosos, mas Dilma tentava transmitir firmeza. Horas antes, ela havia redigido com um grupo de auxiliares o texto que leria diante das televisões, em que desafiou Cunha publicamente: “Não possuo conta no exterior, nem ocultei do conhecimento público a existência de bens pessoais. Nunca coagi ou tentei coagir instituições ou pessoas.”

    Não houve consenso no grupo que acompanhava Dilma: os ministros Jaques Wagner, da Justiça, José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, e o assessor especial Giles Azevedo. A maioria hesitou, mas Dilma e Cardozo optaram por um tom acima. A opção dividiu aliados. No dia seguinte, Temer advertiu Dilma que o momento recomendava cautela, e não ataque.

    “Dilma cresce no conflito, enquanto Lula prefere deixar o barco correr até as coisas se resolverem com negociação, ele não gosta de choque”, compara uma liderança petista que interage com ambos. Dilma só cede à negociação quando se vê “nas cordas”, como na REFORMA MINISTERIAL de outubro, quando nomeou ministros com maior interlocução com os deputados a fim de reforçar a base na Câmara.

    Agora ela vai combinar ofensiva e diálogo. Tem feito conversas individuais com aliados considerados leais ao Planalto, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE). Na próxima semana, receberá partidos e movimentos sociais, s que formam a Frente Brasil Popular, bem como lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que sairão às ruas para defendê-la. Simultaneamente, vai ecoar o alerta de atentado ao Estado democrático. “Para a saúde da democracia nós temos de defendê-la contra o golpe”, disse em um ato na sexta-feira.

    O estilo Dilma contrapõe-se ao perfil da dupla Lula e Jaques Wagner, que há meses tentavam liquidar a crise com negociações de bastidores com Cunha e emissários do pemedebista. Eles avaliavam que valia a pena insistir no diálogo até que a crise esfriasse, permitindo a retomada da economia. Agora Wagner desabafou com um aliado, na última semana, que receia, no final, um “duelo ao pôr do sol”, com Dilma sozinha de um lado, e os “golpistas” do outro.

     

    Fonte: Valor Econômico

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