Por Lucinda Pinto | De São Paulo
A percepção de que a economia vai se recuperar mais lentamente do que se previa deve continuar limitando o desempenho do Ibovespa. Para especialistas, os Juros vão cair mais, o que é uma boa notícia para as empresas, mas não a ponto de compensar a piora das perspectivas para a atividade.
No mês de julho, o Ibovespa subiu 4,8%. Ainda assim, acumula uma perda de 2,4% desde o dia 17 de maio – marcado pelo vazamento de conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer -, quando o Ibovespa fechou a sessão aos 67.540 pontos. Já o dólar, talvez o termômetro de risco mais importante dos efeitos da crise política, voltou aos níveis pré-delação, muito em função do cenário de liquidez.
Da mesma forma, os Juros futuros alcançaram mínimas históricas, reagindo ao exterior e também ao sinal por parte do Banco Central de que vai cortar ainda mais a taxa básica. “O juro vai cair mais para compensar o cenário de PIB mais fraco, e por isso não melhora as perspectivas para o PIB“, afirma o economista-chefe da Mauá Capital, Alexandre de Ázara.
Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, embora haja muita discussão sobre o quanto o mercado de ações é capaz de espelhar o desempenho da atividade, uma vez que há muitos outros elementos influenciando as decisões de investimento, é inegável que há uma correlação entre o Ibovespa e o PIB. O especialista comparou o desempenho mensal do índice e do IBC-Br, proxy do PIB mensal, calculado pelo Banco Central, e confirmou que o Ibovespa “antecipa” o desempenho do índice em alguns meses. Comportamento que mostra-se compatível com a leitura de que a recuperação da atividade no terceiro trimestre ainda deve ser bastante modesta.
“Não vejo nada diferente no horizonte, nem mesmo nas expectativas para a política monetária, que altere esse cenário de atividade e, consequentemente, para a bolsa”, afirma Gonçalves. Ele espera um crescimento de 0,4% do PIB neste ano e de 1,7% no ano que vem. Quadro que, em sua visão, tende a “travar” uma recuperação muito mais forte do índice nos próximos meses. “Tem gente mais otimista com a bolsa, mas eu não consigo ver o índice num outro patamar”, afirma. “Pode até ser que o Ibovespa teste os 68 mil pontos em algum momento, mas não será um movimento sustentável”, diz.
Esse quadro mais incerto sobre a política, que joga para frente a possibilidade de o governo aprovar a Reforma da Previdência – considerada fundamental para equacionar a relação dívida/PIB e, assim, encorajar investimentos de prazo mais longo em ativos brasileiros – levou o UBS Wealth Management a alterar sua recomendação para a bolsa em julho para “underweight” (abaixo da média do mercado). Ou seja, a indicação é que o investidor reduza a exposição à bolsa dadas as incertezas sobre a retomada do crescimento.
“O que faz a bolsa andar é a melhora da atividade econômica, de fato. E a recuperação que se via antes da delação se baseava na percepção de que a expectativa [de retomada] e a realidade começavam a conversar”, explica Andres Kikuchi, do UBS. Ele reconhece que a queda dos Juros e da inflação tem um efeito positivo sobre a massa de renda real, o que é um elemento favorável para a economia. Mas observa que os sinais são de que a crise política deflagrada pela JBS prorrogou essa recuperação.
Além disso, ressalta Kikuchi, a recuperação ocorre sobre uma base muito ruim, num ritmo insuficiente para provocar um impacto forte sobre a bolsa. “O que mexe com decisões de investimento é o crescimento do lucro”, resume. O UBS projeta um crescimento de 3% no ano que vem e de 0,5% em 2017.
O sócio e gestor da Canepa, Eduardo Roche, pondera que a demanda por ações está maior do que há dois anos. Ele observa que os balanços estão sendo lidos com atenção, porque, após dois anos de recessão, começa a surgir entre investidores um interesse por empresas que estão muito “descontadas” por não terem mostrado bom desempenho no período de crise. E que podem oferecer agora algum sinal de recuperação para frente. “É natural que o mercado comece a buscar oportunidades em ações que não entregaram no período em que a economia ficou engasgada, na expectativa de recuperação da atividade em 2018”, afirma.
O gestor diz, entretanto, que em seus fundos ainda não migrou para esse tipo papel. “Ainda preferimos as empresas que se mostraram mais fortes para atravessar o pior momento da economia”, afirma. Isso porque, em sua visão, é preciso considerar que não é só o ambiente macro, mas os fundamentos específicos de cada companhia que definirão os resultados futuros. “O que o mercado quer ver é se as empresas que sofreram com a recessão vão conseguir se recuperar nos próximos trimestres”, diz.
No exemplo de Usiminas, que reverteu o prejuízo do primeiro trimestre e registrou lucro de R$ 117,1 milhões, mostrou uma reação importante, embora a recuperação ainda esteja mais em cima dos preços do que do volume de produção. “É uma empresa com uma correlação muito grande com o PIB“, observa.
Ontem, o Ibovespa subiu 0,65%, a 65.920 pontos, depois de flertar com os 66 mil pontos. Em julho, o giro médio diário do Ibovespa ficou em R$ 4,8 bilhões, abaixo da média do ano, que é de R$ 6,1 bilhões. O volume fraco reflete o clima do mercado, que segue em compasso de espera. (Colaborou Chrystiane Silva)
Fonte: VALOR ECONÔMICO