PIB potencial caiu e está entre 1% e 1,5%, diz ex-diretor do BC

    Por Tainara Machado | De São Paulo

    Mário Mesquita, do Banco Brasil Plural: “O ano de 2015 vai ser de ajuste e vamos partir de uma economia estagnada”

    O país está em recessão e há sinais de que o Produto Interno Bruto (PIB) potencial caiu significativamente nos últimos anos, para algo entre 1% e 1,5%, avalia Mário Mesquita, sócio do Banco Brasil Plural e ex-diretor de Política Econômica do Banco CENTRAL.

     

    “Não é uma depressão, não temos queda de 5% da atividade, nada disso, mas é uma recessão. Na verdade, estamos neste quadro desde meados de 2013”, diz, referindo-se ao fato de que em três dos últimos quatro trimestres o PIB teve retração. A queda do potencial da economia não está no “DNA” do país, mas revertê-lo vai exigir políticas apropriadas, focadas em aumentar a previsibilidade para garantir retomada de investimentos, diz. A avaliação não é de que o governo descuidou dessa área. “Mas procurou usar uma estratégia que não se mostrou exitosa, com resultados bastante ruins”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

     

    Valor: O país está em recessão?

     

    Mário Mesquita: O PIB está caindo desde o início do ano, então é recessão. Não é uma depressão, não é 5% de queda, nada disso. Na verdade, estamos neste quadro desde meados de 2013.

     

    Valor: Os investimentos também caíram pelo quarto trimestre consecutivo. Isso dificulta a recuperação? O PIB potencial está caindo?

     

    Mesquita: O investimento é mais volátil, depende mais do ciclo. Mas olhando o médio prazo, o investimento com desempenho ruim significa restrições de capacidade à frente. Se olharmos para inflação alta, desemprego baixo e déficit em conta corrente elevado e amplo, de fato parece que o PIB potencial do país caiu bastante e não deve estar distante de 1% a 1,5%. Mas não é algo fixo, não é DNA. Pode ser algo alterado com políticas apropriadas.

     

    Valor: Quais são essas políticas?

     

    Mesquita: É importante criar ambiente de previsibilidade macroeconômica, de menor incerteza, para deslanchar o investimento. Talvez um saldo do período de estagnação é o aprendizado de que taxa de juros subsidiada a determinados setores está longe de garantir ambiente propício para investimento. Não é que o governo descuidou dessa área, mas adotou estratégia que não se mostrou exitosa. Os resultados estão aí.

     

    Valor: A queda do investimento dificulta a retomada da economia?

     

    Mesquita: Gera preocupação. Acreditamos que a economia voltará a crescer no último trimestre, o que gerará PIB próximo de zero para 2014. A questão que se colocará em 2015, à medida que a economia continuar se recuperando, é se teremos outro voo de galinha, porque a ociosidade segue limitada.

     

    Valor: O que o sr. espera para o próximo ano?

     

    Mesquita: O fato é que 2015 será um ano de ajuste e vamos partir de uma economia estagnada. Embora a economia mundial deva ir melhor em 2015, isso vai se contrapor à necessidade de ajuste. A grande questão, daqui a um ano, é em que medida a gente avançou nesse ajuste. Dificilmente vamos comemorar aceleração vigorosa do PIB, mas a questão será se teremos crescimento baixo, estagnação ou até recessão, mas caminhando em relação à solução dos problemas, ou talvez ainda com alguns “gradualismos” na solução dos problemas.

     

    Valor: Mas a “terapia de choque” não tem um custo político?

     

    Mesquita: Tem, mas é preciso pensar como esse custo será distribuído ao longo do tempo. No primeiro mandato do presidente Lula, havia situação macroeconômica complicada, e a decisão foi elevar superávit primário e juros, mas a partir do segundo semestre já vimos recuperação. O enfrentamento mais rápido dos problemas pode inclusive gerar dividendos políticos, já que ele foi reeleito. As situações são diferentes, mas gradualismo excessivo pode estender o período de crescimento baixo e inflação alta, o que é doloroso. O julgamento caberá a quem for eleito, acho que não vai ser tão rápido quanto o mercado gostaria e nem tão lento quanto os políticos prefeririam.

     

    Valor: Quais são os ajustes necessários?

     

    Mesquita: O ajuste fiscal é essencial. Tem que achar um ponto percentual de receita de forma recorrente. Tradicionalmente, o sistema político é mais resistente a corte de gasto do que aumento de imposto. Embora a carga tributária seja elevada, não sei se vamos conseguir evitar. Também é preciso reduzir intervenção na taxa de câmbio. O câmbio tende a ter depreciação, em função da mudança de postura da política monetária nos Estados Unidos, o que vai ajudar o setor exportador. Como política industrial, seria até mais eficaz.

     

    Valor: É possível manter o grau de investimento?

     

    Mesquita: Sim, mas vamos precisar trabalhar para isso. O Brasil vem subsidiando consumo, com desoneração da cesta básica, da tarifa de energia elétrica, em cerca de 1 ponto percentual do PIB. Não dá para manter essa política e o grau de investimento. São medidas que tiram 1,7 ponto da inflação, mas não sem custo, e não dá para sustentar impacto fiscal indefinidamente. Olhando para o horizonte de 18 a 24 meses, essas duas proposições dificilmente são consistentes. Ao mesmo tempo, há consenso de que é preciso reequilibrar o país na direção de mais investimentos, então atende a várias demandas.

     

    Valor: Esse diagnóstico é tão claro assim? Porque de novo tivemos incentivo ao consumo diante de sinais de desaceleração.

     

    Mesquita: Acho que tem certa inércia na visão dos problemas, e no diagnóstico, que é normal no governo, aqui e no resto do mundo. É difícil virar completamente a política econômica no curto prazo, ainda mais em eleições, quando pode ser interpretada como admissão de que houve problemas. A verdadeira face da política econômica vai começar a surgir no fim do ano, seja com reeleição, seja com vitória da oposição.

     

    Valor: Algum dos candidatos parece mais alinhado ao seu diagnóstico?

     

    Mesquita: Os candidatos de oposição têm se manifestado nessa linha, o que não quer dizer que não exista gente no governo pensando a mesma coisa. Mas é muito mais difícil adotar linha crítica às políticas recentes estando no governo, então vamos descobrir isso a partir de novembro, a partir do resultado da eleição.

     

    Fonte: Valor Econômico

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