Planalto, de novo, nas mãos de Eduardo Cunha

    Com o agravamento da tensão entre PT e PMDB, governo volta a ficar dependente do presidente da Câmara para a votação de temas importantes no Congresso

    O governo está mais uma vez dependente do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Depois de um leve distensionamento com a indicação do vice-presidente Michel Temer como coordenador político, a tensão voltou a aumentar entre o PT, o Planalto e o peemedebista fluminense a ponto de o Executivo admitir a possibilidade de perder o semestre no Legislativo, caso não consiga votar, pelo menos na Câmara, o projeto que altera as alíquotas incidentes sobre a folha de pagamentos. 

    Embora tenha evitado discutir abertamente o assunto na reunião da coordenação política – a estratégia é manter o canal de negociações aberto para tentar votar o projeto na Câmara antes do recesso parlamentar de julho -, a sensação de que a relação travou é inevitável. “Foram muitos erros nos últimos dias que complicaram um cenário que jamais esteve pacificado. Temos muito a caminhar ainda para normalizar essa relação”, admitiu uma liderança governista. 

    Nas últimas duas semanas, o PT insinuou que a articulação política do governo deveria voltar para as mãos do partido, deixando de ser exercida por Michel Temer. O PMDB, como vingança, montou uma operação na CPI da Petrobras para aprovar a convocação do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Lula ligou para Temer para perguntar porque o PMDB fizera aquilo e para indagar se a legenda tinha algo contra ele. 

    Ao longo do fim de semana, mais problemas. Os deputados do partido pressionaram para que o congresso do PT suspendesse a aliança com o PMDB e o ex-vice-líder do governo na Câmara Carlos Zarattini (PT-SP) chamou Cunha de oportunista. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o presidente da Câmara elevou o tom e esgarçou de vez as relações com o PT. 

    Após a reunião de coordenação, o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, tentou colocar panos quentes na crise. “Não tem mal-estar com o presidente Eduardo Cunha. O governo respeita a liderança dele. O presidente da Câmara dos Deputados tem o respeito do governo. Numa democracia, é natural que muitas vezes posições divergentes possam existir. Isso faz parte da democracia e é bom que haja diálogo”, disse. 

    O problema é que, neste momento, há um descompasso. Segundo admitiu um interlocutor governista, a presidente Dilma Rousseff e a equipe econômica terão de ceder nas negociações sobre a desoneração da folha de pagamentos. Cunha tem feito lobby pessoal e pressionado o relator do projeto, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), para conseguir manter alguns setores, como comunicações e transportes, fora da lista daqueles que terão as alíquotas reajustadas. 

    Na noite de ontem, o vice-presidente Michel Temer reuniu-se com Eduardo Cunha e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que também participou da reunião, saiu confiante e disse que haverá acordo para votar o projeto da desoneração da folha de pagamentos e que ele será divulgado amanhã. “Está muito próximo do acordo (…) Só depois da gente conversar com os líderes que a gente vai anunciar. Mas houve excelente entendimento”, disse o ministro. 

    Ao sair da reunião ao lado de Temer, Mercadante parou, apertou a mão do vice-presidente e olhou para as câmeras como um gesto de pacificação entre os dois, após o titular da Casa Civil sugerir que fosse colocado um ministro na Secretaria de Relações Institucionais (SRI). Antes da reunião com Cunha, Temer esteve com o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini (PT) e da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB), para tratar de outro assunto que pode abrir os caminhos do governo, que são os cargos de segundo escalão. Segundo Berzoini, foram discutidos cargos de acordos regionais. A polêmica em relação a quem ficará com cargos no Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs) continua. A reunião de líderes está marcada para hoje de manhã.

     

    Impeachment

    Enquanto o governo tenta acertar o compasso, Cunha segue buscando caminhos para fustigar o governo. Ontem de manhã, ele se reuniu em São Paulo com “movimentos de rua” responsáveis por organizar panelaços e manifestações que fizeram minguar a popularidade de Dilma desde as eleições. Até mesmo o pedido de impeachment apresentado pelo Movimento Brasil Livre (MBL) no Congresso foi debatido na reunião. O encontro, avaliam interlocutores de Cunha, foi mais um recado para o PT e para o Planalto. 

    “Tinham vários movimentos, mais de cinquenta. Eles deram o nome de “união” e me apresentaram a pauta deles. No fim, até falaram sobre (o pedido de impeachment da presidente Dilma) que eles protocolaram. Foi protocolado e ainda está sob análise. Eu mesmo não tinha nem lido”, disse Cunha. 

    Ontem, Cunha voltou a reclamar do tratamento recebido dos petistas, mas garantiu que a pauta de votações da Câmara continuará inalterada, independentemente das rusgas, e que o problema dele é com o partido, não com o governo. “O presente, com as agressões continuadas, é sempre um problema. O PT sempre insiste em buscar as agressões. E não foi só um “movimento” que foi ali (no V Congresso, em Salvador) fazer coro. Ali teve pessoas que defenderam a manutenção da aliança atacando”, disse. Ele também lembrou de uma rusga antiga com o presidente do PT, Rui Falcão, no começo de 2014. “É um ataque continuado”, avaliou. “Eu não vou aceitar que o PMDB continue sendo agredido pelo PT o tempo todo”, reforçou.

     

    »  O que está em jogo

    Confira os riscos para o Planalto na guerra entre PT e Eduardo Cunha

     

    Desoneração da folha de pagamentos

    » O governo tem pressa para votar o projeto de lei que altera as alíquotas incidentes sobre a folha de pagamentos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pressiona para tirar alguns setores da reoneração, como transportes e empresas de comunicação

     

    Fator previdenciário

    » O governo corre para tentar encontrar uma saída para o fator previdenciário. O PMDB, comandado por Eduardo Cunha e Renan Calheiros, deverá lutar para derrubar um eventual veto presidencial ao projeto aprovado pelos congressistas

     

    Maioridade penal

    » O Planalto busca uma alternativa para evitar a redução da idade penal para os 16 anos. Costura acordos com o PSDB para tentar amenizar as propostas em debate na casa. Mas Eduardo Cunha também tem conversado com os tucanos

     

    Impeachment

    » Não há nada previsto no horizonte em relação a Dilma, mas pedidos de impedimento contra o Presidente da República sempre se iniciam pela Câmara dos deputados

     

    CPI da Petrobras

    » O presidente da CPI, deputado Hugo Motta (PMDB-PB), é ligado a Cunha. Na última quinta-feira, o PMDB atropelou o PT e convocou o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto

     

    “O presidente da Câmara dos Deputados tem o respeito do governo. Numa democracia, é natural que muitas vezes posições divergentes possam existir”

    Edinho Silva, ministro da Secretaria de Comunicação Social

     

    “É um ataque continuado. Eu não vou aceitar que o PMDB continue sendo agredido pelo PT o tempo todo”

    Eduardo Cunha, presidente da Câmara

     

    Fonte: Correio Braziliense

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