Política fiscal neutra requer ajuste adicional

    Por Ribamar Oliveira

    Em seu relatório de inflação de março, o Banco Central informou que a política fiscal em 2013 tenderia à neutralidade na hipótese de o superávit primário ser aquele previsto pelos analistas de mercado. Naquele mês, o boletim Focus – publicação do BC que traz as previsões dos economistas fora do governo para vários indicadores da economia – mostrava que a projeção central era de um superávit primário de 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

    O BC chegou a essa conclusão a partir de uma análise do resultado primário estrutural de todo o setor público no período de 2008 a 2012. A variação do resultado estrutural entre dois períodos é a medida do impulso fiscal, que pode ser neutro, expansionista ou contracionista.

    No relatório de inflação de junho, o BC anunciou que passaria a adotar o conceito de superávit primário estrutural, como variável fiscal, em seus modelos de projeção econômica. O conceito estrutural, de acordo com a autoridade monetária, “permite melhor avaliação do impacto de ações discricionárias do governo, na área fiscal, em determinados períodos”.

    O cálculo desse superávit não é trivial. Envolve uma série de conceitos de difícil compreensão até mesmo para quem não é leigo em questões fiscais. Em primeiro lugar, ele é ajustado ao ciclo econômico. Isto significa que seu cálculo procura expurgar alterações nas receitas e despesas decorrentes das flutuações da economia. Para fazer isso, os economistas comparam o nível da atividade de um determinado período com aquele que seria obtido se a economia não se desviasse de sua tendência de médio e longo prazo. Uma alternativa mais complexa é compará-lo com o nível máximo de atividade que seria obtido com os fatores de produção existentes, sem causar inflação.

    Há, quase sempre, um diferencial para cima ou para baixo (entre o nível de atividade efetivo e o tendencial ou potencial), um hiato positivo ou negativo. Calcula-se também a elasticidade da receita tributária em relação às oscilações da atividade econômica. Para o Brasil, a elasticidade receita/PIB é estimada entre 1,5% e 1,7%. Isto significa que para cada 1% de variação do PIB, a receita irá variar entre 1,5% e 1,7%.

    Assim, se o nível de atividade está abaixo do potencial, a receita também está. Neste caso, ao calcular o superávit estrutural, é necessário acrescentar mais receita (em montante equivalente à diferença entre a arrecadação obtida e aquela que seria alcançada se a economia estivesse operando em seu nível potencial). Por outro lado, se o nível de atividade está acima do potencial, é preciso excluir a receita excedente (que supera aquela que seria obtida com a economia a plena carga).

    Em 2012, por exemplo, a economia cresceu muito pouco e, certamente, ficou em um nível abaixo de seu potencial. Assim, ao fazer o ajuste ao ciclo econômico, é preciso acrescentar uma receita adicional à obtida no ano passado. Com isso, o superávit primário estrutural ficaria maior do que o superávit convencional do setor público, que foi de 2,38% do PIB. Mas há outro aspecto a ser considerado.

    O cálculo do superávit primário estrutural também exclui as chamadas receitas extraordinárias, que não são recorrentes. Ou seja, só acontecem em determinado exercício. No ano de 2012, por exemplo, o governo utilizou R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) para fechar suas contas. Outras receitas extraordinárias foram estimadas pelo governo em R$ 10 bilhões, de acordo com o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) de 2014. No total, portanto, o governo utilizou algo em torno de 0,5% do PIB de receitas não recorrentes em 2012. Assim, depois de fazer o ajuste ao ciclo econômico e também excluir as receitas extraordinárias, é provável que o superávit primário estrutural de 2012 tenha ficado muito próximo do superávit primário convencional anunciado pelo governo. Mas essa foi uma coincidência.

    De março para cá, muita coisa mudou. A previsão de mercado para o crescimento econômico, que era de 3,1%, passou para 2,3% no relatório Focus desta semana. A do BC passou de 3,1% para 2,7%. A projeção do mercado para o superávit primário caiu de 2,2% do PIB para 1,7% do PIB. Essa queda ocorreu mesmo com o anúncio, no fim de julho, de que o governo fará um esforço adicional de R$ 10 bilhões neste ano. Com isso, o superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) passaria para R$ 73,1 bilhões, o equivalente a 1,5% do PIB, o que permitiria obter uma meta de 2,3% do PIB para todo o setor público. Mesmo assim, poucos analistas do mercado acreditam que essa meta será cumprida, pois os Estados e município e suas estatais não farão mais do que 0,5% do PIB de superávit. Para alcançar os 2,3% do PIB, o governo teria que fazer novo esforço adicional, o que não parece provável.

    Na reunião de julho, quando considerou a política fiscal deste ano expansionista, o Comitê de Política Econômica (Copom) ainda não tinha conhecimento do esforço fiscal adicional de R$ 10 bilhões. Na ata da reunião de agosto, após o anúncio, o Comitê registrou em ata a polêmica frase de que “criam-se condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade”.

    Se o BC continua achando que a política fiscal tenderá à neutralidade em 2013 com um superávit primário de 2,2% do PIB, o governo federal terá que fazer um esforço fiscal adicional. Mas o Copom pode ter se referido ao que acontecerá a partir de agora, em um “horizonte relevante para a política monetária”, que é de 24 meses. Se for este o caso, é preciso avaliar a proposta orçamentária, que foi encaminhada pelo governo ao Congresso um dia após a última reunião do Copom.

    Essa proposta prevê a redução do superávit primário do setor público consolidado para 2,1% do PIB em 2014 e do governo central para 1,1% do PIB. A peça orçamentária foi construída com previsão de aumento das desonerações tributárias (que afetam diretamente a receita) e uma elevação das despesas públicas, em proporção do PIB. Essas duas variáveis afetam diretamente a obtenção da meta de superávit primário. Para compensá-las, o BC teria que contar com a receita decorrente de um forte crescimento da economia e com receitas extraordinárias. Mas isso não pode ser considerado como fonte de impulso contracionista por quem utiliza o conceito de superávit primário estrutural.

    Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras.

     

    Fonte: Valor Econômico

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