Política monetária envolve “arte”, diz estudo do Fundo

    Por algum tempo, o processo de decisão da política monetária deve envolver “mais arte e menos ciência” do que antes da crise financeira global, diz um estudo divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Num cenário marcado por novos desafios à atuação dos bancos centrais, a estabilidade de preços de longo prazo vai continuar como um objetivo primário da política monetária, mas a crise mostrou que metas intermediárias adicionais, como estabilidade financeira e externa, poderão ter um papel maior do que no passado, segundo o relatório escrito pela equipe de economistas do Fundo.

    Para o staff do FMI, também parece mais claro não haver ganhos evidentes em tornar convencionais instrumentos monetários excepcionais, com exceção da política de orientação futura (“forward guidance”). A ideia da orientação futura é comunicar com mais transparência os próximos passos da política monetária, para influenciar com maior eficiência as expectativas de investidores, empresários e consumidores.

    A independência dos bancos centrais também continua a ser desejável em relação à estabilidade de preços, diz o estudo. “Mas ela pode se mostrar difícil politicamente num cenário de mandatos ampliados dos BCs. Será fundamental proteger a independência do papel dos bancos centrais na proteção da estabilidade de preços, ao mesmo tempo em que se permite a supervisão governamental sobre as novas responsabilidades para a estabilidade financeira”, destacam os economistas.

    No blog do FMI, Giovanni Dell”Ariccia e Karl Habermeier, dois dos autores do estudo, escrevem que inflação baixa e estável torna mais fácil para famílias e empresas se planejarem, permitindo que a economia funcione com eficiência. “Mas a crise mostrou que isso não é suficiente. Desequilíbrios financeiros perigosos podem se formar sob uma superfície aparentemente tranquila de inflação baixa e estável. E política prudencial tradicional, que focava principalmente na estabilidade de cada Banco, se provou inadequada para lidar com os tipos de riscos sistêmicos que levaram à crise”, dizem eles.

    Nesse cenário, a política macroeconômica precisa prestar mais atenção à estabilidade financeira, aponta o estudo. A primeira linha de defesa, segundo eles, devem ser medidas que a abordem de modo mais direto e mais eficiente, incluindo aí instrumentos macroprudenciais e de administração dos fluxos de capitais, o eufemismo do FMI para controles de capitais. “No entanto, se esses instrumentos se mostrarem insuficientes, nós poderemos ter que aceitar um novo trade off para a política monetária, e os juros poderão ter que ajudar a manter a estabilidade financeira.”

    E a política monetária deve se preocupar com a estabilidade externa? O estudo sugere que essa é uma questão mais complexa. Os autores lembram que fluxos de capitais e a volatilidade do câmbio podem afetar a estabilidade macroeconômico por canais reais, como o do comércio exterior, e pelo canal do setor financeiro. Uma valorização exagerada do câmbio pode afetar a competitividade das empresas que exportam ou competem com produtos importados. Além disso, fluxos de capitais muito elevados podem levar a um crescimento excessivo do crédito e a um aumento muito grande do endividamento externo.

    Esse cenário esquentou a discussão sobre o uso de controle de capitais, levando o próprio FMI a ver o instrumento como uma alternativa em determinadas circunstâncias, embora ressalte que o seu uso deva ser em geral específico, transparente e temporário. Ajustes na política econômica continuam necessários. Mas controles de capitais deixaram de ser tabu.

    No estudo, os economistas do FMI destacam que, em condições realistas, uma calibragem monetária com o objetivo de estabilizar a inflação doméstica não vai ao mesmo tempo garantir a estabilidade externa. “Com isso, um novo objetivo, como administrar a taxa de câmbio num cenário de volatilidade dos fluxos de capitais, significa ou um novo instrumento ou aceitar um trade off entre a meta externa e o tradicional objetivo doméstico”, observam eles, ressaltando que novos estudos são necessários para analisar custos e benefícios de intervenções na taxa de câmbio e do controle de capitais.

    O estudo discute também se instrumentos de política monetária não convencionais podem se tornar convencionais. Com os juros próximos de zero, os bancos centrais passaram a usar medidas como a compra de títulos do Tesouro e de papéis lastreados em hipotecas e a política de orientação futura, para manter baixos os juros de longo prazo e, com isso, estimular a economia. Isso levanta a questão se instrumentos não convencionais devem ser usados em tempos tranquilos. “Nós concluímos que, com a exceção da política de orientação futura, os custos excedem os benefícios”, afirma o documento.

     

    Fonte: Valor Econômico

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