Por um banco central invisível

    ROBERTO LUIS TROSTER

    A campanha eleitoral está embrionária ainda e debates sobre a autonomia operacional do Banco CENTRAL já começaram. A preocupação subjacente é com o cumprimento das metas de inflação e a dinâmica da determinação dos juros.

    Analisa-se qual o desenho institucional que seria mais proveitoso. É um tema abrangente que inclui as questões da governança, das restrições operacionais, da autonomia orçamentária, da transparência e das relações com outras instituições públicas e privadas.

    É fato inconteste que a estabilidade da moeda é um problema sério que necessita ser resolvido. A inflação está num patamar de 6% ao ano e pode superar o teto da banda (é bem provável); com o agravante de que há mais 1,5% de inflação reprimida e a dinâmica fiscal é fraca.

    No próximo governo, o setor pode ser um propulsor ou uma trava para o país, depende da política a ser adotada.

    O papel de um Banco CENTRAL como guardião da moeda é primordial e deve ser reforçado. A maior qualidade é a invisibilidade – o cumprimento de sua missão sem problemas, passando quase despercebido.

    No controle da inflação, a atuação do Banco CENTRAL é visível em excesso, as reuniões para decidir a Selic e seus efeitos são manchetes e as demais atividades da autoridade monetária ficam ofuscadas pelo seu fraco desempenho no regime de metas.

    Além da estabilidade de preços, a autoridade monetária também deve fomentar as estabilidades bancária e financeira, a eficiência da intermediação de pagamentos e de crédito e a equidade (inclusão). Entretanto, não é um propulsor da economia, apenas cria as condições e quanto mais despercebida for sua atuação, melhor.

    Atualmente, o BC tem funções em que é quase invisível e merece elogios. Uma é a promoção da eficiência do sistema de pagamentos, que é operado pelos bancos e funciona bem, são dezenas de milhões de transações por dia que transcorrem num ambiente seguro e estável.

    A solidez do sistema bancário brasileiro é outro ativo importante para o país; a poupança do público está garantida com altos índices de solvência das instituições que têm capacidade de absorver choques adversos. É fruto do esforço de muitos anos, passa despercebido e é meritório.

    Na avaliação da inclusão o resultado é ambivalente. Por um lado, o desempenho é positivo no quesito acesso. Atualmente, existem 284 milhões de relacionamentos bancários ativos, mais de nove em cada dez brasileiros têm pelo menos um.

    Por outro, é negativo na utilização: apenas um em cada quinze clientes usa o crédito bancário e a concessão está concentrada em grandes tomadores.

    A eficiência na intermediação de crédito no Brasil é ruim. Os prazos de concessão são curtos – mais da metade tem duração inferior a um mês, a cunha bancária brasileira é uma das mais altas (piores) do mundo e a relação crédito-PIB está na metade de seu potencial e estagnada.

    Embora o sistema financeiro seja solvente, ele é instável, tanto na oferta de crédito quanto nos preços dos ativos financeiros; a volatilidade é elevada quando comparada com outros mercados.

    A causa básica do desempenho fraco do sistema bancário é a obsolescência do quadro institucional; seu marco tem meio século de idade, é da década de 1960. Teve um papel importante no passado, mas já está esgotado em vários aspectos e deveria ser atualizado.

    No próximo governo, o setor pode ser um propulsor ou uma trava para o país, depende da política a ser adotada. Uma coisa é certa, só a autonomia da autoridade monetária e uma meta de inflação crível, por mais bem concebidas que sejam, é pouco, muito pouco, para o potencial que os bancos oferecem.

    É necessária uma nova arquitetura institucional em substituição à atual – uma colcha de retalhos resultante de um período em que o país estava voltado apenas para administrar turbulências. Mantêm-se o que funciona bem e redesenha-se o que é possível aprimorar.

    Ano de eleições é tempo de debater o futuro, quando cada candidato à Presidência apresenta seu projeto de governo. Para o capítulo intermediação financeira, além de metas de inflação, poderiam propor quatro outras metas, quantificando seus objetivos para a atuação do BC.

    Seriam metas de: 1) eficiência da intermediação – de redução das margens (spreads) de crédito; 2) estabilidade da oferta de financiamentos – alongamento de prazos e mais imunidade aos choques de liquidez, 3) menor volatilidade de preços de ativos; e 4) de inclusão – uso do crédito bancário por parcelas maiores da população e do empresariado.

    As metas seriam complementadas com um diagnóstico e um projeto de política para o setor, detalhando as ações a serem adotadas para atingir os objetivos enunciados. O conjunto de metas e propostas possibilitará análises criteriosas sobre a conveniência e consistência de cada plano.

    Os projetos tornarão o pleito mais técnico e possibilitarão escolhas mais objetivas para os eleitores. Um Banco CENTRAL mais invisível é um desejo comum a todos os cidadãos comprometidos com o futuro do Brasil.

    Roberto Luis Troster é coordenador do curso de Banking da Fipe USP e ex- economista chefe da Febraban e da ABBC robertotroster@uol.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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