Convencido de que o afastamento do deputado federal Eduardo Cunha fortaleceu a “agenda das ruas”, o virtual presidente Michel Temer decidiu renegociar com os partidos a montagem da equipe de governo. Temer já havia praticamente desistido de cortar ministérios, diante da pressão dos aliados por cargos, mas voltou a pensar em algo em torno de 25 pastas. “Ele quer zerar o jogo em alguns pontos e redefinir alguns parâmetros”, disse um auxiliar do vice. As conversas com os partidos apontavam para um governo com cerca de 31 ministérios, apenas dois a menos que o atual.
Temer deve assumir o cargo na próxima quinta-feira, depois que o Senado votar e aprovar o afastamento da presidente Dilma Rousseff, nesta quarta-feira, 11. Além do ministério, o vice também está incomodado com a publicação de supostas medidas que seriam tomadas pelo governo, o que atribui muito mais à vontade de pessoas próximas que a uma decisão efetivamente tomada. Este é o caso, por exemplo, da independência doBanco Central e da revisão tributária.
O vice nunca foi um entusiasta da independência do Banco Central, mas vários de seus conselheiros defendem a proposta. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), por exemplo, é um deles. “O projeto pode ser examinado e com certeza será discutido” pelo novo governo, mas não há decisão tomada, apurou o Valor. A notícia de que o governo quer fazer uma “revisão tributária” é considerada uma “obviedade”, mas não é uma urgência. O governo pode até anunciar que quer fazer a simplificação, mas não é para ser tocada no curto prazo.
Entre as primeiras medidas a equipe de Temer só admite a prioridade à questão fiscal, considerado o desafio imediato do novo governo. É provável que ainda nesta semana o governo diga a meta fiscal dos próximos três anos.
A “agenda das ruas” analisada no Palácio do Jaburu contém o “Fora Dilma”, o “Fora PT” e o “Fora Cunha”, mas também a ética na política, traduzida no apoio ao juiz Sérgio Moro. O governo, o PMDB não “pode fazer mais do mesmo” e montar uma equipe da mesma maneira que fazia a presidente Dilma Rousseff, negociando apoio em troca de cargos, segundo um dos políticos mais próximos do vice.
Na última semana, os partidos trataram como fato consumado pedidos que fizeram ao vice. O PP, por exemplo, disse a Temer que aceitaria indicar, em sua cota, o médico paulista Raul Cutait para o Ministério da Saúde. Temer gostou da ideia e disse que, neste caso, o PP poderia ter até dois ministérios. Foi o que bastou para a sigla anunciar que teria dois ministérios, entre os quais o da Saúde, mas para parlamentares do partido.
Temer também foi surpreendido com o anúncio de nomes para o seu ministério feitos pela oposição. O senador Tasso Jereissati (CE) chegou a ser noticiado como futuro ministro da Indústria e Comércio (MDIC). O Palácio Jaburu nega que o senador cearense tenha sido convidado pelo eventual presidente. O senador Blairo Maggi (PR-MT) anunciou em uma rede social que fora convidado pelo PP e aceitou assumir o Ministério da Agricultura. Mas teve o cuidado de ressaltar que faltava um convive formal do futuro presidente.
Assunto que definitivamente entrou nas conversas do Palácio do Jaburu é a nomeação de ministros citados ou investigados na Operação Lava-Jato, a palavra de ordem mais forte da “agenda das ruas”. Em entrevistas, Temer estabeleceu uma diferença entre citados, investigados e denunciados na operação, mas ainda não está claro o que vai fazer com candidatos a ministros nesta situação. Entre seus conselheiros e na oposição há quem defenda que o novo governo não pode vir a ter ministros indiciados pela Lava-Jato.
O problema, reconhecem auxiliares do vice, é que está difícil compor a “agenda das ruas” com a voracidade dos partidos na Câmara, onde o impeachment já foi votado, e no Senado, onde a presidente será efetivamente julgada. A bancada de senadores do PMDB é a que mais pressiona. Não só pelos ministérios que quer, como pelos ministérios que devem ser dados a adversários políticos. Não será fácil para Temer transformar intenção em gesto.
Fonte: Valor Econômico