Programa do BNDES vai acabar este mês sem atrair interesse

    LINHA DE CRÉDITO A EMPRESAS EM CRISE SÓ TEVE UM PEDIDO DE EMPRÉSTIMO

    Autor: DANIELLE NOGUEIRA danielle.nogueira@oglobo.com.br

    Anunciado como uma das iniciativas do governo Michel Temer para reativar a economia, o programa de revitalização de ativos do BNDES, que tinha por objetivo evitar que as empresas quebrassem e preservar empregos, chegará ao fim, no próximo dia 31, com apenas uma operação aprovada. Com R$ 5 bilhões disponíveis para financiamento de aquisições de empresas em dificuldade, serão liberados apenas R$ 10 milhões para a única transação submetida à diretoria do banco. O interesse praticamente nulo pela linha de crédito é atribuído por especialistas ao elevado custo financeiro do programa, à burocracia das operações e à deterioração do cenário político-econômico nacional, que jogou no chão o preço dos ativos, viabilizando aquisições sem necessidade de pegar dinheiro emprestado.

    Batizado de ‘Incentivo à revitalização de ativos produtivos’, o programa do BNDES foi anunciado em cerimônia em Brasília, no fim de agosto passado. Fazia parte de um pacote mais amplo, que incluía o reforço da linha de capital de giro do banco de fomento e medidas do Banco Central para flexibilizar garantias de empréstimos a empresas e famílias. Na época, a recessão não dava sinais de trégua, o número de empresas em recuperação judicial não parava de crescer e o crédito rareava, com a inadimplência em alta. O programa teria vigência de um ano.

    POUCO INTERESSE DOS BANCOS

    Uma das razões para o fraco desempenho do programa apontada por especialistas em reestruturações de empresas e empresários de setores combalidos, como infraestrutura de transportes, é que as condições financeiras não foram consideradas atraentes pelas empresas. O financiamento era a juro de mercado e a ele ainda era acrescido o ganho do BNDES e dos bancos repassadores. No caso das operações diretas com o BNDES, o spread (diferença entre o custo de captação do banco e o que ele empresta) poderia variar entre 1,9% a 6,36% ao ano. No caso das operações indiretas, a taxa cobrada pelo banco intermediário seria negociada com o cliente, mas fontes do setor dizem que ela girava em torno de 3% ao ano.

    – Se tivesse um custo de 0,5% ao ano, poderia ter funcionado. Muitas companhias conseguem captar recursos no mercado em condições melhores – avalia Luis Paiva, sócio da Corporate Consulting, especializada em reestruturação de empresas.

    A participação dos bancos repassadores no programa é um dos pontos criticado pelos especialistas. A linha previa que operações diretas com o BNDES seriam limitadas aos casos em que a venda do ativo pudesse reduzir a dívida da empresa com o banco de fomento ou diminuir a fatia do BNDES na companhia. O BNDES poderia conceder empréstimos ao comprador ou apoiá-lo por meio do mercado de capitais, ou seja, comprando uma fatia da companhia para viabilizar a operação. Se a instituição não fosse credora, a empresa só poderia ser comprada por meio de operação indireta, na qual o banco repassador assume os riscos. O alvo eram empresas em recuperação judicial, extrajudicial (sem intermédio da Justiça) ou em falência.

    – Os bancos repassadores não tinham interesse em oferecer esse produto. Acabavam mostrando outras linhas de crédito deles próprios, que, no fim, eram mais baratas e menos burocráticas, pois não tinham mais uma instituição no meio – complementa Paiva.

    Segundo o BNDES, houve consultas informais à instituição, mas apenas um pedido foi formalmente encaminhado ao banco. A instituição não revela qual empresa nem de que setor. Diz ainda que ‘não há decisão formal sobre a renovação da linha’. Mas fontes do setor dão como certo seu fim em 31 de agosto, como previsto.

    O excesso de ativos à venda no país também acabou inibindo a procura pelo programa. Segundo empresários do setor de infraestrutura, a situação está tão crítica que muitas companhias têm ‘corrido por fora’, negociado diretamente com as empresas em dificuldade e pago uma pechincha com recursos próprios. O setor era um dos alvos preferenciais da linha oficial, pois muitas empresas tinham contratado crédito com o BNDES em anos anteriores mas estavam enfrentando dificuldades, em razão da crise ou do envolvimento de acionistas na Operação Lava-Jato.

    MENOS FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES

    Entre janeiro e julho de 2016, meses que antecederam o anúncio do programa, o número de pedidos de falência subiu 9% em relação ao ano anterior, para 1.058, segundo dados da Serasa Experian. No caso das recuperações judiciais, houve salto de 75%, para 1.098. Nos primeiros sete meses deste ano, as estatísticas inverteram a trajetória de alta: houve recuo para 986 falências e 814 pedidos de proteção contra credores.

    – Quem tinha que morrer já morreu, e quem tinha que pedir proteção contra credores já pediu – diz um executivo.

    Em tese, comprar um braço de uma empresa em recuperação judicial é um bom negócio, pois o comprador não herda passivos trabalhistas ou tributários. Na opinião de Guilherme Dantas, da área societária do Siqueira Castro Advogados, porém, o agravamento da crise econômica no segundo semestre de 2016 e da turbulência política nos primeiros meses deste ano podem ter reduzido o apetite do investidor pelo risco:

    – Houve contratempos políticos e econômicos. Além disso, a velocidade com que se chega a um consenso entre credores é lenta e, para vender um ativo, os credores precisam estar de acordo.

     

    Fonte: O Globo

    Matéria anteriorServidores lotam conselhos
    Matéria seguinteCom queda na taxa Selic, investidores buscam aplicações de maior risco