Projeto dá prazo para análise de contas do governo

    O senador José Agripino (DEM-RN) apresentou proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa prazo para o Congresso apreciar as contas do presidente da República. O objetivo é acabar com o que chama de “grave omissão” do Legislativo. Pela proposta, se as contas de um ano não forem julgadas até um mês antes do encerramento da sessão legislativa seguinte, a pauta do Congresso ficará trancada, sobrestando as propostas em tramitação. 

    “Julgar anualmente as contas prestadas pelo presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo” são competências exclusivas do Congresso, segundo a Constituição (artigo 49). Para Agripino, a falta de prazo explícito tem levado o Congresso a dar “pouca importância” a esse julgamento. 

    As contas referentes aos exercícios de 1990, 1991, 1992 e de 2002 a 2013 ainda não foram apreciadas. São períodos que envolvem o governo de Fernando Collor e todo o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, além dos três primeiros anos do governo de Dilma Rousseff. 

    Desde 2009, os dados nem saíram da Comissão Mista de Orçamento (CMO). A assessoria de Agripino fez levantamento dos relatórios doTribunal de Contas da União (TCU) sobre os anos do governo Dilma Rousseff e constata que foram feitas, ao todo, 73 ressalvas e 128 recomendações em relação aos exercícios de 2011, 2012 e 2013. Os pareceres do órgão de assessoramento do Legislativo não foram votados no Congresso. 

    Na semana passada, numa decisão inédita, o TCU adiou o julgamento das contas de Dilma de 2014 e pediu explicações de supostas irregularidades em 30 dias. Para Agripino, se não fosse a omissão do Congresso, muitos problemas na gestão das políticas públicas poderiam ser corrigidos. O senador do DEM cita relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2012, segundo o qual a análise legislativa das contas do presidente da República do Brasil está sujeita a “grandes atrasos, enfraquecendo a ´accountability´ [obrigação de um órgão administrativo de prestar] e a tomada de decisão do governo”. 

    O levantamento da assessoria de Agripino mostra que as contas de Dilma referentes a 2011 receberam 25 ressalvas e 40 recomendações do relator do TCU, ministro José Múcio Monteiro. Ele apontou ausência de informação sobre o estoque acumulado da dívida ativa, até 2011, referente aos créditos do Banco Central; retificação irregular de R$ 116,9 bilhões de restos a pagar não processados no passivo não financeiro; omissão dos valores efetivos das necessidades bruta e líquida de financiamento do Tesouro no Relatório Anual da Dívida Pública Federal; e ausência de contabilização das renúncias de receitas do governo. 

    As contas de 2012 receberam 22 ressalvas e 41 recomendações do relator, ministro José Jorge, já aposentado. Segundo ele, nos últimos três dias do ano, a equipe econômica fez uma série de operações triangulares para fechar o superávit de 2012. Ao todo, R$ 19,4 bilhões foram levantados de forma “extraordinária e atípica”, segundo o parecer. 

    Desse total, R$ 12,4 bilhões foram do Fundo Soberano do Brasil (FSB) e R$ 7 bilhões em dividendos da Caixa Econômica Federal e do BNDES. 

    José Jorge citou que o BNDES, contrariando o próprio estatuto, destinou R$ 1,3 bilhão do lucro líquido para a distribuição de dividendos antecipados no 3º trimestre de 2012. Constatou também um “registro contábil intempestivo” de R$ 6,9 bilhões de aumentos de capital na Caixa. Entre as recomendações, o TCU sugeriu “a correta identificação” da execução orçamentária do plano Brasil Sem Miséria. 

    As contas de 2013 receberam do ministro Raimundo Carreiro 26 ressalvas e 47 recomendações. Ele afirmou que mais de 60% do superávit primário alcançado pela União no ano veio de receitas extraordinárias obtidas pelo governo. “Ao longo dos últimos anos, mudanças metodológicas e transações atípicas, cada vez mais complexas, vêm contribuindo para reduzir a transparência e dificultar o entendimento sobre que superávit primário o governo tem de fato perseguido.” 

    Segundo ele, o governo não apresentou projeções anuais que permitissem conhecer o total dos benefícios financeiros e creditícios concedidos pela União ao BNDES. O relatório constatou ausência do valor do estoque de dívida ativa do Banco Central no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). E que sete estatais, como Petrobras e Transpetro, executaram irregularmente despesas acima do limite autorizado para a fonte de financiamento. Outras oito apresentaram programações de despesas superiores à dotação aprovada, como Petrobras, Caixa, Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e Banco do Nordeste. 

    O ministro afirmou que o governo não havia apresentado as projeções de benefícios concedidos a projetos da Copa, conforme determinava um acórdão de 2012 do TCU. Chamou atenção para o que considerou distorção dos chamados passivos ocultos no balanço geral da União. Ainda com relação às contas de 2013, o TCU contestou dados do governo no programa Minha Casa Minha Vida. Apontou conflito de números de moradias nas notas explicativas do Ministério das Cidades e na tabela publicada na prestação de contas de Dilma. 

    A PEC precisa ser aprovada em dois turnos no Senado, com pelo menos três quintos dos votos a favor (49) em cada votação. Depois, será submetida à Câmara dos Deputados. Um dos 27 senadores que assinaram a PEC de Agripino, Jader Barbalho (PMDB-PA) considera um “escândalo” o Congresso não exercer “uma das suas tarefas fundamentais, que é a sua tarefa fiscalizadora”. 

    Ontem, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL) anunciou que irá apresentar uma PEC para criar a figura da autoridade fiscal independente. O escolhido para a função seria ligado ao Legislativo e cumpriria um mandato no qual seria responsável por fazer um acompanhamento da execução da política fiscal. “É para não acontecer essas coisas com as quais nós estamos tendo que conviver, pedaladas”, afirmou Renan. 

    Ele negou que a iniciativa busque afrontar o Executivo, mas admitiu que se trata de uma maneira de fiscalizar mais de perto as atividades da equipe econômica: “Eu acho que o pior exercício é ficar como presidente do Congresso comentando a crise. Ser comentarista do abismo não resolve.”

     

    Fonte: Valor Econômico

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