Projeto reduz teto para multa da CVM

    Num acordo costurado pelos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, a Câmara aprovou ontem requerimento de urgência, por 232 votos a 80, o projeto de lei para instituir acordos de leniência de Instituições Financeiras e do mercado de capitais com o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e aumentar a capacidade desses órgãos de punir irregularidades.

    O mérito do projeto deve ser votado hoje à tarde na Câmara, segundo Maia. O texto ainda deve passar por mudanças, com a apresentação de emendas e destaques. Entre os pontos mais polêmicos estão a redução na multa que a CVM poderá aplicar, de R$ 500 milhões para R$ 50 milhões, o que levou representantes da autarquia a procurarem o autor do projeto, deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), para tentar reverter a redução.

    Pauderney rejeitou ampliar mais a multa. O governo defendia, na medida provisória (MP) 784 que perderá a validade amanhã, já que não será votada, que a multa da CVM pudesse chegar a R$ 500 milhões. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”, diz o deputado do DEM. O texto deixa explícito essa tentativa, nas palavras do autor, de não inviabilizar as empresas. O projeto afirma que a aplicação de multas pela CVM observará “a capacidade de pagamento para que a atividade desenvolvida não seja inviabilizada e os motivos que justifiquem a imposição da sanção administrativa”.

    Com base nisso, é excluída uma das sanções previstas na MP, que permitia multa de até 20% do faturamento total da empresa ou grupo econômico no ano anterior à instauração do processo administrativo. No lugar, fica autorizada multa do dobro do prejuízo causado aos investidores em decorrência do ilícito. Pelo texto, essa punição pode ser superior aos R$ 50 milhões. Há ainda outra alternativa à disposição da CVM, que é multar em três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito.

    Já para o Banco Central o valor da multa proposto na MP e no projeto é o mesmo: até R$ 2 bilhões, ou 0,5% da receita de serviços e de produtos financeiros apurada no ano anterior à infração. Mas Pauderney colocou uma trava e todas as penalidades superiores a R$ 50 milhões precisarão passar pelo órgão colegiado do BC, do qual faz parte pelo menos um diretor.

    Para diminuir as resistências ao texto, que provocou polêmica inclusive na base aliada do governo pelo suposto favorecimento aos bancos, o projeto evita falar em acordo de leniência. A nomenclatura mudou para “acordo administrativo em processo de supervisão”, embora as regras sejam exatamente as mesmas. Pela proposta, a instituição financeira que confessar infração às normas legais ou regulamentares do BC poderá ter a extinção da punição administrativa, caso seja a primeira a admitir a irregularidade, ou redução de um a dois terços da pena, se outra empresa já tiver confessado.

    O texto faz uma ponderação que já constava das negociações posteriores à edição da medida provisória e diz que o acordo administrativo assinado pelo Banco Central não terá efeito sobre as áreas de atuação do Ministério Público e de outros órgãos, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A confissão de crimes fora da esfera do BC, como pagamento de propina em troca de benefícios, por exemplo, ficaria a cargo do MP.

    O projeto também alterou um ponto bastante criticado da MP, que era o sigilo dos acordos e punições aplicadas. A nova proposta determina que a existência do termo de compromisso da instituição financeira com o BC será pública, mas sem divulgar “informações sensíveis, e que o acordo terá que ser referendado pelo colegiado do BC.

    Outra alteração, que não constava da MP, é na tipificação de crimes contra o mercado de capitais. A Lei 6835/1976 diz que é crime usar informação relevante ainda não divulgada ao mercado para ganhar, para si ou para outro, vantagem indevida, mas condiciona o crime ao uso dessa informação privilegiada por quem tinha o dever de manter sigilo. Pela proposta, o crime ocorrerá pelo simples uso de informação não divulgada ao mercado para obter vantagem indevida, mesmo por aqueles que não tinham obrigação de manter o sigilo. A quebra do sigilo agora seria um agravante, com aumento em um terço da pena de um a cinco anos de reclusão e multa de três vezes da vantagem indevida.

    O projeto também deixa claro que cometerá o crime “quem repassar informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor”.

    A oposição criticou a proposta, que tentaria proteger os bancos de investigações. “É mais uma matéria que vem em auxílio ao sistema financeiro, que é a grande razão de ser desse governo”, disse o deputado Léo de Brito (PT-AC). Já a base do governo apoiou a urgência, num gesto para agradar Maia, que na semana passada fez duras críticas ao Executivo pela derrubada da MP sobre o mesmo assunto.

    Autarquia estuda apresentar emendas
    Juliana Schincariol | Do Rio

    O projeto de lei que substitui a Medida Provisória 784 aumenta o desequilíbrio entre as punições máximas cobradas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que pode passar a ser de R$ 50 milhões, e pelo Banco Central, de R$ 2 bilhões. Se aprovado como foi apresentado, a diferença entre os valores cobrados pelos dois órgãos será de 40 vezes.

    “O novo texto reduz consideravelmente a previsão anterior do valor máximo de multa só com relação à CVM, e não ao BC, criando um verdadeiro abismo entre o poder efetivo de punir dos dois órgãos”, disse o advogado e ex-procurador-chefe da CVM, José Eduardo Guimarães.

    A MP apresentada em junho sugeria multa máxima para a autarquia de R$ 500 milhões. O projeto de lei manteve a proposta de punição com base em três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito. Por outro lado, deixou de prever como cálculo para multa a cobrança de 20% do faturamento do grupo econômico obtido no exercício anterior à instauração do processo administrativo sancionador, no caso de pessoa jurídica.

    O Valor apurou que a autarquia estava disposta a negociar este ponto. “Numa eventual regulamentação futura, essa modalidade de multa seria bastante estrita”, disse uma fonte próxima à CVM. O projeto de lei também passou a prever a cobrança de multa equivalente ao dobro do prejuízo causado ao investidor em decorrência do ilícito. “As hipóteses de multas e os valores previstos no projeto de lei atendem a quase totalidade dos casos”, disse essa mesma fonte.

    O advogado Eli Loria, ex-diretor da CVM, pondera que a multa continua alta e que há outros mecanismos para aplicação de valores superiores a R$ 50 milhões. “Isso não enfraquece a CVM. Isso acontece quando julga tardiamente ou julga mal”, disse.

    Ainda na seara das multas, o PL diz que a penalidade “deverá observar, para fins de dosimetria, “princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a capacidade de pagamento para que a atividade desenvolvida não seja inviabilizada”. “O texto traz pra o julgador a obrigação clara de fundamentar a aplicação das penas com base em princípios constitucionais, o que sempre esteve implícito e sempre pautou a atuação do colegiado da CVM”, afirmou Guimarães.

    A autarquia analisou o projeto de lei e avalia apresentar emendas. “Neste momento, [a CVM] está avaliando a viabilidade de propor aperfeiçoamentos de forma a buscar atender ao melhor interesse do mercado de valores mobiliários brasileiro”, disse em nota. O Sindicato Nacional dos Servidores da CVM (SindCVM) também pretende apresentar propostas.

    O regulador não participou das conversas para a criação do projeto de lei e foi pego de surpresa com seu conteúdo. Representantes da CVM, contudo, já entraram em contato com o deputado Pauderney para que ele reconsidere a proposta de reduzir a multa.

    A nova proposta deixou ainda de contemplar o fundo de desenvolvimento do mercado, que seria alimentado com recursos dos termos de compromisso da CVM. No entanto, diz que créditos oriundos de condenação poderão servir de pagamento de indenização em ação civil pública. “Criar um procedimento para captar dinheiro no âmbito público é sempre complexo. O PL tenta facilitar a destinação dos recursos”, analisa o advogado especialista em mercado financeiro, Aloísio Matos. (Colaboraram Fernando Torres, em São Paulo, e Raphael di Cunto, em Brasília)

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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