Para presidente do Sinal, proposta é uma barbárie contra o serviço público
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/20 – mais conhecida como Reforma Administrativa -, encaminhada ao Congresso Nacional pelo governo federal, no último dia 3, vem sendo muito criticada por diversos setores da sociedade civil, entre os quais representações sindicais e de classe. Na visão do presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Paulo Lino, a PEC 32/20 é uma barbárie contra o serviço público.
Para o sindicalista, o texto da Reforma Administrativa não tem embasamento técnico e está sedimentado em estigmas e preconceitos contra o servidor público. Segundo ele, se
a PEC 32/20 for aprovada pelos parlamentares da forma que foi apresentada pelo governo, haverá um retrocesso na administração pública, com precarização dos vínculos de trabalho, aviltamento salarial, apadrinhamentos e queda da qualidade dos serviços prestados à população, entre outras arbitrariedades.
A ideia inicial é trabalhar no Congresso Nacional pela rejeição da PEC 32/20 em sua totalidade e, caso não seja possível, ir às últimas consequências legais para impedir que essa barbárie contra o serviço público, em detrimento das camadas sociais mais vulneráveis, seja cometida.
Veja, na entrevista a seguir, o posicionamento do presidente do Sinal sobre vários pontos da proposta de Reforma Administrativa apresentada pelo governo federal.
ESTABILIDADE
A estabilidade não pode ser flexibilizada, ela é um direito da sociedade. Os servidores públicos trabalham para o Estado e para a população. A estabi- lidade não é pessoal, não pode ser diferente para este ou para aquele servidor. Todos precisam ter a independência para poder cumprir suas tarefas com o rigor técnico necessário, não se obrigando a uma relação de subserviência a governantes do momento.
FIM DO RJU
O Regime Jurídico Único (RJU) é o regulador da relação dos servidores com a administração pública. Seu fim rompe esse estado de coisas e é extremamente danoso aos serviços públicos. No mínimo, podemos dizer que será o fim do serviço público como hoje existe, voltado para o Estado e para a sociedade, e o início de uma nova era, onde o patrimonialismo se consolidará.
EXCLUSÃO DE MILITARES, PARLAMENTARES MEMBROS DO JUDICIÁRIO
preocupação do governo com possíveis vícios de origem é real, mas deveria se preocupar com toda a PEC 32/20, pois ela carrega uma insegurança jurídica muito grande. O alvo do governo continua sendo os servidores públicos civis, eleitos como os vilões do país, mesmo em um momento onde milhares deles estão na linha de frente do combate à pandemia e outros tantos dando o suporte para que o restante da população possa ficar em isolamento social, de forma a evitar um maior contágio da Covid-19.
PROPOSTA RUIM
A proposta é toda ruim, sem nenhum embasamento técnico que a justifique, sedimentada em estigmas e preconceitos. A quebra da estabilidade é ponto crucial, assim como a precarização dos vínculos de trabalho, que são portas abertas para o clientelismo, o aparelhamento do Estado, a in- gerência política e as oportunidades de corrupção. Não se pode esquecer também a possibilidade arbitrária de o presidente da República, por decreto, sem passar pelo Legislativo, criar ou extinguir cargos, órgãos públicos, autarquias e estatais.
FALÁCIAS
Não somos contra uma reforma da gestão pública, somos contra esta proposta que se baseia em falsas premissas, como a de que o Estado está inchado e a de que os servidores ganham muito e são ineficientes. Levantamento feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) dá conta de que apenas 12% da população ocupada no Brasil trabalha no serviço público, enquanto a média dos países desenvolvidos é de 21,3%. Além disso, 93% dos servidores públicos brasileiros estão vinculados ao Poder Executivo, com média salarial, considerando os três níveis – federal, estadual e municipal -, de R$4.200. Quanto à eficiência, cito o caso do Banco Central do Brasil, cujas carreiras existentes são representadas pelo Sinal, considerado nacional e internacionalmente como uma área de excelência e detentor de uma reputação de idoneidade, conquistadas. Não temos receio em dizer isso, graças à qualidade de seu corpo funcional. O ingresso se dá apenas por meio de concursos públicos específicos, onde se exige alta qualificação. As funções comissionadas são exclusivas para os servidores que pertençam às suas carreiras, vedando-se o instrumento de redistribuição de servidores “de” e “para” o BC. De fora e efêmeros, só o presidente e alguns diretores, que, mesmo indicados pelo presidente da República, são sabatinados pelo Sena- do Federal. Lamentável é querer fazer crer que a presença de “trainees”, funcionários por tempo determinado, terceirizados nas áreas fins, rotatividade de servidores e outras inovações, temerá- rias e absolutamente desnecessárias, possam resultar em maior eficiência à instituição.
EQUILÍBRIO FISCAL
Quanto ao equilíbrio fiscal, é uma falácia colo- car a chamada reforma administrativa como imperativa para o país. Ela é apenas mais uma falsa “bala de prata”, como foram a PEC do Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista e a Reforma Previdenciária, ineficazes na consecução do prometido, já que o mercado é insaciável.
CONCURSOS E TEMPORÁRIOS
O concurso público será uma raridade e as contratações temporárias, as parcerias com a iniciativa privada e a terceirização se proliferarão, em detrimento da qualidade do serviço público entregue à sociedade.
CARREIRA PÚBLICA
As mudanças nas leis previdenciárias, na estabilidade funcional e no desenvolvimento da carreira do servidor tendem a tornar o cargo público menos atrativo, mas, em um país que não consegue resolver o problema do desemprego crônico e crescente, ainda será procurado. A diminuição do salário de entrada pode afastar os pretendentes mais qualificados, que darão preferência à iniciativa privada, e, consequentemente, a entrega dos serviços pode vir a ser prejudicada. De qualquer forma, a efetividade dos serviços públicos é o que menos importa àqueles que elaboraram a PEC 32/Os interesses são outros, fiscalistas e voltados ao mercado.
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
O governo não está preocupado com a avalia- ção de desempenho, seu objetivo é a demissão dos servidores estáveis. O funcionalismo públi- co não é contra e nem tem medo da avaliação de desempenho, desde que garantidas as condições para que ela não se transforme em um instrumento de concretização de arbitrariedades. Muitos ór- gãos públicos têm seus sistemas de avaliação e isto não causa trauma algum entre os servidores, porém, é preciso estabelecer processos claros para a mensuração das atividades e para os métodos de avaliação, garantir condições plenas de traba- lho, oferecer capacitação profissional e, princi- palmente, fixar critérios onde diferenças políti- cas, partidárias, de credo, de opção sexual e ou- tras da espécie não sejam preponderantes para a obtenção dos resultados avaliativos.
AVILTAMENTO SALARIAL
Da forma como a reforma foi apresentada, sem nenhum diálogo com os servidores públicos ou com as entidades sindicais que os representam (certamente os maiores interessados em melhorar a efetividade dos serviços públicos), confesso que ainda não encontrei nada de positivo, nem as intenções. A possibilidade de trabalhar em um órgão público e fazer “bicos” em outras iniciativas permite antever o propósito de um aviltamento salarial, que não melhorará a qualificação do servidor para atender as necessidades de sua carreira e nem se prestará para que um órgão público tenha um processo de transferência geracional de conhecimento. Um salário digno propicia um servidor inteiramente dedicado às suas atividades, com mais especialização e mais efetividade em suas entregas.
FALTA DE DIÁLOGO
O aperfeiçoamento da gestão pública jamais poderá ser visto como um mal, mas, sim, como um processo constante para dinamizar e criar condições para que um serviço público de melhor qualidade seja oferecido à sociedade. Como já dissemos, o momento é inoportuno, pois além da ausência de diálogo com os servidores para a elaboração da PEC 32/20, o distanciamento social imposto pela pandemia inviabilizará a realização de audiências públicas no Congresso Nacional, quando especialistas sobre gestão pública, membros da sociedade civil organizada e representantes das entidades de classe dos servidores poderiam aprofundar o debate sobre o tema e encontrar caminhos que realmente levassem a seu objetivo.
MOBILIZAÇÃO
A ideia inicial é trabalhar no Congresso Nacional pela rejeição da PEC 32/20 em sua totalidade e, caso não seja possível, ir às últimas consequências legais para impedir que essa barbárie contra o serviço público, em detrimento das camadas sociais mais vulneráveis, seja cometida.
Fonte: Folha Dirigida