Proposta orçamentária terá que ser refeita

    Por Ribamar Oliveira

    A primeira coisa que a equipe econômica do governo a ser eleito em outubro terá que fazer é uma completa revisão da proposta orçamentária para 2015, encaminhada na semana passada ao Congresso. O ideal seria que a nova equipe encaminhasse outra proposta, tal o grau de irrealismo do texto que está sob análise dos parlamentares. É mais provável, no entanto, que isso não aconteça e as mudanças sejam feitas por meio de acordos com as lideranças partidárias e com o relator da proposta orçamentária, senador Romero Jucá (PMDB-RR), durante o período de transição.

    Ao elaborar a proposta para 2015, a equipe da presidente Dilma Rousseff abandonou o discurso que havia adotado em fevereiro, quando anunciou o decreto de contingenciamento das dotações orçamentárias de 2014. Naquela época, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou que o governo tinha utilizado “estimativas conservadoras para a receita” e que as receitas extraordinárias seriam menores do que as de 2013. A arrecadação total cresceria “apenas” 10,5% em relação ao ano anterior, em termos nominais -um aumento real em torno de 4%.

    Mesmo essa “estimativa conservadora” mostrou-se bastante irrealista. De janeiro a julho deste ano, a arrecadação da União divulgada pela Receita (não inclui dividendos e concessões) praticamente não apresentou crescimento real em comparação com igual período de 2013.

    Previsão de aumento da receita em 2015 é irrealista

    Abandonando o discurso de “estimativas conservadoras”, o atual governo elaborou uma proposta orçamentária para 2015 que prevê um aumento nominal de 12,2% da receita total da União ou algo superior a 6% em termos reais. A arrecadação passaria de 24,84% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 para 25,46% do PIB em 2015, de acordo com a proposta orçamentária – uma elevação de 0,6 ponto percentual do PIB. O irrealismo da previsão é ainda maior porque a base de comparação – a receita deste ano – está inflada com uma previsão de receita extraordinária de R$ 27 bilhões, sendo R$ 18 bilhões do Refis, que é o parcelamento de débitos tributários com redução de juros e multas.

    Além disso, a previsão de receita deste ano está inflada por causa da estimativa de aumento de 31,6% da arrecadação com royalties (cota parte de compensações financeiras) e pelos R$ 5,5 bilhões com as vendas de ativos, que nunca se realizam. A previsão de arrecadação deste ano, portanto, também precisa ser ajustada, inclusive porque ela foi projetada com base numa estimativa de crescimento da economia de 1,8% neste ano. Isso poderá ser feito no relatório de receitas e despesas referente ao quarto bimestre, que será divulgado no próximo dia 22 de setembro.

    A proposta orçamentária de 2015 não especificou qual é a previsão de perda de receita com as desonerações tributárias já realizadas. Apenas consta que o Tesouro terá que ressarcir a Previdência Social no montante de R$ 18,2 bilhões por conta da perda de arrecadação com a desoneração da folha de pagamentos. De qualquer forma, a proposta orçamentária não prevê novas desonerações tributárias em 2015.

    A reavaliação da estimativa da receita é essencial para definir o ajuste fiscal possível no próximo ano. Quanto menor for a arrecadação, maior será a dificuldade para fazer um ajuste nas contas públicas, que garanta um superávit primário suficiente para manter a trajetória de queda da dívida líquida em comparação ao PIB.

    A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) definiu um superávit primário mínimo de 2% do PIB para todo o setor público em 2015. A contribuição do governo central (que compreende o Tesouro, a Previdência e o Banco CENTRAL) será de 2% do PIB, podendo ser descontado 0,5% do PIB da meta por conta dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A contribuição dos Estados e dos municípios foi estimada em 0,5% do PIB.

    A proposta orçamentária enviada ao Congresso foi elaborada com superávit primário do governo central de apenas 1,5% do PIB, ou seja, já com o desconto da meta, mesmo com a receita tendo sido superestimada. Isto significa que será necessário que a futura equipe econômica corte parte das despesas programadas para 2015 até mesmo para alcançar o superávit primário do governo central de 1,5% do PIB.

    O mais significativo – e que precisa ser destacado – é que para fechar a proposta orçamentária de 2015, com um superávit de apenas 1,5% do PIB para o governo central, a atual equipe econômica reduziu a previsão para os investimentos públicos no próximo ano. Segundo a apresentação feita pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, a proposta orçamentária para 2014 previa investimentos de R$ 81 bilhões, enquanto a proposta para 2015 prevê apenas R$ 77,6 bilhões.

    Com isso, o atual governo parece ter indicado qual será a variável de ajuste das contas públicas no próximo ano. O corte dos investimentos sempre foi a escolha preferencial de todas as equipes econômicas desde 1999, quando o governo brasileiro começou a fazer superávits primários para pagar parte dos juros de suas dívidas e, assim, manter o endividamento sob controle. Para preservar os investimentos, o governo teria que cortar gastos na área social, o que, obviamente, nunca encontrou sustentação política. Tudo indica que em 2015 não será diferente.

    O corte no chamado custeio restrito da máquina pública (que não considera as despesas com pessoal, encargos sociais e nem os gastos com saúde e educação), embora tenha sido realizado em alguns momentos, nunca foi suficiente para garantir o ajuste fiscal. A explicação é que esse gasto não é expressivo, em comparação com a despesa total.

    A única alternativa ao corte dos investimentos é o aumento da carga tributária, com a criação de novo tributo ou o aumento das alíquotas dos existentes. Esse caminho foi trilhado por todos os governos desde 1999, pois a carga tributária não parou de crescer. Uma fórmula que poderia evitar o aumento da carga seria realizar um ajuste fiscal plurianual, ou seja, definir uma meta a ser alcançada não no ano calendário, mas em período a ser definido, explicitando uma trajetória para a dívida líquida em proporção do PIB.

     

    Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

    E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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