Quadro fiscal limita espaço de ação da política monetária

    Tiago Berriel, professor da PUC-RJ: “A discussão feita pelo Banco Central deveria expor claramente a necessidade de um fiscal que estabilize a dívida pública”

    O Brasil está na “antessala” da dominância fiscal e, embora o Banco Central não admita isso na ata do Copom, essa situação limita uma resposta de política monetária à deterioração das expectativas de inflação. Essa é a visão do professor do Departamento Econômico da PUC-RJ e responsável pela análise econômica da Pacífico Gestão de Recursos, Tiago Berriel.

    Em sua opinião, uma alta de juros hoje iria piorar ainda mais a inflação, e não trazer alívio. “Se o BC tentar controlar [a dinâmica inflacionária], acaba colocando gasolina na fogueira, o que dificulta a dinâmica da dívida, que já é ruim, e o processo inflacionário, em vez de ficar contido, se agrava, porque gera mais depreciação, mais risco e mais inflação”, afirma. Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista.

    Valor: O Banco Central indicou que deve manter o juro estável por um período prolongado. Dado o quadro fiscal e a deterioração das expectativas de inflação, essa estratégia está correta?

    Tiago Berriel: Eu acho que sim. Mas também acho que a discussão feita pelo Banco Central deveria expor claramente a necessidade de um fiscal que estabilize a dívida pública, para que ele possa fazer seu “inflation target”. Ele não fez isso na ata. Ele não coloca como um risco na condução da política monetária dele. Ele coloca como um risco à estratégia de manutenção. É muito mais sério do que isso. Na minha visão, a questão fiscal é muito forte e é muito séria. Não tenho como defender algo diferente disso.

    Valor: Isso significa que estamos em dominância fiscal (quando a política monetária se mostra impotente para combater a inflação devido à deterioração do quadro fiscal)?

    Berriel: Com a estrutura política dificultando muito a geração de superávits primários futuros, as pessoas devem começar a revisar suas expectativas para o fiscal e isso reforça o papel do lado fiscal na determinação da inflação. Então, estamos na antessala da dominância fiscal. É melhor o BC esperar para ver se chegaremos nessa situação ou não, porque corremos o risco de subverter os canais de política monetária. Só o fato de existir uma incerteza sobre essa situação deve exigir uma prioridade ao fiscal e o BC deve levar isso em consideração. Também deve deixar claro que existem pré-requisitos fiscais para que ele possa fazer uma política monetária normal, possa entregar a inflação na meta.

    Valor: Como se caracteriza esse quadro de dominância fiscal?

    Berriel: No Brasil, esse processo aconteceria mais ou menos assim: as pessoas começam a perceber que a dívida está evoluindo muito rápido e que existe uma incapacidade pela questão política de gerar hoje e no futuro superávits primários que estabilizem a dívida, seja ela bruta ou líquida. Então, qualquer novidade negativa fiscal gera uma depreciação cambial que, por si só, já melhora nossa dívida em reservas, indexada ao dólar, e gera mais inflação, que diminui o valor dessa dívida real. Aí, começa a política monetária a virar um passageiro dessa história, não influencia diretamente a dinâmica inflacionária. Se ele tentar controlar, acaba colocando gasolina na fogueira, o que dificulta a dinâmica da dívida, que já é ruim, e o processo inflacionário, em vez de ficar contido, se agrava, porque gera mais depreciação, mais risco e mais inflação. O que a gente vê no Brasil hoje é uma deterioração muito forte.

    Valor: Qual seria a indicação mais concreta de que chegamos à dominância fiscal?

    Berriel: Quando o [Alexandre] Tombini [presidente do Banco Central] apresentou Relatório de Inflação, ele disse que não iria subir os juros e a curva de juros toda colapsou, ao mesmo tempo em que o câmbio se apreciou. Esse é um sinal muito errado em relação ao modelo usual. Se tivesse tido um choque de juros negativo, eu esperaria que o câmbio se depreciasse. Isso se encaixa bem em uma situação de dominância fiscal. Além disso, o câmbio tem reagido a questões fiscais negativas. Em 2008 e em 2012, qualquer surpresa fiscal quase não tinha efeito sobre o câmbio. E hoje tem, em um processo que tem se agravado. Isso está de acordo com a possibilidade de dominância. Mas a gente não tem um teste definitivo. Até porque essa mudança de expectativas sobre o fiscal é recente e tem se agravado nos últimos quatro meses. É difícil testar isso empiricamente.

    Valor: Embora o BC pretenda parar de subir os juros, o prêmio de risco das taxas futuras só aumenta. Isso é um problema para a autoridade monetária?

    Berriel: Quando o Tombini comentou o Relatório de Inflação, ele disse com todas as letras que a estratégia do BC é a manutenção dos juros e que o mercado estava em desacordo com a visão do Banco Central. O mercado se ajustou ali, mas voltou a subir. Nessa parte curta da curva, é fácil ele ajustar. Basta ele insistir nisso. Em parte, ele deu sinal ao indicar o alongamento do prazo de convergência. Mas, ao colocar o fiscal como um risco, que pode fazer com que ele reaja, ele levantou de novo a possibilidade de uma subida.

    Valor: Mas não é essa indicação de que quer manter os juros estáveis que pressiona o prêmio de risco?

    Berriel: A parte longa da curva está mais relacionada com o fiscal. O problema é tão sério, que até o ministro Joaquim Levy [Fazenda] disse, no início do ano, que à medida que o fiscal fosse se solucionando, os juros longos iriam fechar. Na verdade, não houve nenhum fechamento, houve uma alta, porque o fiscal se agravou. Eu acho que, nessa questão, o Banco Central é residual.

     

    Fonte: Valor Econômico

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