A valorização do real nos últimos meses ajudou a reduzir as projeções para a inflação e a melhorar um pouco o péssimo resultado fiscal do governo, ao proporcionar ganhos ao Banco Central com os swaps cambiais (os instrumentos ofertados pela autoridade monetária a partir de agosto de 2013 para dar proteção contra oscilações da moeda e moderar a alta do dólar). Além disso, o real mais forte aumenta o poder de compra dos salários em dólares.
Nesse cenário, há quem acredite que a apreciação do real pode ser uma tentação para o novo governo, por aumentar o espaço para o BC cortar os juros, num cenário em que a grande ociosidade na economia tem auxiliado a baixar os índices de preços. Para alguns analistas, contudo, há um risco no fortalecimento da moeda: minar a competitividade das exportações e do produto local em relação aos importados, um dos poucos trunfos da economia num momento de retração da demanda interna.
Depois de atingir R$ 4,16 em 21 de janeiro, o dólar teve uma queda considerável, passando a oscilar nas últimas semanas na casa de R$ 3,50. O movimento do câmbio foi um dos motivos que contribuíram para a redução das estimativas de inflação para este ano e o próximo, como nota a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thais Marzola Zara, destacando também o recuo mais rápido que o esperado dos serviços.
As projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2016 caíram de 7,62% em meados de fevereiro para os atuais 6,94%, enquanto as previsões para 2017 recuaram de 6% para 5,72%, segundo os analistas consultados semanalmente pelo BC. Há quem esteja mais otimista, vendo um IPCA em 6,5% neste ano e em 5% ou menos no que vem.
A valorização do real ocorreu por uma combinação de melhora do cenário externo, que levou ao fortalecimento de várias moedas emergentes, e da expectativa em relação à mudança de governo no Brasil. Houve uma melhora da percepção de risco, com a perspectiva de que o vice-presidente Michel Temer assuma o poder e consiga aprovar medidas que enfrentem os desequilíbrios fiscais.
Nesse quadro, as estimativas do mercado para o dólar recuaram. O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, cortou a sua projeção para a moeda americana no fim do ano de R$ 4 para R$ 3,65, enquanto Thais baixou a sua de R$ 4 para R$ 3,60.
Com uma economia em forte recessão, que tem feito ceder a inflação de serviços, e uma expectativa mais favorável para o câmbio, o BC deve ter mais espaço para cortar os juros. Gonçalves espera que a Selic seja reduzida pela primeira vez já em julho, chegando no fim do ano em 12,5% – hoje, estão em 14,25%.
O BC aproveitou o movimento da moeda para diminuir o volume de swaps cambiais, o que tende a atenuar a valorização do real. O estoque desses papéis, que chegou a superar US$ 110 bilhões, caiu para a casa de US$ 67 bilhões.
No campo fiscal, a valorização do câmbio levou o BC a ganhar R$ 42,7 bilhões em março e R$ 12,3 bilhões em abril com os swaps cambiais. Em 2015, quando a moeda americana subiu com força, a autoridade monetária teve uma perda de R$ 102 bilhões com os swaps, o que contribuiu para inflar o déficit nominal (que inclui despesas com juros) para 10,3% do PIB. Nos 12 meses até março – o dado mais recente disponível – o rombo ficou em 9,7% do PIB.
Gonçalves e Thais veem com bons olhos a estratégia do BC de reduzir o estoque de swaps cambiais. Para ela, é algo que ajuda a reduzir a volatilidade no mercado. “E os swaps podem ter um custo fiscal razoável”, diz Thais. Quando o dólar sobe, o BC perde dinheiro com os swaps; quando cai, a autoridade monetária tem lucro.
Na visão de Gonçalves, o provável novo governo pode ser tentado a deixar o câmbio valorizar mais. O “histórico do futuro ministro” sugere essa possibilidade, diz ele, numa referência a Henrique Meirelles, que deve ocupar a Fazenda se o vice-presidente Michel Temer de fato assumir o poder, em caso de afastamento de Dilma Rousseff. Quando Meirelles foi presidente do BC, entre 2003 e 2010, o real se apreciou com força. Cotado para o Itamaraty, o senador José Serra (PSDB-SP) tenderia, contudo, a se opor a esse movimento da moeda.
Ao eventualmente permitir uma valorização adicional do câmbio, o governo poderia “pegar carona” num processo que já vem ocorrendo, marcado pela queda da inflação e pelo recuo dos juros futuros, diz Gonçalves. Haveria mais espaço para a redução da taxa Selic, o que poderia dar um alento à atividade econômica.
Para Gonçalves, o melhor seria um câmbio na casa de R$ 3,70, para assegurar a continuidade do ajuste externo. O déficit em conta corrente recuou significativamente desde 2014 devido ao efeito da recessão e também por causa do câmbio mais desvalorizado. Ele barateia exportações e encarece importações, além de baixar o custo unitário do trabalho (CUT) medido em dólares. Um real mais forte poderia colocar em risco esse processo.
O economista-chefe do Fator, porém, não acredita numa queda sustentada do dólar. Para ele, não se pode descartar uma queda para a casa de R$ 3,20, mas a moeda não tenderia a se manter nesse nível. Gonçalves projeta um câmbio a R$ 3,65 no fim do ano por acreditar em alguma frustração em relação ao provável novo governo. Pode haver alguma decepção quanto ao alcance das medidas fiscais a serem aprovadas, além da instabilidade ligada ao cenário político.
Thaís questiona ainda se é possível ter controle sobre um eventual processo de valorização do câmbio – o BC pode conseguir amenizar a volatilidade no curto prazo, mas há limites para o que a autoridade monetária tem capacidade de fazer. O que se passa na economia global tem peso importante nesses movimentos, uma variável que o BC não controla, lembra ele.
Analista da MCM Consultores Associados, Antonio Madeira não vê problemas se a moeda se apreciar. Num cenário da melhora da percepção do risco Brasil, a disponibilidade de crédito externo aumenta para o país. Se o real se valoriza, abre-se a oportunidade para desmontar o estoque de swaps cambiais e reduzir os juros, avalia Madeira. Uma apreciação do câmbio, desde que não artificial, pode ser bem vinda.
Além disso, ele ressalta que a competitividade das exportações não depende apenas do câmbio – a evolução dos salários (que afeta custos) e da inflação (influencia o câmbio real) e a situação da infraestrutura também têm impacto aí, entre outros fatores.
Fonte: Valor Econômico