Recessão bate à porta

    Analistas de mercado estimam retração de 0,3% a 0,8% do PIB no segundo trimestre. Número oficial será conhecido em quatro dias…

    Enquanto economistas discutem a paralisação da economia brasileira, para muitas famílias as dúvidas inexistem. “Na minha casa, a recessão já chegou”, conta a tradutora Ana Paula Brandão, de 25 anos, que, neste ano, reduziu os planos da TV a cabo e da banda larga de internet, deixou de ir ao cinema, desistiu de comer fora de casa e está trocando produtos caros por outros mais baratos no supermercado. Oficialmente, contudo, os números que devem comprovar que a economia brasileira parou só serão conhecidos na próxima sexta-feira, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgar o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas não é nenhum segredo no mercado que o índice será negativo. Os especialistas apostam em retração entre 0,3% e 0,8% da atividade econômica no segundo trimestre do ano, com revisão do crescimento de 0,2% do primeiro trimestre para -0,1%.

    Não é fácil explicar a os problemas que levaram Ana Paula a cortar gastos e que farão o mandato de Dilma Rousseff ser marcado pela pior desempenho de toda a série histórica desde que o PIB passou a ser calculado, com crescimento médio anual abaixo de 2%. Apesar de atribuir a responsabilidade da estagnação ao quadro internacional de crise e ao pessimismo do mercado, o governo tem mais culpa do que consegue admitir em ano eleitoral, com a reeleição da presidente na mira. Para os especialistas, a recessão na qual o país está afundando é resultado de vários fatores que vão desde os fundamentos da política econômica até a Copa do Mundo, passando pelo intervencionismo exacerbado e pela volatilidade das medidas adotadas pela equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega.

    “O governo Dilma vem fazendo uma política econômica errada há muito tempo”, avalia o economista Renato Fragelli, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV). O especialista aponta a chamada Nova Matriz Econômica, adotada ainda pelo governo Lula, para mitigar os efeitos da crise mundial de 2008 no Brasil, como a raiz dos problemas. “Naquele momento, incentivar o consumo, flexibilizando o crédito, foi uma medida pontual. Mantê-la a todo custo, mesmo depois de ter se mostrado ineficaz, como fez Dilma Rousseff, foi um erro”, pontua.

     

    Consumo

    O consumo das famílias, foco da nova matriz econômica, mostra sinais claros de esgotamento com a inflação grudada no teto da meta doBanco CENTRAL (BC), de 6,5%, a desaceleração do crescimento real da renda dos trabalhadores, o alto endividamento dos brasileiros e um mercado de trabalho que começa a se retrair. “A base da política econômica é equivocada. Incentivou o consumo, quando o problema da economia brasileira era a oferta”, ressalta a analista da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro.

    Com o consumo estimulado, mas sem oferta, o efeito foi pressão inflacionária. Tão forte que resistiu até mesmo à elevação dos juros, num cavalo de pau que fez a Selic ser reduzida ao mínimo histórico, de 7,25% ao ano até março de 2013. Mas 12 meses depois, a taxa básica de juros já estava em 11% ao ano. “A volatilidade das medidas desse governo, como na política monetária, nos incentivos pontuais a alguns setores e nas intervenções desastrosas em outros, contribuiu para o baixo crescimento. Não se mexe assim nos fundamentos sem pagar a conta pelos excessos depois”, avalia a economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV Silvia Matos.

    O problema de oferta passa pelo tombo da indústria brasileira, que está em retração há três trimestres seguidos. “O setor industrial já está em recessão técnica”, alerta Flavio Castelo Branco, gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ele explica que as quedas, sucessivas desde o ano passado, não devem parar por aí. “No primeiro trimestre deste ano, o faturamento recuou 1%, e as horas trabalhadas caíram 2,2%. Com esse nível de atividade menor, o comportamento tende a continuar negativo”, estima.

    Para exportar, a indústria se ressente da política cambial do Banco CENTRAL, que, para conter a inflação, força o dólar a se manter em patamares irreais e tira competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional. Desde o ano passado, a autoridade monetária mantém um programa de venda da moeda norte-americana – em operações chamadas swaps cambiais – para segurar a desvalorização do real. “A economia não consegue crescer neste ambiente de maior competitividade global que derrubou a indústria nacional”, diz Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho. “A taxa de câmbio está fora do lugar”, acrescenta Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica. “O setor externo não consegue contribuir com esse câmbio”, completa o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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