Regime de metas revisitado

    É preciso incluir uma avaliação sobre o horizonte da meta e o mandato do BC. Por Luiz Fernando de Paula

    O regime de metas de inflação (RMI) foi implementado em vários países a partir do insucesso de outras estratégias de âncoras nominais (metas monetárias e âncora cambial), e tem como base o preceito teórico de que a política monetária é inócua para afetar as variáveis reais da economia de forma duradoura, como os níveis de produto e de emprego, e que, consequentemente, o seu objetivo principal deve ser a manutenção de uma taxa de inflação baixa e estável.

     

    Em suas versões mais flexíveis, o objetivo de estabilidade de preços pode ser acompanhado pelo compromisso de manter a estabilização do produto corrente em níveis próximos da taxa potencial, mas somente quando a condição de estabilidade de preços não for violada.

     

    Em muitos países, contudo, a lei que rege o Banco CENTRAL (BC) estabelece outros objetivos subsidiários.

     

    Por exemplo, o BC da Austrália tem um duplo mandato – estabilidade de preços e emprego -, enquanto que o BC do Canadá tem como objetivo promover o bem-estar econômico e financeiro do país. A partir da crise financeira de 2007 vários BCs, incluindo o Banco da Inglaterra, passaram a incluir a estabilidade financeira entre seus objetivos.

     

    Na maioria dos países com RMI (15 em 27, incluindo o Brasil) a meta de inflação é estabelecida conjuntamente entre o governo e o BC, sendo que em 9 países é o BC que define a meta, enquanto que em apenas três países (África do Sul, Noruega e Reino Unido) cabe ao governo esta tarefa. Quanto à definição do horizonte da meta – período no qual o BC deve alcançar sua meta de inflação -, a maioria dos países utiliza um prazo médio (dois anos ou mais ou um período móvel) que permite divergências de curto prazo entre a meta e os choques que afetam a economia, já que choques não previsíveis têm efeitos defasados.

     

    Deve ser destacado que o Brasil, neste particular, é dos poucos países que utilizam a meta anual (ano calendário) como horizonte da meta.

     

    Muitos estudos empíricos realizados não são conclusivos em encontrar evidências empíricas que países emergentes que adotam RMI têm uma performance melhor em termos de maior crescimento econômico e menor inflação em relação aos países que não o adotam. As evidências de que o RMI não melhora necessariamente a performance de inflação e produto, e ainda que países emergentes em geral têm uma performance pior do que dos países desenvolvidos quanto ao nível da taxa de inflação, estão relacionadas à ocorrência de problemas econômicos específicos dos países emergentes: 1- tais economias têm um repasse cambial maior do que as economias desenvolvidas – a renda nessas economias é negativa e significativamente correlacionada com o repasse cambial, uma vez que economias de renda mais baixa têm um porção maior de bens comercializáveis na cesta de consumo das famílias; 2- a maior dificuldade na previsão da inflação, uma vez que os choques são maiores e têm efeito mais forte, a diversificação produtiva é mais baixa e os mercados financeiros são pouco densos; 3- seus passivos externos são predominantemente denominados em moeda externa, criando um problema de “medo de flutuar” na taxa de câmbio.

     

    Grosso modo, pode-se estabelecer a existência de três fases durante a vigência do RMI no Brasil.

     

    Nos seis primeiros anos de sua adoção (1999-2004), o Banco CENTRAL teve dificuldades no cumprimento das metas, sendo o principal responsável pela desvalorização cambial. No período 2005-2009 (à exceção de 2008), as metas foram cumpridas com maior facilidade, favorecidas pelos efeitos positivos da apreciação cambial sobre os preços domésticos.

     

    Já no período 2010-2013 a taxa de inflação aumentou, ficando perto do teto da meta. Além da elevação nos preços de alimentos e bebidas, destaca- se o forte crescimento dos preços de serviços, que vem ocorrendo desde 2010, em decorrência de mudanças estruturais na economia brasileira relacionadas à melhoria na distribuição de renda e redução do desemprego.

     

    Da análise acima, pode-se extrair cinco lições. Em primeiro lugar, países emergentes estão sujeitos a uma volatilidade macroeconômica maior do que os países desenvolvidos.

     

    Em segundo lugar, não há consenso que países que adotam o RMI tenham uma performance melhor do que países que não o adotam. Em terceiro lugar, alguns países que utilizam o RMI estabeleceram um duplo mandato para o BC (incluindo – além da estabilidade de preços – crescimento do produto ou emprego; ou estabilidade financeira).

     

    Em quarto lugar, o Brasil é dos poucos países que utiliza uma meta anual para a inflação. Em quinto lugar, a taxa de inflação no Brasil acima da média de países decorre em parte da elevação no salário real e melhoria na distribuição de renda, ou seja, é um fenômeno estrutural.

     

    Em conclusão, já é tempo de começarmos a discutir mais seriamente a estrutura do regime de metas de inflação, incluindo uma avaliação sobre o horizonte da meta e o mandato do BC.

     

    Luiz Fernando de Paula é professor titular de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do livro “Sistema Financeiro, Bancos e Financiamento da Economia” (Campus).

     

    Fonte: Valor Econômico

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