Risco à manutenção de Selic baixa tende a estimular ‘hedge’

    Com a taxa básica Selic na mínima histórica, o risco de uma reversão de cenário pode despertar ao longo de 2018 a demanda por instrumentos de “hedge” (proteção) contra uma hipotética elevação dos Juros. Profissionais de Instituições Financeiras acreditam que o desafio de manter os Juros baixos no país deve aumentar o interesse das empresas em derivativos para “travar” o custo de suas dívidas, trocando indexadores de taxas flutuantes, como o CDI ou o IPCA, por taxas prefixadas.

    O mercado de derivativos de Juros e inflação é pouco explorado pelo setor corporativo no país, representando menos da metade do segmento cambial. Olhando apenas as operações de Swap, na qual trocam-se os indexadores, o volume de operações somou apenas R$ 8,879 milhões em dezembro de 2017, tendo somado menos de R$ 30 milhões no ano inteiro. Os dados consideram os negócios de balcão registrados na B3 no “mercado com cliente”, que traz os números da relação entre bancos e empresas. Estas operações levam em conta Juros ou índices de preços em alguma das pontas, excluindo operações que possuem moedas.

    “Com a normalização da taxa de Juros do Brasil, em 7% ou menos, que é mais condizente com o padrão internacional, esperamos que as companhias que têm dívidas e emissões indexadas a taxas flutuantes comecem a olhar com mais interesse o hedge no mercado de Juros, mitigando o risco de alta da Selic“, diz Luiz Mazagão, diretor de Tesouraria do Santander Brasil.

    A expectativa que existe é de que o mercado de Swap de Juros – principalmente CDI contra taxa prefixada – tenha crescimento conforme o Certificado de Depósito Interfinanceiro chegue a um ponto mais baixo. Para Luís Kondic, superintendente da mesa de vendas corporativas do Citi Brasil, o movimento ainda não se evidenciou, mas pode ficar mais claro a partir da segunda metade do ano. “Quando o CDI estiver mais baixo, pode ser uma boa hora para as empresas travarem o custo da dívida e deixar de ter o risco de uma alta do CDI afetar a despesa de Juros“, acrescenta.

    O CDI costuma acompanhar as expectativas para a Taxa Básica de Juros. Agora, a Selic está perto de renovar sua mínima histórica, com a expectativa de cair para 6,75% em fevereiro. A realidade de Juros baixos por um período prolongado, entretanto, não é tradicional no Brasil. Em 2012, por exemplo, a Selic recuou até 7,25%, mas voltou a subir menos de cinco meses depois.

    Desta vez, a expectativa é que os Juros permaneçam baixos ao menos até o fim de 2018. A partir de 2019, o cenário de riscos inclui desde as políticas de um novo governo e a situação fiscal até o ambiente externo. “Olhando para os riscos, vemos possibilidade grande de expansão do mercado de derivativos de Juros se aproximando do que acontece no mercado internacional, em que a atividade é maior que de produtos cambiais”, diz Mazagão, do Santander. Ele comenta que o uso de derivativos de Juros e inflação é subdesenvolvido no Brasil, compondo cerca de 20% do mercado total. Lá fora, a divisão em derivativos é 70% de Juros e 30% envolvendo dólar ou euro.

    Um incentivo para a busca de proteção, de acordo com os especialistas, é o fato de que as empresas têm se beneficiado do atual ambiente de Juros baixos e inflação mais fraca em seus resultados financeiros. Conforme levantamento do Valor Data, as despesas financeiras líquidas de companhias de capital aberto recuaram 47% no terceiro trimestre ante igual período do ano anterior – foram consideradas 238 empresas não financeiras. Os números de Petrobras, Vale e Eletrobras não entraram na lista para evitar distorções na visão geral.

    “Com o juro mais baixo, as empresas podem se atentar ao benefício de endividamento mais barato e vão começar a discutir mais as alternativas de hedge de Juros“, diz Eric Altafim, diretor de mesas e produtos do Itaú BBA. “Num cenário em que as empresas podem se proteger com esse custo de dívida mais baixo por mais tempo, elas deveriam avaliar isso contra surpresas na economia”, acrescenta Altafim.

    Os especialistas apontam ainda que o advento das debêntures de investimento em infraestrutura também contribui para o incremento do volume de hedge de IPCA, que foi o índice utilizado na maioria dos casos. Essas ferramentas de captação de recursos necessitam, por força de lei, ser prefixadas ou vinculadas a índice de preços. Além disso, com a substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo(TLP) do BNDES, espera-se que as companhias acessem mais o mercado para financiamentos, o que também incentiva a movimentação do uso de derivativos de Juros e inflação.

    O processo, como um todo, deve ser gradual. Muitas empresas têm os negócios e o caixa bastante correlacionados a uma taxa flutuante. Nesse caso, a dívida prefixada, mesmo que em taxa historicamente baixa, poderia adicionar risco ou descasamento do passivo com ativo, aponta Nuno Martins, chefe de estruturação e vendas de derivativos do Bank of America Merrill Lynch. “Independentemente de a taxa de Juros ter recuado, companhias deveriam pensar em Swap para prefixado somente se isso representar redução de risco diante estrutura do negócio e do balanço da empresa”, diz Martins.

    Como toda a operação de mercado, o uso de derivativos de Juros e inflação traz riscos mesmo no caso da busca por hedge. Ao fazer o Swap de CDI por taxa prefixada, por exemplo, um cenário de queda adicional da Selic traria menos benefícios para quem fez a troca. Isso porque o custo estaria “travado”, ao passo que o CDI acompanharia o recuo do juro básico. Os especialistas minimizam essa possibilidade, até porque há pouca expectativa neste momento de uma flexibilização monetário muito mais acentuada.

    O ambiente acaba sendo mais propício para a adoção dessas ferramentas, por serem consideradas mais simples que o refinanciamento com emissão de dívidas novas. O uso especulativo, por outro lado, encontraria menos espaço hoje que há dez anos, quando as empresas sofreram com a crise dos derivativos, especialmente os cambiais.

    O superintendente de produtos da B3, Fabio Zenaro, afirma que as lições aprendidas naquela ocasião inibem um padrão de maior risco. “Em 2008, em alguns casos, os derivativos foram usados de maneira equivocada para posicionamento no mercado e ganharam um grau de especulação”, afirma o superintendente. Desde então, houve ainda um incremento nas políticas de controle dentro das companhias. “Foi uma lição para todos e, por isso, hoje tem pouco espaço para usar esse mecanismo de maneira especulativa.”

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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