Rombo cada vez maior

    Deficits bilionários põem em risco regimes de aposentadoria de trabalhadores da iniciativa privada e de servidores públicos

     

    » ANTONIO TEMÓTEO

     

    O sistema previdenciário brasileiro caminha na direção de um colapso. Dados elaborados pelo governo mostram que tanto no Regime Geral, aplicado aos trabalhadores da iniciativa privada, quanto na previdência de servidores públicos civis e miltares da União, o deficit entre arrecadação e despesa vai aumentar de forma assustadora nas próximas décadas. O progressivo envelhecimento da população e a falta de controle das despesas colocam em risco o pagamento de aposentadorias a milhões de brasileiros que, se nada for feito, podem ver simplesmente evaporar a perspectiva de amparo na velhice.

     

    No caso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), projeções que acompanham a proposta orçamentária de 2015, encaminhada pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso, apontam que a despesa total da autarquia com o pagamento de aposentadoria, pensões e outros benefícios deve passar de 7,52% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 para 13,25% em 2050. Com isso, o rombo nas conta da autarquia saltará de 0,89% para 6,39% do PIB, ou, em valores correntes, de R$ 51,1 bilhões para R$ 3,1 trilhões.

     

    Entretanto, esses percentuais poderão ser ainda maiores porque foram utilizadas nos cálculos projeções de crescimento da economia menores do que as estimativas mais recentes. Para 2015, por exemplo, a expansão prevista é 2,5%, enquanto a alta deve ser de apenas 0,5%. Isso significa que a tendência é de o percentual da despesa em relação ao PIB ser maior. 

     

    No Regime Próprio da União, mesmo com a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), o quadro também é dramático. A soma dos rombos nos sistemas previdenciários de servidores civis e militares em 2015 deve chegar a R$ 75,4 bilhões, ou 1,31% do PIB. Em 2050, o valor saltará para R$ 270,9 bilhões.

     

    Mesmo com as projeções encaminhadas ao Congresso, o Ministério do Planejamento sustenta que o deficit da previdência do setor público em relação ao PIB está em queda. Na peça orçamentária enviada ao parlamento, o governo desconsidera os gastos com os militares e afirma que o rombo em 2015 corresponderá a 1,07% do PIB. 

     

    Segundo o ministério, a trajetória decrescente começou em 2003, com o fim da paridade entre aposentadorias de servidores ativos e inativos, e foi reforçada pela constituição do Funpresp. Com as mudanças nas regras, a aposentadoria dos funcionários admitidos no serviço público a partir de 31 de janeiro de 2013 passou a obedecer a um teto igual ao aplicado aos beneficiários do INSS. Quem quiser receber um valor maior quando deixar a atividade terá que fazer contribuições ao fundo ao longo da carreira.

     

    Para o Ministério da Previdência Social, a expansão dos rombos no Regime Geral é um reflexo das mudanças demográficas que o país atravessa, ou seja, as despesas do INSS estão sendo afetadas pelo processo de envelhecimento da população. 

     

    Mudanças

     

    O especialista em previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Caetano explica que os problemas no Regime Geral e no sistema dos servidores da União e dos militares são similares. Segundo ele, é necessário definir uma idade mínima para que um segurado do INSS possa se aposentar. No setor público, já vale a regra pela qual homens só podem requerer o benefício a partir dos 60 anos e mulheres, a partir dos 55. Mas, segundo Caetano, isso não é suficiente. “Elas viverão pelo menos mais 25 anos e eles, 20. O gasto é enorme. Além disso, nos dois regimes existe o problema das pensões por morte. A viúva ou viúvo passar a receber o mesmo benefício do titular”, comenta. 

     

    Outra distorção grave, observa Caetano, é que o regime do setor público tem um rombo maior, mas paga benefícios para um número bem menor de pessoas do que o INSS. No Regime Geral, o deficit de R$ 51,1 bilhões previsto para 2015 resultará de pagamentos feitos mensalmente a mais de 31 milhões de segurados. Já o deficit de R$ 75,4 bilhões no sistema estatal vai beneficiar pouco menos de 1 milhão de ex-servidores. “Não há só impacto fiscal. Também há uma política que concentra renda na mão de poucos”, alerta.

     

    Na opinião do coordenador-geral do Movimento Brasil Eficiente (MBE), Carlos Rodolfo Schneider, o país precisa promover uma profunda reforma no sistema previdenciário. Ele sugere que a primeira mudança seja feita no pagamento de pensões por morte. Em 2011, afirma, o Brasil gastou 3,2% do PIB com esse benefício, contra 1,3% no Japão, 0,7% nos Estados Unidos, 0,2% no México e 0,1% no Reino Unido. “Se equilibrarmos essa conta e caminharmos para um nível similar ao japonês, poderemos quase dobrar a taxa de investimento público, que corresponde apenas a 2,5% das riquezas geradas no país”, diz. 

     

    De acordo com Renato Fragelli, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), a sociedade precisa repensar a previdência porque o elevado custo do sistema acarreta perda de competitividade para a economia. Nas contas dele, o Brasil gasta 12% do PIB, se, ao lado do INSS e dos regimes da União e de militares, forem considerados os sistemas de estados e de municípios. “Essa despesa é insustentável. Só países com uma população predominantemente idosa estão nesse patamar. Estamos chutando essa poeira para baixo do tapete.”

     

    Fragelli lamenta que os presenciáveis em campanha não atribuam prioridade ao assunto. “O tema é um tabu. Estão dando uma de avestruz com a cabeça enfiada na terra quando o assunto é previdência”, diz. 

     

    Essa despesa é insustentável. Só países com uma população predominantemente idosa estão nesse patamar. Estamos chutando essa poeira para baixo do tapete”

     

    Renato Fragelli, 

    professor da Fundação Getulio Vargas (FGV)

     

    Problema ignorado

     

    Alheios ao debate sobre o aumento nos rombos dos regimes de previdência de trabalhadores do setor privado, de servidores públicos e de militares, parte dos jovens brasileiros se interessa apenas em conseguir um lugar no mercado de trabalho, mas não se preocupa em poupar para garantir uma velhice tranquila. Especialistas avaliam que parte dessa cultura está relacionada à falta de educação financeira e ao que consideram excesso de protecionismo nos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). 

     

    Filho de servidores, o advogado Albert Salvador, 23 anos, decidiu após ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que estudaria para concursos públicos. Ele nunca teve uma experiência profissional na iniciatava privada nem sequer contribuiu para o INSS. Conforme Salvador, a família o influenciou a buscar uma vaga na administração pública para ter estabilidade no emprego e uma renda garantida. “Ainda não penso em previdência, mas sempre poupei o meu dinheiro. Decidirei sobre isso depois que estiver aprovado”, comenta. 

     

    Ex-analista de uma corretora de seguros, Gustavo Simões, 31 anos, pediu demissão do emprego para se dedicar aos estudos e concorrer a uma vaga no serviço público. O baixo salário e a falta de estabilidade no setor privado o estimularam a buscar uma nova colocação no mercado. Ele, que trabalhava com carteira assinada e contribuía para o INSS, diz que não ainda não se preocupa com o tema previdência. “Tenho uma poupança que acumulei quando estava empregado e não uso esse dinheiro. Mas ainda não pensei em fazer um plano de previdência privada, por exemplo, mesmo se passar em um concurso”, afirma.

     

    Educação financeira

     

    O presidente da Gama Consultores, Antônio Gazzoni, avalia que parte do desinteresse da população em construir uma garantia para a inatividade, ou de colocar o assunto como uma prioridade, é fruto da falta de educação financeira. Ele afirma que a ideia enraizada no país de que cabe ao Estado garantir o provimento de recursos durante a velhice desestimula o debate. “Nosso sistema, para quem trabalha no setor privado, é um dos mais generosos. Temos um teto de quase US$ 2 mil, mesmo com as restrições do fator previdenciário para conseguir esse valor. As discussões sobre o assunto precisam estar na agenda de desenvolvimento do país”, argumenta. 

     

    Sem detalhar o que seria necessário fazer para mudar o quadro de progressiva deterioração das finanças dos regimes de aposentadorias e pensões, o Ministério da Previdência Social afirmou que o assunto deveria receber toda a atenção dos governos e da sociedade na defesa de um sistema sustentável, que garanta todos os direitos conquistados pelos trabalhadores. O professor Renato Fragelli, da Fundação Getulio Vargas, não acredita em alterações de grande monta. “Os avanços dependem de vontade política, mas fazemos mudanças a passos de cágado. Vamos continuar vendo os governos fazendo pequenas e limitadas alterações no sistema”, completa. (AT)

     

    Fonte: Correio Braziliense

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