A recessão esperada para 2015 e o crescimento ainda modesto de 2016 tiram da equipe econômica a ajuda que a expansão da economia deu para outros períodos de ajuste. Diante dessa constatação, economistas cada vez mais apostam que o cumprimento da meta fiscal deste ano e da de 2016 – respectivamente, 1,2% e 2% do Produto Interno Bruto (PIB) -, dependerá de aumento da carga tributária e da busca de um corte de despesas que torne o ajuste fiscal mais estrutural (leia-se permanente).
O desafio, dizem os economistas, vai além do corte anunciado para 2015 – mesmo que o ajuste total chegue aos R$ 80 bilhões estimados pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na reunião com o PMDB -, pois nos próximos anos o crescimento continuará fraco.
A dificuldade começa a ficar mais clara esta semana. Ontem, a queda real de 5,4% na arrecadação federal em janeiro, na comparação com igual mês do ano passado, já mostrou o quanto a atividade vai afetar o caixa federal ao longo desse ano. Pelo lado das despesas, o cenário ganha mais informações a partir de hoje, com o resultado fiscal do governo federal, e amanhã, com o consolidado do setor público, ambos relativos a janeiro.
O economista David Beker, chefe de economia e estratégia para o Brasil do bank of America Merrill Lynch, se debruçou sobre os últimos ajustes feitos no Brasil. Nos três momentos mais recentes (1999, 2003 e 2011), o ano seguinte ao do corte de despesas foi sempre marcado pela expansão nos gastos públicos.
Em 2000, as despesas federais cresceram 5,2%, após o corte de 0,1% de 1999; em 2004, a alta foi de 10,3%, após a redução de 3,4% feita em 2003, e em 2012, a alta foi de 5,4% após o corte de 3% no ano anterior. “Para garantir o superávit de 2% do PIB em 2016, essa recuperação de despesas não poderá acontecer”, diz Beker, que projeta uma redução de despesas de 7,5% em 2015, com uma recuperação de apenas 0,6% em 2016.
Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon, faz suas contas olhando para o baixo crescimento do PIB. “O mais importante é entender que o ajuste terá que ser estrutural ou não acontecerá, pois a ajuda da conjuntura se esgotou”, diz Montero. Ele está convencido que o superávit primário deste e dos próximos anos “será financiado com aumento da carga tributária” e precisa avançar sobre despesas de forma permanente (como já anunciado no caso da Conta de Desenvolvimento Econômico, dos subsídios e do seguro-desemprego, abono e pensões).
Montero pondera que as projeções coletadas pelo BC apontam crescimento muito baixo para todo o quadriênio 2015-2018, enquanto existem despesas que crescem em qualquer situação.
Beker espera uma queda de 0,5% do PIB este ano, situação que vai afetar a arrecadação federal. “É muito difícil gerar um ajuste em um ambiente de queda de receita”, diz. A tarefa, acrescenta, fica ainda mais difícil, porque, na prática, é preciso zerar o déficit de 0,6 ponto do PIB do ano passado, antes de alcançar a economia de 1,2 ponto prevista para este ano. Mas Beker considera possível chegar ao 1,2% de superávit.
Na ponta do lápis, inclusive, a projeção do bank of America Merrill Lynch é de um aperto fiscal de 1,3% do PIB este ano, que viria de um corte de despesas de R$ 55 bilhões e receitas adicionais (em relação a 2014) também de R$ 55 bilhões, que inclui uma previsão de R$ 25 bilhões em extraordinárias (Refis e concessões, entre outras). Somados, os valores chegariam a 2% do PIB, o suficiente para reverter o déficit do ano passado e permitir o superávit previsto para 2015.
Em uma conta mais agressiva (necessária se houver racionamento, ou se a aprovação de medidas já anunciadas não funcionar como previsto), Beker lista como alternativas a volta da CPMF, novas alterações em PIS/Cofins, mudança na regra de juros sobre capital próprio, reversão de parte da desoneração da folha de salários, aumento da alíquota do imposto de renda, entre outras. “Essas são cartas na manga do governo”, diz Beker.
Montero, da Tullett Prebon, avalia que em algum momento a CPMF poderá voltar para dar conta da meta com a qual o governo se comprometeu. Ele considera mais difícil fazer a primeira etapa do ajuste (sair do déficit de 0,7% de 2014 para o superávit de 1,2% em 2015) do que depois ampliar a economia em mais 0,8 ponto do PIB para chegar à meta de 2016.
Essa percepção passa pela expectativa de que virão mais medidas que aumentem a carga tributária (e o impacto delas será maior do ano cheio de 2016 do que em parte de 2015) e também pela capacidade de Levy.
Para ele, outra “vantagem” da conjuntura difícil é exigir o ajuste estrutural, como está acontecendo com as medidas de seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte, e no fim de programas que exigem fortes subsídios públicos, como os repasses ao BNDES para empréstimos a juros zero ou negativo.
As próprias projeções do mercado financeiro já indicam que se abriu um “buraco” nas contas fiscais. Apenas nos últimos dois meses (desde meados de dezembro), enquanto manteve sua aposta no superávit primário em torno de 1% do PIB, as projeções do mercado para a evolução da economia passaram de pequena alta de 0,6% para queda de 0,4%, o que implica um ponto a menos de crescimento, o que tem forte impacto na arrecadação.
Se o PIB não for novamente corrigido durante a fase de aprovação do Orçamento no Congresso Nacional, as receitas já chegarão superestimadas, porque foram feitas considerando uma alta de 0,77% no PIB.
Beker lembra que nos últimos anos o governo contou com receitas extraordinárias expressivas (R$ 30,8 bilhões em 2014 e R$ 49 bilhões em 2013). Por isso, o economista embutiu nas contas de ajuste fiscal uma ajuda de R$ 25 bilhões, que viria dessas rubricas. “O governo nunca entregou um ajuste sem uma surpresa positiva nas receitas”, argumenta Beker.
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Fonte: Valor Econômico