Sem recesso, governo age para blindar 2016

    O pagamento de uma dívida bilionária com bancos públicos e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), decorrente do atraso de repasses do Tesouro Nacional para programas sociais, não blinda o Brasil contra uma nova revisão de sua nota de risco de crédito e até da perda do terceiro e último selo de “bom pagador” atribuído por agências de rating ao país desde 2008.

    As agências Standard & Poor´s (S&P) e Fitch Ratings confiscaram recentemente o primeiro e o segundo “grau de investimento” brasileiros e uma mudança nesse placar pode ocorrer, se a Moody´s Investors Service decidir reavaliar sua posição, a partir do elenco de medidas anunciadas na última semana de 2015 – a primeira de trabalho da equipe econômica sob o comando do novo titular da Fazenda, Nelson Barbosa.

    Há menos de um mês, a Moody´s colocou a nota do Brasil em revisão para rebaixamento, alegando piora da trajetória fiscal e econômica, além do risco de paralisia política.

    Receita estabelece monitoração de contribuintes

    Ao livrar 2016 das “pedaladas fiscais”, o governo instaurou um novo cenário que merece ser analisado e classificado. O empenho da equipe econômica em equacionar débitos tão específicos com o Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Caixa Econômica Federal e o FGTS não trouxe uma nova ordem fiscal, mas produzirá estrago no balanço das contas públicas de 2015. Para 2016, Barbosa e a presidente Dilma Rousseff reiteram compromisso com a meta de superávit primário de 0,50% do Produto Interno Bruto.

    A crise política, agravada em 2015 inclusive pela falta de sintonia entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados, perdeu destaque com o recesso parlamentar e as festas de fim de ano, mas terá a crise arrefecido com a trégua na Operação Lava-Jato, que chegou aos políticos, e a disposição do governo de colocar a casa em ordem? Dilma e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são passíveis de processos de impeachment e cassação, mas há alguém na linha sucessória habilitado a comandar o Palácio do Planalto com força parlamentar, se Dilma perder seu posto?

    De imediato não existem respostas claras para essas questões, mas há explicação para o reposicionamento do governo, que trabalhou intensamente a fim de evitar uma deterioração adicional das expectativas com a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda. O governo parece estar convencido de que precisa virar o jogo – no mínimo por sobrevivência.

    A troca de comando na pasta da Fazenda é um divisor de águas em decisões oficiais. Antes dela imperavam os ritos de negociação entre o Executivo e as duas casas do Congresso em busca de aprovação. Depois dela, o governo mostrou absoluto desembaraço para impor suas escolhas via medidas provisórias e decretos. Sem qualquer cerimônia, o governo desmontou a ideia de inércia e ganhou tempo adicional para restabelecer pontes com o Parlamento.

    As expectativas já estavam comprometidas com a arrancada da inflação, a crise política, a instabilidade fiscal e o desconforto visível de Levy no governo. A equipe econômica – formada por Barbosa na Fazenda, Valdir Simão no Planejamento e Alexandre Tombini no Banco Central – se ergueu e abraçou o seu espaço com o anúncio diário de medidas em tamanha variedade que seria precipitado formar um consenso sobre o seu impacto econômico e político e arriscado concluir que trarão dividendos relevantes (e positivos) para a presidente.

    Iniciar o exercício de 2016 sem as “pedaladas fiscais” – quitadas de uma só vez, como defendia Nelson Barbosa ainda no Planejamento – melhora a imagem do Brasil, mas um país não recupera credibilidade simplesmente por pagar o que deve. Para começar a restaurar sua credibilidade o governo deverá entregar mais. Ao custo de R$ 72,4 bilhões, o governo basicamente limpou os livros das “pedaladas”, mas elas já têm, na história fiscal brasileira, um registro próximo à “contabilidade criativa”, que viabilizou o fechamento das contas públicas entre 2011 e 2014, e agora é uma ameaça ao mandato da presidente por irresponsabilidade fiscal.

    A decisão tomada pela presidente de sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com 40 vetos – entre eles o reajuste do benefício do Bolsa Família pela inflação dos últimos 20 meses – atua como contrapeso às críticas da oposição à leniência fiscal do governo, mas não freia uma oposição turbinada pelas centrais sindicais e o Partido dos Trabalhadores (PT), que decidiu cobrar da presidente uma virada na política econômica em defesa do emprego, crescimento econômico, corte de juro e taxação de grandes fortunas com mais Imposto de Renda.

    Entre as diversas decisões anunciadas na saideira de 2015, pelo menos uma sugere que Dilma Rousseff não está divorciada do PT: o estabelecimento de parâmetros pela Secretaria da Receita Federal para definir as pessoas físicas e jurídicas que terão acompanhamento econômico-tributário diferenciado em 2016.

    Essa iniciativa tem por objetivo acompanhar o comportamento dos maiores contribuintes do país para produzir análises sobre variações que possam resultar na queda de arrecadação.

    Entre as pessoas físicas, terá acompanhamento especial quem declarar rendimento anual superior a R$ 14 milhões e tenha lançado créditos referentes ao ano-calendário de 2014 maiores que R$ 5,2 milhões. Outros critérios são a declaração de bens superiores a R$ 73 milhões e lançamento de créditos superiores a R$ 520 mil, recebimento de mais de R$ 2,6 milhões em alugueis ou ter imóveis rurais no valor de R$ 82 milhões. Quanto às empresas, a monitoração especial contempla receita bruta a partir de R$ 165 milhões no ano-calendário de 2014, massa salarial informada superior a R$ 40 milhões.

    Várias decisões da semana passada trataram da participação do BNDES no financiamento de programas que podem alavancar a atividade com juros subsidiados. Agora menos subsidiados.

    Angela Bittencourt é repórter especial e escreve às segundas-feiras.

    E-mail: angela.bittencourt@valor.com.br

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