Entrevista / Marcos Lisboa
Segundo economista, o Brasil precisa conter a expansão dos gastos públicos para voltar a crescer
A expectativa de que vamos voltar a crescer está longe de ser garantida, avisa o economista Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper, em São Paulo. “Podemos empobrecer se não enfrentarmos a agenda tributária, a da concorrência e a dos gastos públicos.” Secretário de Política Econômica entre 2003 e 2005, Lisboa critica o fato de não se ter sido estabelecido limite para os gastos públicos no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar de divergir dele no tema, a presidente Dilma Rousseff o convidou para ser ministro da Fazenda no ano passado, após a saída de Joaquim Levy. Lisboa recusou. E não fala do assunto.
Vamos continuar com esta constante piora nas expectativas?
Sim, infelizmente, se os problemas estruturais não forem enfrentados. Eles já estão presentes na economia brasileira há alguns anos. Já se tem clareza. Mas há uma recusa em enfrentá-los. Com isso, o quadro da economia vai se agravando. Há realmente clareza? Se houvesse, eles não seriam enfrentados?
É um bom ponto. Eu estou menos pessimista do que há dois anos. Os problemas no Brasil são de duas naturezas principais. A primeira é o crescente comprometimento de recursos públicos acima do aumento da receita. Há uma série de despesas obrigatórias que vêm sendo criadas nos últimos 25 anos. Elas são estabelecidas em lei, com regras de reajuste, e crescem acima da renda nacional. Pode citar exemplos?
O item mais relevante é a Previdência. Existem muitas regras que permitem aposentadoria precoce. Em países desenvolvidos, há uma idade mínima, de 65 anos, que vem sendo aumentada. O mundo vem fazendo reformas há 30 anos, ajustando seus regimes, para dar conta do envelhecimento da população. O Brasil se recusou a fazer isso. Temos aposentadorias precoces, 53 anos para mulheres e 55 para homens, por tempo de contribuição. E há regimes especiais. Por que professor é diferente de médico? E o país está envelhecendo muito rapidamente. A população idosa cresce quase 4% ao ano e a que trabalha aumenta 0,8%. Daqui a pouco, a população que trabalha vai começar a diminuir. E além da Previdência?
Hoje, mais de 90% do Orçamento federal está engessado. E os gastos vão sendo reajustados. Tem a correção dos aposentados, dos funcionários públicos. Em uma economia em recessão, há reajustes de 10%, 11%. Como isso é viável? O problema não é ter deficit neste ano nem o nível de gastos. É a trajetória. Na Previdência, os gastos têm crescido como percentual do PIB e vão continuar crescendo. Há um falso debate sobre o que é gasto da Previdência e o que não é. É como tirar dinheiro do bolso esquerdo e do bolso direito do governo. Há disfunções mais recentes na economia?
Toda esta agenda de intervenção microeconômica nos últimos anos. Depois de 2008, voltou-se àquele estágio em que o Estado coordena as decisões de investimento privado, provendo proteção a setores selecionados e crédito subsidiado. Disseminaram-se a intervenção setorial, as regras de conteúdo nacional, a proteção tarifária. Tentou-se refazer, pela terceira, vez a indústria naval. A conta que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vai ter de pagar pelo que foi feito nos últimos anos, segundo a Fazenda, chega a R$ 320 bilhões até 2060. Essa política prejudicou o equilíbrio fiscal e a produtividade. A demonstração disso é que os investimentos não aumentaram?
É pior do que isso. Você protege um setor porque a produção de fora é melhor e mais barata. O navio chinês é muito mais barato e produzido mais rapidamente que o brasileiro. Quem compra navio aqui vai pagar mais caro. Essas políticas de proteção beneficiam alguns às custas dos demais, mas a sociedade paga. Nossa produtividade total de fatores crescia 1,6% ao ano na década passada. Agora, cresce zero. A produtividade do capital está caindo de 0,7% a 1% ao ano. Como se faz direito?
Primeiro, tem de ter um bom diagnóstico de setores que possam se tornar competitivos. Nenhum país consegue fazer tudo bem. Quer ter indústria naval? É preciso ver se o Brasil tem condições de se transformar em uma liderança no setor. Se não, não vale a pena. A gente tem mão de obra qualificada para isso? Tem tecnologia? É caro errar. A sociedade perde não só recursos públicos, mas também o que deixou de fazer. Para produzir navio, vai deixar de fazer alguma coisa: estrada, porto. Em segundo lugar, é preciso estabecer metas claras. E ter prazo para acabar a política. Quando o senhor foi secretário de Política Econômica, já se vislumbrava o risco de inflexão?
A tensão sempre existiu. O velho desenvolvimentismo nacional estava presente no governo Fernando Henrique. Havia no governo Lula visões muito diferentes. Mas ninguém esperava o tamanho do retrocesso que aconteceu nos últimos oito anos, voltar aos anos 1970, ao governo Geisel. Nem o descontrole fiscal que houve. Os aumentos muito acima da inflação para o funcionalismo, a expansão do quadro, o que houve nos governos locais. Hoje, muitos estados não conseguem pagar as contas. O mais preocupante é que, ao invés de enfrentar os problemas de frente, a maioria está optando por medidas oportunistas que apenas vão agravar a crise. O uso dos depósitos judiciais (para fechar as contas) é um exemplo. Com tudo isso, há razão para ser mais otimista hoje do que há dois anos?
Eu não estou mais otimista, estou menos pessimista. Acho que o debate mudou. Há dois anos, os temas eram os mesmos: a intervenção equivocada na microeconomia, a perda da produtividade, o descontrole fiscal. Em 2013, era impressionante como tudo isso tinha pouca ressonância. A campanha de 2014 foi lamentável – e não só a do governo, a da oposição também. A gente esperava uma campanha política que enfrentasse os problemas de frente. Quando isso poderia ter sido evitado?
A equipe econômica tentou discutir o controle de gastos públicos em 2005. Como se vivia um momento bom, parecia que não precisava fazer. Mas isso é o que diferencia um grande líder de um oportunista. O momento de fazer a reforma era a década passada, quando a economia estava bem. Mas houve a opção de não enfrentar o problema, pois o boom de commodities aumentava a arrecadação. Perdemos 10 anos. Estamos pagando o preço do que não foi feito e do que foi agravado com a política econômica em 2012, 2013 e 2014. Quais os erros?
O governo Dilma começa e rapidamente faz um experimento de juros para baixo e câmbio para cima. Deu inflação, e aí ficou assustado. Em vez de enfrentar o problema, usou um truque. É a economia política do atalho. Controla o preço da gasolina, da energia elétrica, faz intervenção, prometendo que o preço não vai mais subir, vai ficar barato. E se expandem os subsídios de uma maneira impressionante. Deu tudo errado. Esses atalhos nunca funcionam. Basta olhar a taxa de investimentos, de criação de empregos formais, de crescimento, todos pela média móvel de 12 meses, de 2011 para cá: é uma queda contínua.
O fundo do poço virá em 2017?
Sem reforma, não tem fundo do poço. O problema vai se agravando. A questão fiscal vai se tornar mais aguda. O governo federal deve fazer reformar estruturais, que atinjam os governos estaduais, ou, nos próximos anos, eles não serão capazes de arcar com suas obrigações: deixarão de pagar salário, aposentadorias, fornecedores, ou de pagar a dívida. No caso do governo federal, há uma saída pior ainda: inflação crescente. O senhor tem falado muito de injustiças tributárias. Quais são elas?
Veja o novo Simples: você pode ter pessoas com renda de centenas de milhares de reais por mês pagando menos de 10% de imposto, incluindo tudo, Previdência, Imposto de Renda. Que distorção é essa? Um princípio básico de reforma tributária é combinar que todo mundo tem de pagar impostos parecido. Tem um Brasil que paga imposto demais e outro que recolhe muito pouco, um que arca com juros muito altos e outro que quase não gasta com juros. O BNDES estava concedendo empréstimo a 3,5% ao ano por 10 anos em um país em que a inflação era de 6% e agora está em 10%. O agronegócio não contribui com a Previdência. O setor de serviços paga pouco imposto, comparado com a indústria. Em compensação, a indústria tem crédito subsidiado. O país é mais pobre por causa de tudo isso. Há chances de ser aprovada uma reforma da Previdência nos próximos anos?
Eu não vejo saída, ou virá uma crise maior ainda. A boa notícia é que não precisa fazer uma reforma que mude as regras do dia para a noite. Pode ter um período de transição razoavelmente longo, convergindo para uma idade mínima, para a unificação das regras. A legislação sobre o impostos adicionado tem de ser simples, nacional: receita menos despesa, com a mesma alíquota para todo mundo. Unifica-se tudo, ICMS, IPI, e se faz um rateio. O Brasil perdeu o bonde de uma maneira terrível. Podemos empobrecer se não enfrentarmos a agenda tributária, a da concorrência e a dos gastos públicos. Qual o risco de restruturação da dívida?
Alguma coisa vai acontecer se essa trajetória de alta continuar. O quadro fiscal está ficando tão comprometido que a política monetária está perdendo a eficácia. Descontrole
Em outubro de 2005, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, questionou a equipe econômica por manter um superavit primário de 6,25% do PIB, acima da meta de 4,25%. Ela não aceitou o argumento de que isso trazia dava credibilidade à política fiscal. Também se opôs a um limitador dos gastos públicos. Mais tarde, no governo Dilma, o país tornou-se incapaz de realizar superavits primários, agravando a crise.
Fonte: Correio Braziliense