Representantes dos funcionários alegam ‘falta de compromisso do governo’ nas negociações
25.set.2023 | Por Nathalia Garcia
Os servidores do Banco Central planejam intensificar a partir desta terça-feira (26) a operação-padrão que desde julho tem gerado maior lentidão na prestação de serviços da autoridade monetária e paralisações parciais diárias.
De acordo com o Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central), a nova fase da mobilização pode afetar o desenvolvimento do Drex (real digital), atrasar a implementação do Pix parcelado e impactar a criação de novas funcionalidades do meio de pagamentos instantâneos.
O endurecimento da operação-padrão será discutido e votado pelos funcionários do BC em assembleia nesta terça.
O sindicato argumenta, em nota, que os atrasos que envolvem a evolução do Pix “poderão repercutir significativamente tanto para os serviços bancários como para o público em geral” e que o impacto no projeto do Drex “poderá perturbar o progresso pretendido na modernização dos serviços financeiros.”
Segundo Fábio Faiad, presidente do Sinal, a partir de agora estão sendo preparados alguns “atos surpresas”.
Representantes dos servidores do BC alegam “falta de compromisso do governo em negociar com o sindicato” e citam recusa do Ministério da Gestão e Inovação em propor uma nova data para a apresentação de uma contraproposta do Executivo na mesa específica de negociação.
“O objetivo da operação-padrão é emitir uma mensagem à direção do BC e às autoridades sobre o descontentamento da categoria sobre a paralisia do governo. A reação enérgica e resoluta do Sinal é de intensificar a mobilização por tempo indeterminado”, diz o sindicato.
Procurada, a pasta liderada pela ministra Esther Dweck diz reafirmar “seu compromisso de diálogo com todas as categorias”.
“Este mês, foram criadas as 10 primeiras mesas setoriais de negociação, para tratar justamente das situações específicas de cada uma, em um novo sinal de compromisso do Ministério da Gestão com o diálogo e a reconstrução da capacidade do Estado de oferecer serviços de qualidade”, afirma.
“As carreiras do Banco Central estão em uma das 10 primeiras mesas setoriais, em um sinal do compromisso de diálogo com a categoria. No entanto, devido ao volume de mesas setoriais, ainda não está fechado todo o cronograma de todas as reuniões”, acrescenta.
Os funcionários do BC reivindicam a criação de um bônus de produtividade semelhante à gratificação que foi regulamentada para os auditores fiscais da Receita Federal. Eles reclamam da falta de isonomia entre as carreiras de Estado e cobram uma equiparação de tratamento.
A categoria pede também medidas de reestruturação de carreira, como a exigência de ensino superior para o cargo de técnico do BC (o que altera a qualificação necessária para ingressar nessa carreira) e alteração de nomenclatura do cargo de analista para auditor.
“Sem a reestruturação completa da carreira, os representantes dos servidores do BC preveem um inevitável desmantelamento da carreira de especialista do BC –situação que vem se agudizando na última década, com reajustes abaixo da inflação e com as crescentes assimetrias em relação a carreiras congêneres”, afirma o Sinal.
O sindicato diz também estar elaborando listas de servidores em cargos de liderança para facilitar uma entrega coletiva dos cargos, em caso de escalada da situação.
Segundo um levantamento da ANBCB (Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil), a operação-padrão atingiu até agora mais de 23 departamentos do BC, conta com 71% de adesão dos servidores e somou mais de 150 atrasos, suspensões ou cancelamentos de atividades e projetos em quase três meses.
De acordo com a entidade, já estão atrasados os cronogramas de desenvolvimento do Drex e de aprimoramentos do Pix, a divulgação de estatísticas econômicas oficiais do BC, e ações de aperfeiçoamento dos sistemas de atendimento ao público, como o SVR (Sistema de Valores a Receber).
A associação diz que também foi afetado o Lift Lab (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas), suspenso por tempo indeterminado e, se retomado, terá a carteira de projetos reduzida.
Para Thiago da Matta, diretor-executivo da ANBCB, os efeitos da mobilização dos servidores serão sentidos no longo prazo.
“Serviços bem visíveis para a população, como o Pix, estão sendo afetados em suas agendas evolutivas para aprimoramento das soluções já existentes. Outros nem tão visíveis, como a supervisão bancária e manutenção da estabilidade financeira também são impactados, comprometendo toda entrega de valor para a sociedade”, diz.
A manifestação dos funcionários tem ganhado respaldo de diretores e chefes de departamento do BC, que vêm se manifestando publicamente em uma ação coordenada.
Procurado, o Banco Central disse que não iria comentar a escalada da mobilização.
Segundo dados de agosto, o BC conta com quase metade de cargos vagos, sendo 3.317 servidores na ativa e 3.153 vagas desocupadas.
A autoridade monetária não foi contemplada no pacote de novos concursos públicos anunciado pelo governo Lula em junho –sendo 4.436 vagas, divididas em 20 órgãos ligados a 14 ministérios. Em julho, foi autorizado um novo concurso para preencher 100 vagas para o cargo de analista (nível superior).
Os servidores do BC compõem a elite do funcionalismo público. Os salários dos analistas, com exigência de nível superior, variam de R$ 20.924,80 a R$ 29.832,94, sem bônus. Já os técnicos, com nível médio, recebem por mês de R$ 7.938,81 a R$ 13.640,89. Neste ano, o governo concedeu a partir de maio um reajuste linear de 9% para servidores públicos federais.
No ano passado, os funcionários cruzaram os braços durante cerca de três meses, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) queria dar reajuste apenas a policiais –o que acabou não se concretizando.
SERVIÇOS IMPACTADOS PELA OPERAÇÃO-PADRÃO DO BC
- Atraso na publicação de indicadores, como IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central) e relatório de poupança;
- Atraso na autorização de arranjos de pagamentos e na adesão de instituições como participantes do Pix;
- Atraso na publicação de consulta das regras de negócio do Pix Automático (prevista para julho e divulgada no fim de agosto) e na publicação das regras e manuais técnicos (prevista para setembro, sem nova data);
- Redução de inspeções de instituições financeiras no tema “prevenção da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo”;
- Atrasos nas propostas normativas de regulação de criptoativos e do open finance;
- Atrasos nas ações de melhorias de sistemas relacionados ao atendimento ao público, como Sistema de Registro de Demandas do Cidadão, Fale Conosco, Registrato e SVR (Sistema de Valores a Receber);
- Impacto na análise das reclamações contra entidades supervisionadas;
- Diminuição do escopo de atendimento do monitoramento do STR (Sistema de Transferência de Reservas) e do SPI (Sistema de Pagamentos Instantâneos);
- Redução de escopo nas informações enviadas ao FMI relativas aos indicadores de estabilidade financeira;
- Atrasos nas atualizações no Manual de Crédito Rural.
Fonte: Folha de São Paulo