A análise das contas governamentais jamais despertou grande interesse da mídia e da opinião pública. Desde 1946, todas as contas apreciadas pelo Tribunal de Contas da União e julgadas pelo Congresso Nacional foram aprovadas nas duas instâncias, com pequeno impacto junto à imprensa. Este ano, entretanto, a visita inusitada de senadores da oposição ao presidente do TCU para pressionar a Corte de Contas, a vigília de opositores em frente à sede do tribunal e o comportamento do relator-falastrão, cuja atuação tem o claro objetivo de constranger seus pares junto à opinião pública, retiraram o caráter de avaliação técnica e isenta que convém a uma Instituição Superior de Controle.
Além das atividades gerais de fiscalização financeira e orçamentária, cabe ao TCU e ao Congresso Nacional a fiscalização das contas do presidente da República. De acordo com o texto em vigor, compete privativamente ao presidente da República “prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior” (art. 84 XXIV). AoTCU “apreciar as contas prestadas anualmente pelo presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar do seu recebimento”. Entre as competências exclusivas do Congresso Nacional, destaca-se a de “julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo”. (art.49, IX). Note-se que a Constituição define prazos específicos para a apresentação das contas pelo poder Executivo, sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, e a apreciação pelo TCU, sessenta dias após o recebimento. O mesmo não ocorre, entretanto, com o julgamento pelo Congresso Nacional.
O resultado são longos intervalos entre a apreciação das contas pelo TCU e o julgamento final do Congresso Nacional. No período da Nova República, por exemplo, nenhuma das contas foi julgada dentro de um prazo que permitisse ao Legislativo votar o novo orçamento com o ciclo orçamentário anterior encerrado. Existem várias contas pendentes no Congresso Nacional: todas as contas de Fernando Collor, uma de Fernando Henrique Cardoso, todas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Roussef, embora os presidentes citados tenham respeitado o prazo constitucional e o TCU emitido o parecer dentro dos limites estabelecidos pela Constituição. Fernando Henrique teve seis das suas oito contas aprovadas a dez dias do término do segundo mandato e ainda resta um exercício a ser julgado. Tanto ele quanto Lula e Dilma Roussef candidataram-se à reeleição sem que as contas do primeiro mandato tivessem sido julgadas.
A Constituição de 1988 concedeu ao chamado controle externo, exercido pelo Congresso Nacional com auxílio do TCU, um aumento de poder só comparável ao da Carta de 1946. Rompeu o monopólio do recrutamento dos Ministros pelo Executivo, atribuindo ao Legislativo a indicação de dois terços dos membros. Ampliou substancialmente a área e os critérios fiscalização financeira, orçamentária e de prestação de contas. No caso do Tribunal, suas competências ficaram claramente ampliadas e definidas e, ao contrário do período anterior – quando o regime autoritário desfigurou a instituição com leis dúbias que permitiram a fuga ao controle – a legislação posterior não apenas detalhou e operacionalizou as conquistas inscritas no texto constitucional, com a Lei Orgânica, como as ampliou, com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A ideia do controle horizontal -exercido por instituições criadas com essa finalidade – é fornecer elementos para a atuação do controle vertical, exercido pela cidadania. É necessário introduzir mecanismos que tornem o processo de responsabilização mais crível como, por exemplo, condicionar a aprovação do Orçamento Geral da União ao julgamento das contas do exercício anterior. Ou seja, a abertura de um ciclo orçamentário começaria necessariamente com o fechamento do anterior.
Charles Pessanha é professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, do Instituto de Economia, da UFRJ
Fonte: Valor Econômico