TCU poderá ouvir governo antes de reprovar as contas

    A possibilidade de uma inédita rejeição das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ganhou força ontem e abriu um debate sobre o direito de defesa da presidente Dilma Rousseff. Com a adesão de mais um ministro, o placar informal do julgamento reverteu a tendência verificada no dia anterior, apontando maioria favorável à reprovação das contas. Diante disso, surgiu um questionamento sobre a abertura de espaço para o contraditório, o que poderia, inclusive, resultar no adiamento da votação, marcada para às 10 horas de hoje. 

    A questão foi levantada pelo ministro Benjamin Zymler e debatida na noite de ontem pelos nove membros titulares do TCU. “Vamos buscar um consenso, se não no mérito do julgamento, na forma como trataremos a questão”, disse um ministro que pediu para não ter seu nome publicado. Até o fechamento desta edição, a reunião não havia terminado. 

    Como as contas do governo jamais foram rejeitadas pelo TCU, a questão do direito ao contraditório não tinha entrado em debate. Foi citado como exemplo para os ministros uma situação ocorrida em 1997, em Pernambuco, quando o então governador, Miguel Arraes, soube que teria as contas reprovadas e conseguiu uma liminar suspendendo o julgamento. 

    A reunião de ontem, portanto, só faria sentido em um cenário de rejeição. Nos cálculos dos ministros, a reprovação já tem os cinco votos necessários para obter maioria simples. Eles viriam dos ministros Vital do Rêgo, Bruno Dantas, Raimundo Carreiro e Ana Arraes, além do relator, Augusto Nardes. 

    O rumo do julgamento depende do voto de Nardes. A interpretação é de que se ele recomendar a rejeição, será seguido pela maioria, mas se optar pela aprovação das contas, poucos ministros tomariam a iniciativa de abrir divergência. Na última semana, Nardes foi alvo de fortes pressões de membros do governo e da oposição. 

    Somente ontem, por exemplo, ele recebeu as visitas do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e de uma comitiva de deputados da oposição. Conforme informou o Valor, os oposicionistas só começaram a se movimentar quando sentiram o cheiro de aprovação das contas de Dilma. Antes deles, no entanto, o governo fez uma pesada articulação, que envolveu o vice-presidente, Michel Temer, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. 

    O grupo dos defensores da rejeição ganhou ontem o apoio do Ministério Público que atua no TCU. Em uma carta enviada aos ministros, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira fez duras críticas às manobras fiscais e apontou uma possível fraude na programação orçamentária referente a 2014. 

    Documentos obtidos pelo Valor apontam que, em 12 de fevereiro do ano passado, o Ministério do Trabalho (MTE) informou ao Planejamento que precisaria de um aporte suplementar de R$ 9,2 bilhões para o pagamento dos benefícios do seguro-desemprego e do abono salarial. O MTE também alertou para uma expectativa de frustração de receitas da ordem de R$ 5,3 bilhões no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). 

    Os pleitos, entretanto, não teriam sido contemplados no decreto que determinou a programação financeira e orçamentária e fixou o cronograma de desembolsos. “Não bastasse a grave omissão, a necessidade de suplementação orçamentária e reavaliação da projeção das receitas do FAT não foram consideradas”, diz o procurador. 

    Em nota, o Ministério do Planejamento negou que tenha ignorado os pedidos do MTE. O argumento é que esse tipo de solicitação é bastante comum e que não gera, necessariamente, obrigação de atendimento. O ministério informou ainda que, no caso citado, os pedidos não foram atendidos pois já havia “decisão do governo de encaminhar medidas de redução de gastos dos programas de seguro-desemprego e abono salarial”. 

    Se a maioria dos ministros rejeitar as contas do governo, será um fato inédito. Em 1937, o ministro Francisco Thompson Flores sugeriu a reprovação das contas de Getúlio Vargas, mas foi voto vencido. A rejeição, na verdade, é uma recomendação ao Congresso Nacional, que desde 2002, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não avalia as contas.

     

    Fonte: Valor Econômico

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