Temer tem 90 dias para acertar a política

    O vice-presidente Michel Temer deu a si mesmo um prazo de 90 dias para acertar a coordenação política do governo, findo os quais ameaça voltar para o Palácio do Jaburu, se não tiver o apoio que julga necessário da presidente Dilma Rousseff e de seus auxiliares para o sucesso da empreitada. O vice faz “hedge”. Ele recebeu delegação e autonomia para negociar, mas a última palavra sobre qualquer acordo que firmar com os partidos é e continuará sendo da presidente, cujo tempo de decisão em geral não é o mesmo dos políticos e do Congresso. 

    É Dilma quem deve assinar as nomeações para os cargos de primeiro e segundo escalão, tão ao gosto dos congressistas, a serem acertadas por Temer. Para não ir muito longe, é só lembrar que o ex-presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves é ministro indicado do PMDB, mas sem confirmação no “Diário Oficial da União”, desde o início do segundo mandato. Alves deve ser uma solução fácil para Temer, mas sobre a mesa de Dilma há várias outras pendências, dezenas segundo alguns auxiliares, que vão desde a indicação de um novo ministro para a vaga de Joaquim Barbosa para o STF até o preenchimento de cadeiras nas agências reguladoras. 

    Temer falou em 90 dias nas diversas conversas que teve com os pemedebistas para explicar por que aceitou a tarefa de tentar reorganizar politicamente o governo. Segundo o vice, a presidente lhe fez um apelo dramático, depois que o ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil) recusou o convite para substituir o chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Pepe Vargas. Algo do tipo “só me restou você”. Se dissesse não, seria o rompimento. E Temer, segundo afirmou aos pemedebistas, não quer em sua biografia a responsabilidade de ter empurrado o país numa crise institucional. 

    Se vice der errado, PMDB desembarca na primeira estação 

    O PMDB, em seus diversos matizes, não queria e nem quer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, proposta que segundo pesquisa Datafolha, divulgada no domingo, conta com o apoio de 63% da população. O impedimento é uma aposta que tem variáveis outras sobre as quais o partido não tem nenhum controle. O deputado Danilo Fortes (CE) tem uma boa definição do ânimo partidário: “Nós não queremos ser sócios da crise, nós queremos ser sócios da solução”, diz. Com Temer no comando da política há uma chance de o PMDB se consolidar no que resta de governo Dilma. Se der errado, o desembarca na primeira estação. 

    Quando fala em 90 dias, Temer esboça a narrativa de um eventual fracasso. Mas as dificuldades à frente do vice são maiores que os percalços que possam surgir a partir do Planalto e do PT. Um deles é o movimento das ruas, menores nas manifestações de domingo passado, mas que não têm como ser ignorados no Planalto. Vai mal um governo que comemora somente 100 mil pessoas protestando na Avenida Paulista. Outro será a sedução do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, por um projeto solo. O pemedebista parece confortável na condição de vítima de emboscadas do PT e grupos LGBT nos Estados que visita. Cunha cresceu no conflito e foi reticente sobre a decisão de Temer. 

    Para ter sucesso, o vice depende do apoio do presidente das duas Casas, em especial o da Câmara dos Deputados. De imediato, o projeto de Michel Temer é montar uma base de operações para atender as demandas reprimidas da base de sustentação do governo na administração pública, na área política e na área parlamentar. No primeiro caso estão as nomeações sempre prometidas e nunca publicadas no “Diário Oficial”, uma das causas de insubordinação das bancadas. Na área política está a retomada da agenda congressual, hoje sob o comando Renan Calheiros, presidente do Senado, e Eduardo Cunha. O governo ainda não perdeu nada de importante, mas é o Congresso quem pilota a agenda política do país. É da iniciativa do Legislativo a discussão sobre a dívida dos Estados e municípios, da redução da maioridade penal e da ampliação da terceirização nas relações trabalhistas, para citar os exemplos mais flagrantes. Na área parlamentar o projeto esboçado no Jaburu é levar a termo a imperecível reforma política. 

    O quadro é de rearrumação da casa. Temer se move com autonomia, muito embora sua narrativa sobre os eventos que o levaram ao comando da política não tenham agradado o Palácio do Planalto e o PT. Um e outro engoliram em seco. Não há muito espaço para reclamação quando o governo está em baixa e a aprovação da presidente da República gira na faixa dos dois dígitos baixos, algo em torno de 13%. O sucesso do vice, a curto prazo, especialmente se assegurar a aprovação do ajuste fiscal, deve oferecer ao governo a trégua de que anda necessitado. E credenciar Michel Temer a um lugar privilegiado à mesa em que for discutida a sucessão de Dilma. Até lá ninguém arrancará de Temer que ele é uma opção a eventual projeto próprio do PMDB. 

    O PMDB faz 50 anos em 2015, é o partido mais antigo em atividade desde 1965, quando foi criado MDB por decreto presidencial. Nesse período, passou por todas as experiências possíveis a uma agremiação partidária. No governo de José Sarney (1985-1990), seus caciques cruzaram os braços e estimularam o enfraquecimento do presidente, como se pudessem se dissociar do governo. 

    O governo foi à lona, como se sabe, e o PMDB também pagou o preço eleitoral. Na eleição de 1989, o deputado Ulysses Guimarães, o “Sr. Diretas”, como era chamado amargou um humilhante sétimo lugar na eleição presidencial, abaixo de Fernando Collor, Luiz Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf e Guilherme Afif Domingos, hoje ministro da presidente Dilma Rousseff. O PMDB ainda teve outro candidato a presidente, Orestes Quércia, em 1994, que terminou em terceiro, mas na mesma faixa de votos de Ulysses Guimarães – 4,43% e 4,38%, respectivamente. Michel Temer tem um prazo de três meses para dar certo. Se terminar mal, o PMDB espera sair na hora certa, enquanto o vice volta para o Jaburu e fica lá. 

    Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

     

    E-mail: raymundo.costa@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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