Terceirização vira alvo de briga judicial

    NO CENTRO DA PRIMEIRA GRANDE DISPUTA RELATIVA ÀS NOVAS REGRAS ESTÁ A RIACHUELO, QUE ENFRENTA PEDIDO DE INDENIZAÇÃO DE R$ 37 MILHÕES DO MPT
    Autor: Fernando Nakagawa / BRASÍLIA

    As novas regras da legislação trabalhista começam a enfrentar os primeiros questionamentos na Justiça. Uma ação do Ministério Público do Trabalho pede R$ 37,7 milhões de indenização a uma das maiores varejistas do Brasil, a Riachuelo, por terceirizar a produção com condições trabalhistas piores que as dos funcionários diretos da empresa. O Supremo Tribunal Federal (STF) também recebeu ação que questiona a constitucionalidade da terceirização em salões de beleza.

    O prime ir o grande questionamento à nova regra acontece no Rio Grande do Norte. Após fiscalização em mais de 50 pequenas confecções em 12 municípios do interior, o Ministério Público do Trabalho (MPT) pede indenização à Riachuelo alegando que os trabalhadores terceirizados “recebem menor remuneração e têm menos direitos” do que os contratados pela Guararapes, dona da marca.

    Na ação, o Ministério Público acusa avarejista de uso deturpado das novas regras de terceirização. O argumento é que a cadeia de produção das roupas foi constituída de tal forma que as empresas funcionariam como “verdadeiras unidades de produção em estabelecimentos de terceiros”. Em 29 empresas vistoriadas, a Riachuelo era a única contratante dos serviços; em outras 14, a produção era dividida com outras marcas.

    Bate-boca. O presidente da Riachuelo, Flávio Rocha, rechaça as acusações. O executivo diz que o piso salarial do setor tem como referência o salário mínimo e os valores são semelhantes na fábrica própria, nos arredores de Natal, e nas pequenas confecções terceirizadas.

    Rocha tem disparado diretamente contra a procuradora Ileana Mousinho, responsável pela ação. “A iniciativa é toda dela. É uma coisa pessoal”, diz, ao citar “visão marxista” como razão para a suposta perseguição. Nas redes sociais, o empresário acusa a procuradora de “ódio” e diz que “todo o mal” que ela tem causado à companhia “recai sobre os trabalhadores”.

    A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho emitiu nota para defender a procuradora e ainda afirma que o empresário usa “mentiras e acusações levianas e irresponsáveis” ao tratar do caso. “São ataques pessoais dirigidos à procuradora”, cita a nota da entidade que qualifica a acusação como “despropositada e imprudente afirmação” de que a ação do MPT estaria causando desemprego no Rio Grande do Norte.

    Salões. Outro questionamento à terceirização ocorre nos salões de beleza. Com as novas regras sancionadas pelo presidente Michel Temer na chamada lei do “salão parceiro”, donos de estabelecimentos poderão contratar serviços de profissionais como cabeleireiros e manicures que atuam como MEIs (microempreendedores individuais). O problema é que há casos crescentes de donos de salão que demitem empregados e os transformam em MEI.

    “Donos de salões estão fazendo exigências a esses profissionais transformados em autônomos com cumprimento de horário. Legalmente, trata-se de um empreendedor parceiro, e não empregado com obrigações como horário”, diz a presidente do Sindicato dos Empregados em Institutos de Beleza e Cabeleireiros de São Paulo, Maria Mesquita Hellmeister.

    O Sindebeleza faz parte da Ação Direta de Inconstituciona-lidade impetrada no Supremo pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade contra a regra. A acusação é que a medida é uma “pej otização” dos trabalha-dores – transformação de empregados em pessoas jurídicas só para pagar menos impostos.

    Reforma trabalhista pode criar distorções entre trabalhadores
    Com novas regras, trabalhadores vinculados a sindicatos mais fracos podem ter desvantagem nas negociações

    Douglas Gavras

    Com a entrada em vigor das novas regras trabalhistas, em novembro, especialistas em direito chamam atenção para possíveis distorções que podem surgir entre trabalhadores que exercem atividade semelhante, só que em cidades diferentes.

    O carioca Alexandre Cavalcante Loyola, de 42 anos, trabalha como metalúrgico em uma fabricante de peças para carros e caminhões desde 1997. Sindicalizado desde o início da carreira, ele diz participar de todas as assembléias sindicais e avalia que houve avanço na relação entre os empregados e as empresas, mas reconhece que a repre-sentatividade da categoria no Rio é mais fraca do que em polos tradicionais de montadoras, como a região do ABC.

    “Sempre levamos desvantagem nas pautas que já podiam ser negociadas. Como é uma profissão em que o trabalhador se expõe a condições insalubres, a relação com as empresas nunca foi das mais tranqüilas. Não é por acaso que grande parte daforçado movimento sindical brasileiro surgiu nas fábricas de automóveis. Agora, com a aprovação da reforma, as desigualdades vão aumentar.”

    As novas regras trabalhistas definem, entre outras questões, que o negociado passa a prevalecer sobre o legislado em 15 itens, que vão passar a ser definidos por meio dos sindicatos – como intervalo para almoço, enquadramento do grau de insalubridade e participação nos lucros e resultados da empresa.

    “Nossa categoria pode perder tudo que conquistou, sobretudo em questões sérias, como os benefícios de insalubridade. Onde o sindicato é mais fraco, o trabalhador não vai ter condições de discutir. Por mais que a empresa seja qualificada, ela vai impor regras mais vantajosas para ela, se perceber que a categoria é menos organizada naquela região”, acredita Loyola.

    A negociação sindical vale apenas para a base territorial que aquela associação representa – um sindicato dos trabalhadores de uma determinada categoria na região metropolitana de São Paulo já podia negociar benefícios específicos para os seus associados antes da aprovação da Reforma trabalhista. O que a mudança na CLT fez foi ampliar as possibilidades do que pode ser negociado.

    Flexibilização. Para entidades patronais, a mudança é vista como uma forma de flexibilização na relação entre empresa e trabalhador. Sindicatos dos empregados, no entanto, avaliam que as alterações também devem aumentar o número de distorções entre trabalhadores.

    “É preciso levar em conta que os sindicatos mais experientes e combativos levam vantagem, agora que se ampliou o leque de discussão. Não dá para comparar as entidades de regiões em que as forças sindicais são mais combativas com aquelas que os próprios representados consideram inexpressivas. O poder de barganha vai ser menor”, diz Carla Romar, da PUC-SP.

    Ela também lembra que a Reforma trabalhista coloca que os itens que forem negociados pelos sindicatos não terão necessariamente uma contrapartida por parte do empregador. “Se um benefício é revisto e acordado pelo sindicato de forma que acabe sendo mais vantajoso para a empresa, ela não será obrigada a oferecer algo em troca.”

    De acordo com o também especialista em direito do traba-ho José Carlos Wahle, da Veira-no Advogados, os itens que tendem a gerar mais controvérsia são as normas de insalubridade e de intervalo entre jornadas.

    Ele avalia que as diferenças entre os acordos feitos pelos sindicatos não necessariamente devem ser ruins para o trabalhador. “A tendência é que a maior parte dos acordos reflita uma alternativa aceitável para as duas partes. Um acordo de jornada de trabalho conquistado em São Paulo pode não ter importância para a categoria que trabalha no interior do Estado. Sindicatos mais fracos, por terem de atuar em mais discussões, podem até se fortalecer.”

    Fonte: O Estado de S. Paulo

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