Todos perderam com a decisão tardia de ajustar os gastos à realidade da receita

    Ninguém ganhou. A batalha foi perdida na semana passada quando a Standard & Poor´s tirou o grau de investimento do Brasil. A decisão da agência de rating foi tomada logo depois que o governo mandou a proposta de lei orçamentária para 2016 com déficit de 0,5% do PIB e avisou que não havia o que cortar na despesa da União. 

    O pacote fiscal anunciado ontem, duas semanas após o envio do projeto de lei do Orçamento para o Congresso, traz, porém, R$ 24,7 bilhões em cortes de gastos e R$ 45,7 bilhões em aumento de impostos e cortes de benefícios tributários. Depois de recuar da proposta de recriação da CPMF, ontem o Executivo a reapresentou. Se não tivesse recuado, muito provavelmente o país não teria perdido o grau de investimento. 

    O sistema financeiro participou da discussão de recriação da contribuição sobre movimentação financeira pelos próximos 4 anos. Sugeriu, porém, que fosse com alíquotas decrescentes e com um sistema de mitigação da regressividade do tributo. O Ministério da Fazenda foi contra novas invenções, que só retirariam poder arrecadatório da CPMF – que, se aprovada pelo Congresso, renderá R$ 32 bilhões aos cofres da União. 

    Depois de ver as idas e vindas do governo na questão fiscal e de conhecer pela televisão as medidas anunciadas ontem, o ex-ministro Delfim Netto comentou: “É de uma miopia, de uma incompetência que a gente fica espantado!” Ou seja, foi preciso perder o “rating” de grau de investimento para o governo reagir e consertar a bobagem que fez ao enviar um orçamento deficitário ao Congresso. 

    Os cortes na verdade não foram integralmente cortes. Metade foi substituição de receitas e a metade restante recaiu sobre a folha de pessoal. 

    Parte do que o governo gastava em receita primária para financiar a faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida passa a ser de responsabilidade do FGTS; os cortes no PAC e no orçamento da Saúde, de R$ 3,8 bilhões cada, foram colocados na conta do orçamento impositivo, que cabe às emendas parlamentares. Só nesses três programas são R$ 12,4 bilhões, sendo que R$ 4,8 bilhões ficaram na conta do FGTS e os R$ 7,6 bilhões restantes foram debitados na do Congresso. 

    No embate entre os ministros da Fazenda e do Planejamento, não houve vencedor. Joaquim Levy já havia adiantado que a “hora da verdade” para o governo Dilma Rousseff seria a elaboração do orçamento para 2016. Ele sabia que pelo grau de falência do Estado as contas não fechariam sem aumento de impostos, mas defendeu que se cortassem despesas também. Dilma, tendo a seu lado os ministros do Planejamento e da Casa Civil, Nelson Barbosa e Aloizio Mercadante, preferiram, em uma atitude até então inédita, deixar exposto o déficit. Ao fazer isso, a presidente passou à sociedade a mensagem de que o governo estava “jogando a toalha” no ajuste fiscal pretendido. 

    Outra batalha, agora, será convencer os partidos aliados no Congresso a aprovar esse conjunto de medidas, indigesto pelo aumento de impostos e pelo adiamento do reajuste de salários do funcionalismo público, base de apoio do PT.

     

    Fonte: Valor Econômico

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