Um fio de esperança

    Alta de 0,6% na produção industrial em outubro deu alívio ao governo, pois pode evitar a queda do Produto Interno Bruto no último trimestre do ano e impedir que o país mergulhe na recessão. Especialistas garantem que a recuperação é frágil

    DECO BANCILLON

    Do inferno ao céu em apenas 24 horas. Um dia após a divulgação do decepcionante desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, com queda de 0,5%, a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff, enfim, teve o que comemorar. A produção industrial, que vinha apresentando resultados irregulares durante todo o ano, cresceu 0,6% em outubro. Foi a terceira alta consecutiva na comparação mensal. Mais do que isso.

    Com a surpresa positiva, criou-se um fio de esperança no governo de que a recuperação da indústria enterre de vez o fantasma da recessão que assombra o Brasil. Caso haja uma nova queda do PIB no quarto trimestre do ano — possibilidade que ainda não é descartada por analistas de mercado —, o país entrará tecnicamente num quadro de depressão econômica, o que não se vê desde o início de 2009.

    Uma retomada da indústria também pode estimular o empresariado a desengavetar projetos de ampliação de fábricas e lojas. Com isso, o governo resolveria um segundo problema que tem afetado a economia brasileira: a carência de investimentos produtivos. No terceiro trimestre do ano, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — taxa que mede a injeção de dinheiro feita por empresas, famílias e governo na expansão da capacidade produtiva — despencou 2,2%.

    Esse número tende a se recuperar, dizem especialistas, com as encomendas já feitas às indústrias que produzem peças e máquinas. Esse ramo, chamado de bens de capital, foi justamente uma das que mais avançou na passagem de setembro para outubro, com alta de 0,6%. No ano, já acumula expansão de 14,9% e, nos últimos 12 meses, elevação de 9,9%.

    Voo de galinha
    O governo aposta que a recuperação dos investimentos poderá estimular toda a economia e, com isso, romper um ciclo de dependência do mercado de trabalho e do consumo das famílias como principais motores para o desempenho do PIB. O otimismo é justificado pelo calendário mais favorável ao setor industrial. “Para as fábricas, o período que vai de setembro a novembro é sempre muito bom em termos de encomendas, porque sinaliza a
    época de produção para as compras de Natal e ano-novo”, apontou o professor de economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Reginaldo Nogueira.

    Em outubro, três das quatro categorias de uso pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registraram resultados positivos. Além de bens de capital, houve altas também na produção de bens intermediários e de consumo e queda somente em bens duráveis. A comparação segmentada por ramos também foi favorável, mostrando alta em 21 das 27 áreas pesquisadas.

    O bom desempenho em outubro, no entanto, não deve ser suficiente para reverter uma tendência de maus resultados da indústria. Nos últimos 12 meses, houve recuo da produção em cinco ocasiões. Em outras quatro datas, a produção ficou praticamente estável, ao variar pouco acima de zero (veja gráficos).

    O economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, disse esperar “alguma moderação” do setor nos próximos meses. “Primeiro, porque as sondagens na indústria continuam mostrando estoques elevados. Segundo, porque o setor de bens de capital, que tem sido importante para o avanço da indústria, tende a perder força à frente”, apontou. O economista avaliou, ainda, que “são crescentes” os sinais de arrefecimento da demanda por encomendas ligadas aos investimentos, como os bens de capital.

    Nas contas do estrategista-chefe para o Brasil do banco japonês Mizuho, Luciano Rostagno, mesmo que a produção fique estagnada em novembro e dezembro, ainda assim a indústria acumularia uma expansão de 1% no quarto trimestre na comparação com o terceiro. “Isso quer dizer que a indústria, que vinha crescendo muito pouco no começo do ano, pode ajudar a ser o fiel da balança da recuperação do país neste fim de ano”, apostou.

    Seja qual for o resultado do PIB no último trimestre, disse Rostagno, é importante uma correção de rumos na economia brasileira, de modo a permitir que o país alcance uma trajetória mais gradual de crescimento, sem solavancos. “Se você excluir os ruídos criados pelos estímulos dados pelo governo ao setor produtivo, verá que a economia ainda cresce, mas de forma modesta. O forte crescimento do segundo trimestre, de 1,8%, foi um voo de galinha. A prova disso é o ajuste no terceiro trimestre, quando a economia encolheu 0,5%”, explicou.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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