Um rombo de R$ 48 bi

    Com renúncias fiscais, déficit da previdência sobe 14% e ficará acima do previsto este ano

    Cristiane Bonfanti
    Geralda Doca

    BRASÍLIA- As renúncias fiscais, principalmente de­correntes dos benefícios concedidos às empresas do Simples Nacional e às entidades filantrópicas, estão pressionando as contas da Previdência Social e levaram o Ministério a revisar para cima o déficit projetado para o ano. Inicialmente estima­do em R$ 46 bilhões, o descasamento entre recei­tas e despesas do regime de aposentadoria deve­rá superar R$ 48 bilhões em 2013.

    No acumulado de janeiro a agosto, o déficit já chegou a R$ 48 bilhões, uma alta de 14,28% frente ao mesmo período do ano passado, segundo da­dos obtidos com exclusividade pelo GLOBO. Em dezembro, o resultado costuma ser superavitário, devido ao recolhimento da contribuição previdenciária relativa ao 13º salário, mas ainda assim não será suficiente para reduzir o déficit do ano.

    O Ministério da Previdência elevou a estimativa da renúncia relativa ao Simples Nacional, depois de constatar o impacto da ampliação das novas faixas de renda do regime simplificado de tributo, que desde o início do ano passado tem permitido a inclusão de mais empresas. Para este ano, a pro­jeção passou de R$ 13,6 bilhões para R$ 16,1 bi­lhões. Para 2014, a estimativa subiu de R$ 14,6 bi­lhões para R$ 17,6 bilhões. Em 2015, deverá che­gar a R$ 19,5 bilhões.

    GASTOS DE 6BI COM APOSENTADORIAS ESPECIAIS

    A previsão de perda de arrecadação com as enti­dades filantrópicas, por sua vez, subiu de R$ 8,7 bilhões para R$ 9,1 bilhões neste ano; e de R$ 9,5 bilhões para R$ 10 bilhões em 2014. Em 2015, de­verá ficar em R$ 11,3 bilhões. Com o regime dife­renciado para microempreendedores, a Previ­dência terá uma perda estimada em R$ 415,9 mi­lhões ainda neste ano, de R$ 460,8 milhões no ano que vem e de R$ 508 milhões em 2015.

    Recentemente, o Ministério detectou que o cres­cimento dos acidentes de trânsito também está elevando o déficit e deu início a um cruzamento de informações com dados do DPVAT (seguro de danos pessoais pago em caso de acidentes). Os pe­didos de indenizações às vítimas subiram de 150 mil em 2010 para 350 mil em 2012 e, neste ano, de­verão atingir 500 mil.

    O volume de auxílíos-doença emitido entre janeiro e agosto deste ano subiu 6,8%, de 1,301 milhão para 1,389 milhão. A alta nas aposenta­dorias por invalidez foi de 1,7%, de 3,046 mi­lhões para 3,099 milhões, mas não estão incluídos nesta conta os benefícios decorrentes de acidentes no trajeto de trabalho. Outra fonte de pressão na Previdência é o aumento dos gastos judiciais com aposentadorias especiais. Os de­sembolsos com esse passivo já alcançaram R$ 6 bilhões entre janeiro e agosto, contra R$ 7,5 bi­lhões em todo o ano passado.

    O secretário de Previdência Social, Leonardo Rolim, disse que será preciso rever a legislação que trata das aposentadorias especiais. Segundo ele, as regras asseguram que, se a empresa ofere­cer ao trabalhador equipamento de segurança adequado, ele não tem direito à aposentadoria especial. Mas esse não tem sido o entendimento da Justiça, principalmente no caso de ruídos.

    — Será preciso especificar os tipos de equipa­mentos que evitam a exposição dos trabalhado­res aos agentes nocivos — disse Rolim.

    Ele destacou que, apesar dos fatores de pressão, não há uma trajetória explosiva do déficit da Pre­vidência. Afirmou ainda que a desoneração da folha não pode ser avaliada como um fator de pressão nas contas porque o Tesouro está fazen­do os repasses devidos à Previdência.

    Para o economista Marcelo Abi-Ramia Caeta­no, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mesmo com a compensação nos cofres da Previdência, do ponto de vista das contas públi­cas, há uma perda de arrecadação, o que vai afe­tar o resultado do superávit fiscal primário (eco nomia para o pagamento dos juros da dívida pú­blica). Não por acaso, o mercado estima que o su­perávit deverá ficar perto de 2% no ano, abaixo dos 2,3% prometidos pelo governo.

    — Quando junta tudo, a transferência não faz diferença. A arrecadação como um todo está di­minuindo — disse o especialista, ressaltando que, com o envelhecimento da população, a despesa da Previdência certamente crescerá.

    DESONERAÇÃO da FOLHA TEM IMRACT0

    De acordo com dados da Receita Federal, de ja­neiro a julho, o governo federal deixou de arre­cadar R$ 43,7 bilhões com as desonerações. Com a folha de pagamentos, o valor passou de R$ 2,8 bilhões para R$ 7 bilhões na comparação com o mesmo período de 2012. Foi a segunda maior perda para o governo federal, atrás ape­nas da redução da Cide-Combustível.

    Estudo dos economistas José Roberto Afonso e Gabriel Leal de Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostra que, apenas com a desoneração da folha, a perda deve chegar a R$ 18,7 bilhões este ano e a R$34,8 bilhões em 2014. Barros explicou que, embora, com o passar do tempo, o Tesouro compense as perdas da Previdência, o benefício tributário contri­bui para um déficit, mesmo que temporário.

    A compensação não ocorre mensalmente, mas sim a cada quatro meses. Em 2012, a esti­mativa de renúncia foi de R$ 3,7 bilhões. O go­verno compensou R$ 1,8 bilhão em dezembro, deixando um resíduo de R$ 1,9 bilhão para este ano — afirmou o economista.

    Ele considerou ainda que, ao ser anunciada, no fim de 2011, a política de desoneração da folha ti­nha o objetivo de melhorar a competitividade de setores. Com o passar do tempo, a iniciativa foi ampliada para áreas que não sofriam a concor­rência de produtos estrangeiros.

    O objetivo final passou a ser o de manter o nível de emprego — disse.

    Na avaliação do economista, no que diz respeito às desonerações como um todo, grande parte bus­ca segurar a inflação e, portanto, não retomará aos cofres públicos na forma de outros tributos. Um exemplo é a redução da Cide-Combustível, que li­derou a lista de reduções de tributos este ano e, até julho, custou R$ 7,5 bilhões aos cofres públicos.

    — No ano passado, dos mais de R$ 45 bilhões em desoneração, só a Cide custou quase R$ 9 bi­lhões. É uma medida para segurar a inflação e, claramente, não voltará em receita. No caso da redução do IPI, como essa estratégia já havia sido adotada em 2009, o resultado que ela poderia tra­zer em termos de maior vendas de veículos não ocorreu, porque o setor já estava saturado.

    Procurado, o Ministério da Fazenda preferiu não comentar o impacto das renúncias fiscais nos cofres da Previdência.

     

    Fonte: O Globo

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