Uma nova relação entre Tesouro e BC?

    O Tesouro Nacional inovou e surpreendeu ao informar, em nota distribuída segunda-feira pelo Ministério da Fazenda, a emissão de R$ 40 bilhões de títulos federais para o Banco Central. A comunicação – incomum pelo montante e pela formalidade de uma nota à imprensa – não passou despercebida de especialistas em dívida pública no mercado financeiro, que encerraram a segunda-feira matutando se estaria em gestação um novo relacionamento, ou mesmo uma parceria, entre os dois órgãos do governo nesta fase em que a Fazenda é chefiada pelo economista Nelson Barbosa.

    A iniciativa do Tesouro, chefiado interinamente por Otávio Ladeira de Medeiros desde a saída de Marcelo Saintive que deixou a instituição ao mesmo tempo em que o ex-ministro Joaquim Levy, às vésperas do Natal, despertou simpatia pela transparência. Tradicionalmente, as informações sobre parcelas de emissões de dívida destinadas à carteira do BC são restritas aos mecanismos de comunicação quase exclusivos ao mercado financeiro.

    Mas a iniciativa do Tesouro também despertou sinais de alerta, embora a nota da Fazenda tenha informado objetivamente que “a emissão [R$ 40 bilhões] tem o objetivo de suprir a carteira da autoridade monetária com títulos públicos em montante suficiente para viabilizar as operações compromissadas [venda de títulos pelo BC com compromisso de recompra futura]”.

    O Tesouro explicou ser “a emissão necessária para manter em equilíbrio as condições diárias de liquidez bancária, de modo que a taxa de juros de mercado (Selic) esteja em linha com a definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom)” e lembrou, no documento distribuído pela Fazenda, que ocorre uma ampliação sazonal da liquidez em janeiro em função de vencimento de títulos. Uma outra justificativa para a emissão de títulos para o BC, “sem qualquer custo”, é a recomposição do “colchão da dívida” ao longo do primeiro trimestre deste ano.

    A menção ao “colchão da dívida” na nota distribuída pelo Ministério da Fazenda, a quem o Tesouro Nacional é subordinado, desloca as operações compromissadas do Banco Central de um território até agora praticamente privado à instituição e ao mercado e que passa a ser compartilhado com o Tesouro, uma vez que o restabelecimento do “colchão da dívida” dependerá dessas operações.

    Para o Banco Central, o foco da venda temporária de papéis públicos continuará sendo a administração da disponibilidade de dinheiro no sistema bancário e, por consequência, o nível da taxa de juro de curto prazo na economia. As compromissadas do BC tiveram esse caráter reforçado a partir de 2006, quando o governo Lula optou por uma política de acumulação de reservas internacionais. A aquisição de dólares no mercado doméstico pelo BC implicava (e implicaria hoje) a liquidação financeira da operação em reais.

    A tarefa de recomposição do “colchão da dívida” via compromissadas entra na rotina da autoridade monetária devido à expansão monetária provocada pelo acerto de contas entre o Tesouro, os bancos públicos e o FGTS. Na semana passada, o Tesouro pagou repasses a programas que foram atrasados sobretudo nos últimos dois anos para que o resultado fiscal do país fosse melhor ou menos ruim – as chamadas “pedaladas fiscais” condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

    Otávio Ladeira indicou, na semana passada, que mais de R$ 70 bilhões sacados pelo Tesouro na conta única que mantém no BC – para liquidar a fatura das “pedaladas” que chegou a R$ 72,4 bilhões – devem entrar em circulação. Considerando que a conta única tem sentido de reserva gestão da dívida pública, o dinheiro que estava no BC não tinha livre curso na economia. Mas ao ser integrado ao caixa do Banco do Brasil, do BNDES, da Caixa e do FGTS, ele ganha mobilidade e status de fator de expansão de liquidez, que deve ser administrada pela autoridade monetária.

    Uma vez que as soluções encontradas para a limpeza dos livros do Tesouro são recentes e nem tudo está em funcionamento – caso das compromissadas para recompor o “colchão da dívida” -, especialistas tentam compreender o papel das instituições nesta nova etapa do segundo mandato de Dilma Rousseff que, na avaliação do mercado, mudará profundamente a política econômica.

     

    Fonte: Valor Econômico

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