Único compromisso é com superávit mínimo

    Por Ribamar Oliveira

    Quem se der ao trabalho de ler o texto do projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) para 2015, encaminhado pelo governo ao Congresso, na semana passada, não encontrará dispositivo que estabeleça uma meta fiscal de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), ao contrário do que foi amplamente divulgado. Na verdade, o projeto fixa apenas um superávit primário mínimo para todo o setor público de R$ 114,67 bilhões, o equivalente a 2% do PIB.

    Também não está correto dizer que o governo federal se comprometeu, por dispositivo da LDO, a compensar eventual frustração da meta de Estados e municípios, estimada em 0,5% do PIB para 2015. O texto do projeto não diz exatamente isso. Ele estabelece que a meta do governo central (Tesouro, Previdência e Banco CENTRAL) é de R$ 114,67 bilhões, o equivalente a 2% do PIB. O valor é igual à meta de superávit primário mínimo para todo o setor público.

    A meta do governo central poderá sofrer abatimento de até R$ 28,67 bilhões, ou 0,5% do PIB, por causa dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ou seja, com o desconto autorizado, o governo central poderá fazer um superávit de 1,5% do PIB – um pouco menor que o previsto para este ano, de 1,55% do PIB.

    LDO não fixa meta de 2,5% do PIB para setor público em 2015 

    O superávit primário estimado para Estados e municípios é de R$ 28,67 bilhões ou 0,5% do PIB – o mesmo tamanho do desconto da meta do governo central. Se os governos estaduais e prefeituras não conseguirem chegar a 0,5% do PIB, o projeto da LDO diz que o superávit do governo central terá que ser do tamanho que permita obter a meta de superávit mínimo de 2% do PIB para o setor público como um todo.

    Assim, se o superávit de Estados e municípios for zero, o governo central terá que cumprir a sua meta “cheia”, ou seja, fazer 2% do PIB, sem abatimento dos investimentos do PAC. Se for de 0,3% do PIB, o governo central poderá fazer 1,7% do PIB. A frustração da meta dos governos estaduais e prefeituras definirá, portanto, o tamanho do abatimento do superávit do governo central e não um esforço fiscal adicional. A meta que interessa, para efeito da LDO, é o superávit mínimo de 2% do PIB para todo o setor público.

    Se os governos estaduais e prefeituras obtiverem um resultado de 0,5% do PIB, restará ao governo central fazer 1,5% do PIB para cumprir a meta da LDO. Se obtiverem mais do que 0,5% do PIB, o superávit primário do setor público como um todo será superior a 2% do PIB, pois o governo central não poderá fazer menos de 1,5% do PIB. É importante observar que o resultado fiscal de Estados e municípios depende, em grande medida, do governo federal, que controla o endividamento desses entes da federação. Com menos autorizações para novas dívidas, maior será o superávit.

    A única referência ao superávit primário de 2,5% do PIB para todo o setor público consta do anexo IV do projeto da LDO, que diz, textualmente, que a meta global “pode atingir R$ 143,3 bilhões (2,5% do PIB) caso não seja utilizada a prerrogativa de abatimento (da meta do governo central)”. Chegar a um superávit de 2,5% do PIB é, portanto, apenas uma possibilidade, mas sem qualquer obrigação legal.

    Mesmo porque, como está dito no texto do anexo IV, “a utilização do abatimento dependerá do ciclo econômico e tem por função preservar o investimento em função da sua relevância para ampliar a capacidade produtiva e assim desempenhar um duplo papel anticíclico”.

    O projeto de LDO autoriza o governo a fazer um superávit primário superior a 2% do PIB, se as reestimativas para a taxa de crescimento real do PIB superarem a estimativa utilizada na elaboração do anexo de metas fiscais, que foi de 3%. Tecnicamente, isso faz sentido pois um crescimento maior da economia significa aumento da arrecadação, o que abre espaço para uma maior poupança pública. Mas, de novo, esta elevação da meta foi colocada no projeto da LDO apenas como uma possibilidade, cuja execução ficará a critério do presidente da República.

    O superávit mínimo proposto na LDO para 2015 é um pouco maior do que o compromisso assumido pelo governo para este ano. É importante destacar que essa elevação não decorrerá de um esforço fiscal adicional do governo central, mas sim da ampliação da meta de Estados e municípios, que em 2014 irão entregar um superávit primário de apenas 0,35% do PIB.

    Ainda é nebulosa a maneira como o governo federal obterá a meta de 1,9% do PIB deste ano, pois ocorreram despesas inicialmente não previstas, como é o caso dos recursos adicionais do Tesouro destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), e o crescimento das receitas não está ocorrendo no ritmo projetado.

    Para chegar a 1,9% do PIB de superávit primário neste ano, o governo poderá “pedalar” gastos para 2015, ou seja, postergar o pagamento de despesas, como ocorreu na virada de 2013 para 2014. Se isto ocorrer, e dependendo do tamanho da “pedalada”, o superávit mínimo de 2% do PIB fixado para 2015 poderá ter efeito contracionista sobre a demanda, caso ele seja obtido sem artifícios contábeis.

    Há, também, algumas inconsistências nos parâmetros macroeconômicos utilizados para definir a meta fiscal de 2015. O governo prevê um crescimento econômico de 3% e uma taxa de inflação de 5% para o próximo ano. Como a inflação deverá terminar este ano perigosamente perto do teto da banda e o aumento real do PIB não chegará a 2%, de acordo com as estimativas da maioria dos analistas, é difícil acreditar que o Brasil possa, ao mesmo tempo, reduzir significativamente a inflação e aumentar o ritmo de crescimento no próximo ano.

    O projeto de LDO para 2015 deve ser visto como uma sinalização da presidente Dilma Rousseff ao mercado sobre o que pretende fazer na área fiscal se ganhar um segundo mandato, nas eleições de outubro. O compromisso de Dilma com um piso para o superávit é positivo, principalmente porque estará definido em lei. Mas é evidente que a política fiscal a partir de 2015 dependerá do presidente a ser eleito, que vai querer reformular o Orçamento do próximo ano para ajustá-lo às suas prioridades.

    Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

    E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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