Vitória ‘custa’ pelo menos R$ 13,2 bi

    Por Daniel Rittner e Fernando Torres | De Brasília e São Paulo

    A vitória obtida ontem pelo presidente Michel Temer na Câmara dos Deputados teve um custo alto para os cofres públicos e doerá no bolso do setor privado. Apenas três iniciativas de um “pacote de bondades” recente para agradar aos parlamentares – a liberação de emendas, o refinanciamento de dívidas de produtores rurais e o aumento dos royalties da mineração – somam uma conta de R$ 13,2 bilhões. O enfraquecimento político do governo também pode gerar frustrações na arrecadação federal, com um atraso na reoneração da folha de pagamento e mudanças no projeto do Refis.

    Mais de 95% dos R$ 4,15 bilhões dos empenhos de emendas parlamentares ocorreram entre junho e julho. O período coincide com as vésperas da votação da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, logo em seguida, no plenário da Câmara. Nos primeiros dois dias de agosto, o valor empenhado supera toda a liberação de janeiro a março.

    O empenho é a primeira etapa para a efetivação do gasto, quando esses valores são “carimbados”. Depois, ocorrem os pagamentos. No acumulado do ano, os pagamentos somam R$ 2,04 bilhões.

    Ontem, durante a votação, deputados da base e mesmo de siglas que se distanciaram do governo falaram abertamente em levar recursos para suas bases eleitorais. O deputado Carlos Gaguim (Podemos-TO) foi um dos que, ao dar voto “sim”, fez questão de ressaltar que buscava investimentos para sua região. Pela manhã, o ministro Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo) negociava no plenário a liberação de mais emendas para buscar votos de “indecisos”. Imbassahy, deputado federal licenciado (PSDB-BA), voltou à Câmara apenas para votar.

    Com a Medida Provisória 793, editada na terça-feira, que refinancia dívidas de produtores rurais e da agroindústria contraídas com o Funrural, a renúncia fiscal atinge R$ 7,6 bilhões em quase 15 anos, ante o que se arrecadaria sem descontos de multa e Juros. O cálculo foi divulgado ontem pelo Fisco.

    O peso para o setor privado vem da MP que muda os royalties da mineração, que vinha sendo negociada há mais de três anos, e deve elevar em R$ 1,5 bilhão as receitas de prefeituras e Estados produtores, que ficam com 65% e 23%, respectivamente, da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem). O reforço no caixa agradou especialmente a bancada de Minas e Pará.

    O presidente do PMDB em Minas, deputado Mauro Lopes, nega influência da medida no voto dos parlamentares mineiros. Ele enfatiza, no entanto, que a MP foi “muito bem executada” e elogia ainda a criação da Agência Nacional de Mineração. “A bancada vai participar da indicação da diretoria”, diz.

    Ricardo Ribeiro, analista da MCM Consultores, diz que agentes de mercado devem “relevar” o que chama de “escorregões” na área fiscal, se Temer seguir adiante com a Reforma da Previdência. “Se o governo libera recursos para ruralistas, abre a torneirinha das emendas – que estão no orçamento, mas poderia segurar mais – e no fim não passa a reforma, aí a análise tende a ser mais negativa.”

    Na visão de Fabio Klein, da Tendências Consultoria, “em meio à tamanha impopularidade e à necessidade de garantir apoio legislativo contra o avanço da denúncia de corrupção”, aumenta a tentação do governo para “usar recursos de poder disponíveis, dentre eles a liberação do orçamento”. Klein entende que, se houver redução da meta fiscal de 2017, ela terá que vir acompanhada de medidas de consolidação fiscal com efeito de 2018 em diante, como uma Reforma da Previdência, ainda que mínima. Do contrário, “a reação do mercado pode ser bastante negativa”.

    Para Christopher Garman, diretor para mercados emergentes da Eurasia, é exagerada a visão de que o governo abriu mão do controle fiscal para sobreviver. Para ele, os revezes na área fiscal se devem mais a uma dificuldade na negociação com o Congresso do que a uma estratégia do Executivo. “Não houve uma decisão pró-ativa de permitir afrouxamento fiscal. Um exemplo é que as negociações do Refis não terminaram.”

    Garman diz ainda que o efeito das emendas sobre a meta fiscal é pequeno e que o Funrural não reduz a arrecadação – porque esse é um caixa que não estava entrando – embora reconheça que suas condições e o momento da aprovação tenham sido usados politicamente. “O governo joga pesado com os instrumentos que tem. Parte do cartucho que poderia ser usado para a Reforma da Previdência está sendo gasto agora”, diz ele, para quem o principal custo da crise desencadeada após a delação da JBS será a não realização de uma reforma plena do sistema de aposentadorias neste governo. (Colaborou Cristiano Zaia)

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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