Edição 18.08.2025

Banco Central e PEC 65: um ornitorrinco continua sendo um mamífero

O Banco Central do Brasil, autoridade monetária do país, é hoje uma autarquia de natureza especial regida pelo direito público.

Como podemos ver em sua página institucional, as tarefas a cargo do Banco Central são diversas: manter a inflação sob controle é objetivo fundamental do BC, mas ele também é responsável por manter o sistema financeiro seguro e eficiente, por ser o banco do governo, o banco dos bancos e o emissor do nosso dinheiro.

Todas essas funções são típicas de Estado e possuem interesse público, portanto se enquadram nas definições de direito público, que regula as atividades e as funções entre Estado, particulares e servidores.

A PEC65/2023, sob o pretexto de dar ao Banco Central autonomia orçamentária, financeira e administrativa, pretende transformá-lo da seguinte forma:

§
4º O Banco Central é instituição de natureza especial com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira, organizada sob a forma de pessoa jurídica de direito privado integrante do setor público financeiro, que exerce atividade estatal, dotada de regime jurídico próprio e poder de polícia, incluindo poderes de regulação, supervisão e resolução, na forma da lei.

No entanto, uma leitura atenta do voto do relator, de 14.8.2025, deixa claro que o tal “regime jurídico próprio” não passa de malabarismo linguístico usado para manter a problemática troca para direito privado com algumas emendas para tapar buracos que não existiam, e que serão criados, justamente, pela projetada troca de regime jurídico.

Querem criar um remendão em regime de direito privado para parecer um pouco mais com o direito público, evidenciando que o regime de direito privado não é adequado para o papel exercido pelo Banco Central.

Alguns usam a justificativa de que o BCB já é diferente, uma autarquia “especial” por conta das especificidades relacionadas ao seu papel de autoridade monetária e pela utilização de recursos do OAM.

Um “ornitorrinco”, portanto. Ora, por mais estranho que nos pareça, o bichinho não é um ser de outro mundo, continua a ser um mamífero, e sequer é o único com características exclusivas, na medida em que há mamíferos que voam, que vivem em oceanos, há marsupiais, e há até mesmo os que inventam sistemas financeiros .

As funções que tornam o Banco Central um caso especial já estão contempladas na sua forma atual. Para resolver questões orçamentárias, financeiras e administrativas existem bons caminhos dentro do direito público, sem precisar recorrer a gambiarras, como por exemplo esta PEC 65, que está sendo perpetrada contra os servidores.

O palavreado da PEC tenta disfarçar que, na prática, os atuais cargos serão extintos e outros iguais serão criados em regime CLT com previsão de estabilidade, por ser ela reconhecidamente fundamental para o bom desempenho da função do servidor público.

Enquanto troca seis por meia dúzia, tentando preservar o que já existe, a PEC 65 levará o Banco Central a terrenos jurídicos pantanosos, com forte potencial para desestabilizar a instituição, a começar pelo afastamento de boa parte do quadro de servidores para uma carreira “congênere”, que ninguém sabe qual será, e cortará os vínculos dos aposentados com a instituição à qual dedicaram uma vida de trabalho.

Por fim, acusando o golpe das fundamentadas críticas às insanáveis fragilidades da proposta, mas demonstrando elevado senso de oportunismo, o relator da PEC 65 incluiu emenda especial para “proteção” do Pix, tentando surfar na onda de popularidade desse instrumento de pagamento criado pelo Banco Central e assim garantir a aprovação da PEC.

Cumpre lembrarmos do seguinte: hoje, o Pix já está protegido, dentro da Autarquia BCB, e caso se entenda ser necessária proteção ainda maior, poder-se-á elaborar uma PEC ou Projeto de Lei específicos para isso. É inadmissível que, com o pretexto de uma suposta proteção ao Pix, o Banco Central do Brasil seja fragilizado por distorções jurídicas e por maquiagem conceitual de suas funções.

Porto Alegre, 18 de agosto de 2025.

CONSELHO REGIONAL
Seção Regional de Porto Alegre

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