Edição 15 - 15/10/2010

BOCA LIVRE – Ideia, crítica & debate nº 15, de 15.10.10: O engenheiro que virou suco / Carta a Idalvo e filho

 

BOCA LIVRE

Ideia, crítica & debate                 

São Paulo, 15 de outubro de 2010 – nº  15

EDITORIAL

Dois textos compõem o boletim de hoje. O primeiro, de autoria de Idalvo Toscano, gira em torno do trabalho de três economistas vencedores do Prêmio Nobel de Economia em 2010.

Cleide Napoleão, filiada aposentada e conselheira do Sinal-SP, assina o segundo. A partir do texto de Idalvo "É do viver que falo”, publicado no Boca Livre nº 14, de 24/9/10, a autora discorre sobre assuntos previdenciários.

Boa leitura!

O ENGENHEIRO QUE VIROU SUCO ¹

Idalvo Toscano *

Dois milhões e setecentos mil reais, valor aproximado do Prêmio Nobel de Economia em dólares atuais; nada mal.

O trabalho dos três economistas laureados em 2010 teve como objeto a “construção de modelos que ajudam a explicar o ruído na comunicação entre oferta e a procura em diferentes mercados” ², principalmente o de trabalho.

A hipótese central do mesmo está centrada na constatação de que “oferta e demanda não se encontram de forma automática, como afirmavam as teorias clássicas da Economia”; isto provoca uma dissintonia no mercado de trabalho, de tal forma que acaba por haver oferta não recepcionada e, consequentemente, pessoas que permanecem desempregadas, mesmo quando na economia sobram postos de trabalho.

Uma tese constante do pensamento econômico alternativo dizia da assimetria de informação existente no sacrossanto mercado; sim, “todos seriam iguais perante a lei, mas alguns mais iguais que outros” ³. Assim, é fato que sob o capitalismo os mercados acolhem a todos, porém os mais bem situados socialmente têm um acolhimento distinto, diferente.

Até aqui, e desse ponto de vista, nenhuma novidade nos traz o trabalho premiado. Contudo, o melhor está por vir.

A partir da “descoberta” dessa imperfeição do mercado, constata-se que instituir benefícios sociais aos desempregados faz aumentar o desemprego e torna mais extenso o tempo de procura por postos de trabalho.

Há um pressuposto fundamental que orienta as conclusões dos “nobéis”: a flexibilização, por parte dos desempregados, de suas aspirações a salários e atividades compatíveis com sua formação. Fossem os profissionais desempregados menos exigentes, o ajuste entre demanda e oferta de empregos seria mais rápido e eficiente. É a velha mão smithiana em ação…

Conclusão: as políticas públicas de proteção ao trabalho tendem a ser um desastre para a saúde da economia e, daí, para os próprios trabalhadores. O mercado, portanto, não funciona adequadamente, pois a ingerência perniciosa do Estado esgarça seus eficientes mecanismos “naturais”. Com isso se quer dizer que as conquistas do trabalho (entendido, aqui, como categoria analítica relevante no contexto do capitalismo) a partir da revolução burguesa, retardaram a excelência desse modo-de-produção, último da história.

Não é desconhecido de ninguém o fato de que o ajuste econômico se dá, principalmente em momentos de crise, sobre o mercado de trabalho: precarização, rebaixa das rendas do trabalho, flexibilização das demissões, ampliação do prazo de aposentadoria etc. O desemprego, portanto, é uma situação a que se chega a partir do capricho daqueles que se recusam a perceber salários menores e/ou aceitar exercer atividades que se situem em níveis inferiores na escala de valoração sócio-profissional, de modo que se poderia dizer haver sempre trabalho disponível para aqueles que aceitarem as regras que o mercado determina, vale dizer, as necessidades impostas pelo Capital.

A tese traz implícita a concepção de que o Estado deve se assumir definitivamente como instituição da classe dominante, a zelar pelos exclusivos interesses do Capital, aspecto que, de resto, nunca deixou de matizá-lo, embora se venda a ilusão de que o mesmo seria o palco dos interesses antagônicos, arena das tensões inter-classes; ledo engano, ou quase: o Estado somente torna-se espaço de resolução de conflito dos diversos segmentos da sociedade à margem de suas políticas fundamentais – econômica, monetária, fiscal e cambial –, ou seja, naqueles espaços em que suas ações não comprometam a acumulação do capital. É, enfim, um Estado de classe.

É exemplar, no sentido acima, um exame comparativo da transferência de renda que se observa para o capital financeiro e aquela que se destina aos gastos sociais. Nunca na história desse país os investimentos sociais foram tão expressivos; contudo, nunca o capital financeiro subtraiu parcela tão significativa da renda nacional.

O trabalho laureado repousa na imutabilidade do sistema econômico e, dessarte, vaticina “mecanismos” de aperfeiçoamento de seu funcionamento, o que não é outra coisa que uma visão ideológica como, de resto, são todas as visões sobre o que se convenciona denominar realidade. A diferença reside no fato de que esta se apresenta com uma aura de cientificidade, conferida pelo saber constituído, este, também, um saber de classe!

Por fim, há o pressuposto implícito de que a economia é uma ciência exata e tudo ocorre como deve ocorrer e o mundo seria bem melhor não fossem os humanos, principalmente aqueles que trabalham; quiçá o mal necessário, já que o capital não produz valor e requer a todo tempo o concurso das ações de quem, em um dizer coloquial, “pega no breu”.

Todavia, é bom que nunca esqueçamos o fato de que a ciência está, como sempre esteve, a serviço da política. 

* Economista; pós-graduado em Planejamento Urbano/FGV; ativista do movimento de Economia e Finanças Solidárias. Conselheiro do Sinal-SP e membro do Conselho Editorial da revista PorSinal.


¹ A crise de 1979/80 provocou enorme desemprego, inclusive em segmentos profissionais altamente qualificados, como a engenharia civil; na ocasião, um dos despedidos, com os recursos recebidos pela dispensa abriu, em plena Av. Paulista, uma lanchonete especializada em sucos naturais que fez, até recentemente, enorme sucesso. Um caso atípico, portanto, de transigência com as contingências do mercado, bem ao gosto dos economistas premiados!

² As informações deste artigo têm como base matéria, veiculada no caderno Economia do Estado de São Paulo, em 12.10.2010; fls. B5.

³  Orwell, G. – A revolução dos bichos; Ed. Globo.

CARTA A IDALVO E FILHO

(pensando na nossa Previdência e a de nossos filhos)

Cleide Napoleão

Com relação à matéria de autoria de Idalvo, no Boca-Livre nº 14, gostaria de acrescentar, a título de consolo talvez inútil: foi noticiado que as empresas concessionárias dos serviços de pedágios nas estradas estão faturando os maiores lucros neste ano, e portanto desbancando os banqueiros do primeiro lugar do rico pódio.

O crédito, que deveria ser um pouco mais sagrado e de utilidade pública, deixou de ser o maior naco de rapinagem capitalista e cedeu lugar aos exploradores dos pedágios.

Deduzo que precisamos pedalar mais. Para salvar não só o planeta, mas também os bolsos.

No dia 16/9/10, as contas públicas mereceram manchete no programa de TV comandado por Miriam Leitão. Mulher inteligente.Economista também? Espero que também saiba contar. Contar o que precisamos saber e contar.

Lá os economistas entrevistados cansaram de preparar terreno para a próxima Reforma da Previdência. Fazendo o quê? Dizendo que é crescente, desde 1989, o custo do custeio do INSS, que antes era menos que dois por cento do PIB e agora bate nos 7%. Dizendo também que quem passa em um concurso público para ser servidor deveria levar na praça a família inteira e comemorar muito, porque vai ter a vida garantida pelos cofres públicos nos próximos sessenta anos.

Eu me segurei pra não pedir maiores explicações sobre aquilo que ouvia. Afinal, o que os tais economistas conceituam como "contas do INSS", "Orçamento do INSS"? Eles aí estão incluindo as contas da Seguridade Social – o que significa mais Saúde, Assistência Social e Seguro Desemprego? Penso que não. Mas não sou economista. Sou apenas uma servidora "inativa" e desconfiada.

Porque ocultar isto, mascarar isto é uma baita sacanagem, que permite injetar outra, no gancho: a Previdência brasileira é a mais cara do mundo! Só não contam que a Previdência de fora não inclui os itens todos da seguridade social que estão aqui incluídos.

Sobre este mascaramento, esta plástica drástica que fazem nas contas que nos mostram, dá gosto de ler a matéria do economista professor Eduardo Fagnani (Apito Brasil nº 90), cujas propostas de ações de inconstitucionalidade contra certas práticas picaretas implementadas pelos gestores das contas da previdência publica e social incluí no Blog do Grupo "D" da XXIV AND do Sinal.

É, caro colega, pedalar é preciso!

E bota o garoto na bicicleta, desde cedo, porque é de pequeno que se torce o pepino.

PALAVRAS FINAIS

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