BOCA LIVRE – Ideia, crítica & debate, nº 17, de 18.2.11: Não comam, por favor!
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EDITORIAL O texto aqui apresentado trata do “terrorismo inflacionário da grande mídia”, como define o próprio autor, Idalvo Toscano. Economista, com mestrado em Planejamento Urbano pela FGV/SP, Idalvo é coordenador de Estudos Técnicos do Sinal-SP e ativista do movimento de Economia Solidária. Boa leitura! |
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NÃO COMAM, POR FAVOR! Idalvo Toscano Os jornais vêm alardeando a alta da inflação, acima do centro da meta de 4,5% estabelecido pelo Banco Central, a alcançar trágicos 5,99%, a maior em cinco anos e nove meses. Quase não dormi por estes dias; quando consegui fazê-lo, sonhei. Um sonho benfazejo acompanhado de perto por Saint Simon, braço dado com Karl Heinrich, protetores dos pobres, que me tranquilizaram: no longo prazo, tudo irá convergir e os preços se estabilizarão. – No longo prazo? Mas aí todos estarão mortos, protestei, lembrando-me de Keynes. – Nem todos – responderam; só alguns. Disseram-me que a disparada da inflação decorria da elevação dos preços de alimentos e bebidas, além de serviços que, pressionados pelo consumo excessivo, a tradicional inflação de começo de ano (dita gregoriana), bem como fenômenos naturais, responderam por 56% da elevação de 0,83% do índice preço oficial, IPCA. Conferi nos jornais: o feijão carioca subiu 64%; o preto, 30%; as carnes, 30%; tomate, 27%, cenoura 22% e, como se isto não bastasse, tivemos a elevação de cerca de 11,5% nos preços do emprego doméstico e hotel. Nossos amigos proferiram prolongadas explicações que terminavam, sempre, na inexorável derrocada do capitalismo; eu, insistentemente, retrucava: – Mas, e até lá? Que faremos se os preços continuam a subir? Não sei se ouvi bem, mas entendi alguma coisa como “aquecimento” e “contaminação”. Como era um sonho, não me senti constrangido e perguntei direto: – Como? Trata-se então de uma “doença”? Uma doença do sistema de produção!? Os termos sugerem isso: humor do mercado, aquecimento, contaminação etc. – Não! – disseram. O que falamos foi que com a entrada de novos consumidores, não só no Brasil, mas em escala planetária, há um aquecimento da demanda por alimentos, como é natural e isso faz com que, na média, o índice de inflação aumente. A continuidade deste processo influencia as expectativas dos agentes econômicos e há uma contaminação dos índices de inflação futura. – A solução, então, é conter esta demanda? – É o que dizem os economistas “modernos” – responderam com certa ironia e conformismo. Ora, se até eles já estavam desanimados com o incessante império da racionalidade em direção a um mundo previsível, reduzindo o conhecimento econômico a um amontoado de certezas, que me restaria fazer senão retirar das gavetas de meus parcos conhecimentos, algumas contestações? – Mas a inflação não é diferente e varia conforme o padrão de consumo e/ou renda das famílias? Quero dizer, um aumento nos preços de alimentos não pega mais fortemente os que gastam mais de sua renda com comida? – Sim, é isso. O índice de inflação reflete uma média de preços em certo período e… – Ora, falam que o remédio seria, então, aumentar os juros para esfriar o crescimento da economia… – interrompi. – … e assim “segurar” o aumento do consumo de bens que são influenciados pelos juros. Deste modo, a taxa média da inflação cairia, mesmo que os preços dos alimentos não se reduzissem! – Quer dizer que é uma questão de “média”: os pés no forno e a cabeça no gelo… 50ºC! – Trata-se da “contaminação”; se todos pensarem que a inflação foge ao controle, todos subirão seus preços e, assim, de fato, os preços subirão! – Simples assim! – ironizei. – É isso que dizem… – Mas, usando este “método”, quem recebe renda de juros ganha, enquanto o resto da sociedade perde, não? Não haveria outra maneira de… – … de se fazer diferente? De não beneficiar uns enquanto outros são prejudicados? – Olha, é possível desde que se tenha um projeto de sociedade onde a renda do trabalho seja mais importante que a especulação! – Lá vêm vocês com estas idéias socialistas… – Nada disso; muitos países desenvolveram metodologias de cálculo que fazem com que situações dessa natureza não comprometam o funcionamento equilibrado da economia. – Então… – … então o limite é dado pelas expectativas do mercado e não pelas necessidades com as quais se defronta a sociedade e este não quer saber de retirar do cálculo da inflação uma parcela dos preços que foram afetados por uma safra ruim, por um excesso de bem estar – como se bem estar pudesse ser excessivo – provocado pelo aumento de renda dos mais pobres, pela inflação de começo de ano (escola, transportes, IPVA, serviços etc.). Para o mercado é tudo inflação que “compromete a rentabilidade dos ativos financeiros” e, pronto, não se fala mais nisso! – Mas, insisto – disse-lhes – é possível, então, fazer com que o aumento dos preços dos alimentos, que penaliza os mais pobres, não se transforme em ganhos dos especuladores? – Sim – disse Karl Heinrich – a inventividade do homem é infinita e isso faz com que sejam sempre possíveis soluções diferentes daquelas de manual. – É o que vemos quando temos problemas nos bancos, né? Não é mesmo? – repeti. – Bem sabes… as soluções estão no fundo do baú – falou Saint Simon. – Mas isso precisa ter um fim – falei. – É que a luta de classe acabou – quase gritou o velho Karl Heinrich entre risos copiosos de Saint Simon e ambos foram embora aos tropeços, pareciam embriagados. Acordei com uma sensação de que o mundo poderia ter solução… |
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