BOCA PAULISTA ELETRÔNICO nº 39, de 20.7.11: Para não cortar as pernas do crescimento – parte I
|
|
PARA NÃO CORTAR AS PERNAS DO CRESCIMENTO – PARTE I (*) O Relatório de Inflação do Banco Central do Brasil é o mais completo documento do regime de metas brasileiro, avaliando a economia doméstica e a internacional, com foco na inflação, atual e prospectiva. Na edição de março/2011 foi analisada a inflação de 2010, que atingiu 5,9% devido aos choques negativos de oferta. Para 2011 a inflação projetada está em 5,6% e para 2012 em 4,6% (cenário de referência). A taxa de crescimento do PIB para 2011 foi revisada de 4,5% para 4%. Desde o final de 2010 o BCB passou a diversificar seus instrumentos, utilizando medidas macroprudenciais, elevação de depósitos compulsórios e exigência de reserva de capital. O foco dessas medidas foi limitar o volume de recursos à disposição dos bancos, ou sua liberdade de dispor desses recursos. Isso representou uma inovação, na medida em que o mercado estava acostumado apenas a calcular o impacto de mudanças na taxa básica de juros, pois este sempre foi o instrumento convencional da política monetária. O BCB ponderou, balizado pelo bom-senso, de que seriam demasiados os custos de buscar o centro da meta (4,5% a.a.) ainda em 2011; e apontou para uma convergência mais suave da inflação para a meta, a ocorrer em 2012. Deve ser saudada esta postura de nossa autoridade monetária, pois representa uma afirmação concreta da tão necessária independência do BCB em relação à chantagem do mercado. Este tem uma opinião dominante que sempre prefere “estrangular” o PIB para que a inflação fique em níveis “adequados”. Mais juros, juram os jurássicos, pouco importa que o crescimento do PIB caia para menos de 3% (!). Há uma fila de especialistas e sábios que se perfilam para proclamar uma dita “ciência pura”, incontestável, transbordando dos oráculos. “Juros altos são uma necessidade” (O Globo 10.6.2011) é parte do mesmo que “Argumento do BC é posto em cheque” (Estadão 25.4.2011). Insistem que é científico e matematicamente calculado que hoje o BCB só tem uma escolha: desacelerar a economia (!). Veja só: desacelerar ainda mais! O PIB já foi comprimido para apenas 3,4% este ano (1ª página do Estadão de 12.6.2011); ainda não basta? Não, dizem os juristas: “está desacelerando… mas não o suficiente". Nós servidores do BCB, especialmente, temos de evitar os “chavões” e as frases feitas; nossa convicção deve ser alimentada por conceitos e informações técnicas. Qual é o nível suficiente? Qual é o adequado? Quais são os estudos empíricos, técnicos ou acadêmicos que o determinam? Há consenso? Quando a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, a Federação do Comércio SP – FCESP e os sindicatos reclamam que os juros estão altos, são/somos taxados de “políticos”. Os que reclamam o contrário não o são? Maiores juros não irão travar o investimento, ampliando os gargalos da oferta de produtos e assim, atiçar a inflação? Não irão cortar justamente as pernas do crescimento? É importante ressaltar: (1) a atual escalada da inflação é mundial, impulsionada pelas commodities metálicas, agrícolas e combustíveis; e (2) o Brasil carrega alguns setores totalmente indexados: energia elétrica, gás canalizado e telecomunicações, privatizados com generosos contratos de concessão que foram brindados e “blindados” por 30 anos de correções anuais vinculadas ao IGPM, na maior parte dos casos. Dado que estas “variáveis independentes” não são afetadas por apertos da política monetária, reduções das taxas de inflação necessitam penalizar duplamente outros setores da sociedade. Trazemos à lembrança Casimiro Montenegro, Marechal-do-Ar, maior responsável pela criação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e da indústria aeronáutica brasileira, administrador dotado de sensatez e inteligência que ousava enfrentar as normas e culturas inflexíveis. A burocracia do ITA não conseguia entender a importância dos geniais cientistas que ele trazia de todo o mundo para enriquecer a tecnologia aeronáutica brasileira. Ficou famoso o caso do professor norte-americano R.N.Dubois, um gigante na matemática e na estatura (2,10m), segundo o relato de Fernando Morais. Há tempos o professor pedia uma cama maior do que o padrão, pois não dormia bem, mas o pedido ia de mesa-em-mesa e sempre esbarrava no Regulamento, que disciplinava os móveis produzidos pelo instituto. Um dia, o processo foi parar na mesa de Montenegro, que ficou perplexo pelo fato de ser chamado a decidir um assunto como aquele. Sopesando os pareceres e o ridículo da situação, expediu um memorando ordenando, face à rigidez do regulamento, que se conduzisse o prof. Dubois à marcenaria para que suas pernas fossem serradas na altura dos joelhos… (claro que, rapidamente, uma cama king size foi providenciada). Voltando ao tema do bom-senso. Na dinâmica atual 2011 deve fechar com inflação em torno de 6%, dentro da meta mas inaceitável pelo mercado e que exigiria uma compressão adicional do PIB para forçá-la a cair para algo como 5%, aí sim, talvez, “aceitável pelo mercado”. Haverá bom-senso em se estrangular mais ainda o PIB e o investimento? Qual o custo/benefício de se acabar com a geração de empregos, sufocar os projetos de investimento, reeditando mais um capítulo do já conhecido e contraproducente stop-and-go da atividade econômica? Tudo isso para que a inflação caia cerca de 1%? O BCB merece todo o apoio na ampliação da citada postura de independência. A exemplo do Marechal Montenegro, o qual não se fiava em certos especialistas, que prontamente cortariam as pernas do professor mas não aumentariam o tamanho da cama. Conselho Regional do SINAL/SP (*) ainda sem decisão do COPOM, no dia 20/7/11, e das justificativas a serem publicadas em ata. De posse desses elementos, expressaremos nossa avaliação sobre a influência do mercado financeiro na taxa de juros e o grau de autonomia do BC frente a essas influências. |
|
|